Um estranho no ninho
É duvidoso que o presidente Jair Bolsonaro tenha propósito de levar avante a indicação de um de seus filhos, Eduardo, para assumir a embaixada brasileira em Washington, até porque, pai zeloso, haverá de compreender que estaria lançando o membro de sua prole no mais complicado e perigoso ninho da política internacional, onde o litígio de altos interesses, mais que em qualquer outro lugar, exige couraça de crocodilo e sagacidade de felino, para repetir o que já disse um ministro indiano que ali atuou. Se é um cargo que não dispensa a indicação de diplomata ou político com suada experiência, para tanto basta lembrar que, se os Estados Unidos são o país de maiores poderes do mundo, sua capital é uma extensa teia nevrálgica, onde se operam coisas complicadas nas relações internacionais contemporâneas. Não por outra razão foram para lá, em nome dos interesses do Brasil, embaixadores do cabedal de Vasco Leitão, Roberto Campos e Moreira Salles. Não é lugar onde jogam principiantes; e o filho do presidente ainda tem de viver o suficiente para embates dessa envergadura. Terá tempo para aprender e saber que o domínio do inglês é muito, mas não é tudo.
Um aspecto que não pode escapar dessa linha de raciocínio é que vem se ampliando a tendência de o Brasil estar autorizado a participar menos discretamente de discussões sobre os negócios comerciais do globo. Como também das crises internacionais, que podem se revelar agressivas ou momentaneamente sutis, mas sempre com vastos cardápios onde jamais faltam sapos indigestos. Anfíbios longe de serem digeridos pelo paladar que o clã Bolsonaro verbaliza com desenvoltura; quanto mais em se tratando dessa geração recente. Para contrastar com o desejado embaixador, estamos num tempo da chamada “open diplomacy”, quando ela deixa de ser meramente bilateral para se tornar multinacional. Portanto, digna das mais altas complexidades.
Não é só isso que estaria a recomendar ao presidente poupar o filho de uma experiência da qual sairia com escassa chance de êxito. Ocorre, ainda, que o Congresso, onde as indicações são submetidas a rigorosa sabatina, tem primado por aproveitar ocasiões dessa natureza para mostrar o poder de veto do Legislativo, ao mesmo tempo em que cuida de precaver-se em relação a possíveis tropeços da diplomacia arquitetada pelo Executivo. Para tanto, nem hesita em criar constrangimentos para os indicados, sem embargo de sua expressão cultural e política.
Exemplos não falam. Getúlio Vargas desejou o grande Olegário Mariano para a embaixada em Lisboa, mas ele teve 24 votos favoráveis e 23 contrários. Só aceitou viajar porque o presidente o convenceu de que um voto também faz maioria. A mesma escassa diferença permitiu a José Aparecido de Oliveira representar o país em Portugal. Apenas três votos a mais do Senado permitiram a Itamar Franco ser embaixador em Roma. Sempre e apenas pequenas diferenças, só para constranger. Recusa mesmo só atingiu Ermírio de Morais, indicado em 1961 para a embaixada na Alemanha. Derrota com endereço certo: hostilizar o presidente Jânio.
A insistir em contemplar o filho, o presidente terá de se desviar de outro desafio, a acusação de nepotismo, e com possibilidade de abrir-se um impasse que baterá à porta do Supremo. Razão a mais para evitar o risco de novo embate com o Congresso, de onde a reforma da Previdência já está saindo vitoriosa, mas cheia de arranhões.