Editorial do
"Jornal do Brasil", desta segunda-feira, dia 2, que
reproduzo por considerá-lo muito atual.
Os azares na escuridão
O que
estaria emperrando o Brasil, impedindo desvencilhar-se de dificuldades
acumuladas, como se fosse mau-olhado ou corpo condenado em poderosas macumbas?,
daquelas tidas como infalíveis em porta de cemitério. Os astrólogos olham o
mapa do céu, e afirmam que não estamos conseguindo sair do centro de confusões
astrais, a gerar energias negativas; mas há cientistas científicos garantindo
que nossos azares sempre são abençoados pelo voto descuidado do eleitor. Seria
assim? Na origem de todas as coisas ruins estaria nossa manifestação defeituosa
diante da urna?
Com ou
sem o concurso de superstições e do exercício do “achismo”, o país tem, sobre
seus dias, não apenas os tropeços que nos cavalgam apocalipticamente, como
também por não vislumbrar uma saída; um analgésico para as dores. Pois em meio
a incertezas, vê-se que a maioria nem consegue dizer, com exatidão, de que se
queixa, como diria, em situação semelhante, o líder do laicato católico,
professor Henrique Hargreaves: “ninguém está contente com a situação, mas
ninguém sabe dizer exatamente por que não está contente”.
Diversamente
de outras épocas, desta vez o brasileiro parece se sentir num vácuo, ou sem
destino. Mas, voltando-se para pesquisas, seminários profissionais e
entrevistas de rua, quanto a esse sentimento a explicação aflora de imediato,
para remover aquela dúvida do grande
professor: uma das marcas do momento nacional é que ele coincide, a um
só tempo, com o descrédito da população nos três poderes. Num mesmo julgamento,
é capaz de desabonar os três, com o rigor da simultaneidade. Vê-se, portanto, o
cidadão empurrado para uma espécie de orfandade cívica.
No
lastro das explicações possíveis, surge também uma certa diferença do clima de
hoje em relação a crises de outros tempos. Até mesmo em relação à experiência
sombria das ditaduras de 37 e 64, porque com elas, ao se esgotarem em suas
próprias entranhas, abria-se uma janela para a travessia, rumo à morada da
redemocratização. Agora, reconquistada na sua plenitude, falta ao brasileiro,
de qualquer parte, um norte, um ponto no horizonte.
Executivo,
Legislativo e Judiciário foram condenados, juntos, à desconfiança do povo, que
não é capaz de identificar neles o alento desejado. Eis aí o ponto mais
delicado da questão, a grande dúvida. Se é assim, onde buscar abrigo para uma
infinidade de anseios e postulações? Montesquieu, em sua teoria da separação
dos poderes, pretendeu vê-los com responsabilidades tripartites, soberanos e
interdependentes em seus afazeres. Aqui, conseguimos torná-los separados, mas
muitas vezes confundidos em suas missões. Com alguma frequência, confundem ao
avançam sobre o poder alheio, como se deu no episódio do esboço de reforma
política, tarefa que o Judiciário assumiu, atropelando o Legislativo. Tempo
depois, a impropriedade dessa incursão seria objeto de confissão do ministro
Luiz Fux, ao lembrar que ”o Parlamento é o lócus por excelência, em que devem
ocorrer as deliberações sobre questões políticas fundamentais da sociedade”.
As
decepções da sociedade levaram à convicção de que é sempre duvidoso, para não
se dizer impossível, esperar que venham do Planalto grandes realizações em seu
socorro. Aliás, vale notar, é um quadro que pode multiplicar complicações,
quando presidência da República, Congresso Nacional e o Judiciário se revezam
para abarcar e dividir responsabilidades na progressão das incertezas. O
exemplo que ocorre, de imediato, é a generosa complacência dos três poderes
constituídos ante o desafio da avassaladora política dos juros bancários, que
no Brasil assume a dimensão de grave crime, não tolerado em qualquer outra
parte do mundo. E então, como ficamos? Contra os juros não há lei, porque
Legislativo não se anima a legislar; não se toma providência, porque o
Executivo não executa; não há justiça, porque ela não é justa.
Antes -
basta conferir o passado -, as esperanças brasileiras iam bater à porta de,
pelo menos, um desses endereços. E hoje?