Bagagens que comprometem
Não apenas um, mas vários e respeitados estudiosos da arte de proteção aos chefes de governo, consideram que é impossível armar um esquema de segurança de tal forma prefeito, que se permita considerar o protegido totalmente fora de perigo. Nem se excluem aqui os homens responsáveis pela integridade do presidente dos Estados Unidos, mesmo sendo ele alvo do mais caro e sofisticado esquema de proteção que se conhece. Os agentes geralmente, se honestos, confirmam que sempre há um detalhe para construir vulnerabilidades, como citam jornalistas americanos, entre eles Anton Bolder, ao estudar as circunstâncias em que ocorreram os atentados contra Kennedy e Reagan, para concluir que segurança absoluta só é possível no quarto de dormir. Mesmo assim dependendo de quem estiver ao lado...
O assunto certamente teria tudo para ser discutido, como consequência do recente flagrante de transporte de cocaína num aviação da comitiva do presidente Bolsonaro, que viajava para o Oriente. Provavelmente o tema não teve como prosperar, com um mínimo de seriedade, porque logo descambou para a galhofa, objeto de incontáveis piadas que povoaram a internet. Afora isso, estamos todos autorizados a indagar a quantos anda a segurança do presidente e de seus assessores. Sim, porque onde entram trinta quilos de cocaína, pelas mãos de alguém das Forças Armadas, sob os auspícios de um total descuido, poderia, sem dificuldades maiores - por que não? - entrar um petardo para explodir em pelo voo. São coisas possíveis não apenas na imaginação fértil dos filmes de James Bond.
Imagina-se a que ponto chegamos. De forma a se abrir espaço para planos terroristas, tendo governantes como alvo, e atribuídos a pessoas de sua convivência, integrantes do apoio técnico de suas comitivas. Ora, um indigitado sargento, levando para a Europa o pó maldito, provou que por perto é que o perigo ronda. Quanto mais próximo, maior é o risco, o que, aliás, o próprio Bolsonaro experimentou, ao ser esfaqueado em via pública por alguém que simulava aplaudi-lo.
Não são de agora os perigos. E interessante, são riscos esquecidos, tanto quanto mais frequentes. Ninguém andou mais próximo do príncipe de Sarajevo, quando foi atacado, e com seu sangue precipitar a Primeira Guerra Mundial. Os próprios agentes de segurança, sem embargo de serem rigorosamente arregimentados, mataram Barthou, na França, e Indira Gandhi, na Índia. Atentasse para as proximidades, o primeiro-ministro judeu Itzhak Rabin não teria perdido a vida. Ou outro imprudente, o nosso Prudente de Moraes, que só não morreu porque seu ministro Machado Guimarães pôs-se à frente.
Não se exagere em afirmar que Bolsonaro deva dispensar seus protetores, mas é desejável que cuide de saber quais as cargas indesejáveis que viajam ao seu lado, e cobrar medidas preventivas adequadas. Mesmo para serem evitados constrangimentos diplomáticos, como o que acaba de ocorrer.
Nem sempre o governante preza o suficiente para admitir rigidez nas medidas que se destinam a preservá-lo. Costuma acreditar que elas podem torná-lo impopular. Ocorre que a segurança de sua pessoa vai além dela. Trata-se da proteção do próprio estado, que mergulha em crise quando o governante é agredido ou morto. Convém, por isso, que tais medidas sejam aplicadas com rigor. O que nem deve dispensar o auxílio de cães farejadores para saber o que vai nas mochilas da tripulação palaciana. Era o que faltava.
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