quarta-feira, 25 de setembro de 2019


Reformas fora de ordem



A prática é antiga, da qual não conseguiram escapar, mais uma vez, as lideranças com assento nas duas casas do Congresso. Com a falta de coragem para cuidar de uma reforma política, verdadeira, profunda e substantiva, entrou em cena um conjunto de ajustes de providências eleitorais, às quais se ousa dar falso rótulo reformista. Um engodo, visto que aos parlamentares a nada mais preocupam que não facilidades para a reeleição. Suficientemente já se demonstrou que a inconsistência dos dispositivos que regem o processo eleitoral, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, é resultado da fragilidade da estrutura política, que deve anteceder àquele. Tanto assim, que as mexidas praticadas nas regras têm de ser permanentemente renovadas. No Brasil não são capazes de resistir a duas eleições.

Onde já se viu maquiar o receituário eleitoral? se antes dele temos a reclamar a reforma política estruturante. Constatação que não podia ser ignorada por detentores de mandato; mas ela não consegue sobrepor-se à tentação da permissividade e do circunstancial. A novela se reprisou, sob o mesmo cenário, na semana passada, quando a Câmara dos Deputados cuidou de aprovar, altas horas, tão discretamente quanto possível, peças de uma legislação onde altera o sistema a ser trazido aos eleitores no ano seguinte. As mudanças tiveram foco na flexibilização das normas na prestação de contas de gastos com as campanhanormatizadas pelo TSE, começando pela destinação de mais recursos para o fundo de financiamento eleitoral, além de perversa falta de transparência nas relações dos partidos com a sociedade.

No Senado, matéria procedente da Câmara enfrentou críticas da sociedade civil, em sua maioria procedente das redes sociais. Diante do clima desfavorável, e considerando que os deputados deixaram tudo para undécima hora, os senadores, procurando escapar de inevitáveis desgastes, “pipocaram” e rejeitaram a maioria dos dispositivos polêmicos. Ficou, contudo, o que se referia à necessidade de constar na lei orçamentária anual um valor para o fundo daquele tipo de financiamento.

No jogo de empurra a que desde então a opinião teve de assistir, a matéria foi devolvida à câmara menor, onde se estabeleceu a corrida contra os ponteiros, com pouco tempo para deliberações, uma vez que, pelo princípio de anualidade da legislação eleitoral, o prazo se esgota no dia 4. Não ficaram faltando queixas de deputados, que deploram o fato de os colegas de cima, numa atitude pilatesca, lavarem as mãos, evitando subir o calvário onde sangra tema tão melindroso.

Outro aspecto a preocupar na discussão é a possibilidade de se ampliarem, sem controle severo, as quantias do fundo que financiará as eleições municipais seguintes. Uma vez que, ao não estimar um valor na legislação para tais recursos, fica a sensação de o Congresso conceder um 'cheque em branco' para custear a campanha dos partidos e dos candidatos.

Seja como for, cabe lembrar que a nova legislatura, tão recentemente inaugurada, está escancarando diante da nação e do eleitorado que nada mudou no comportamento dos políticos atualmente com mandato no Congresso Nacional, embora as duas casas tenham sido renovadas significativamente nas urnas. Estão assumindo e reafirmando a prática de velha política, onde o principal é garantir a reeleição imediata, mantendo-se o carreirismo tão criticado nos palanques de 2018. É a triste realidade com que temos de conviver.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019


Mal que vem pra bem



No interior de Minas, correligionários do presidente Bolsonaro pretenderam promover manifestação na sexta-feira, quando transcorre o primeiro aniversário do atentado que sofreu, ainda como candidato, naquele Estado, onde quase perdeu a vida. Acabaram desistindo de algo mais expressivo, porque o próprio desinteressou-se por ampliar o uso político do episódio, não mais envidando esforços para provar que o agressor agia sob inspiração de oposicionistas interessados em sua derrota nas urnas. Pensava-se, até mesmo, inaugurar uma placa metálica na esquina comercial em que ocorreu o atentado, onde, para muitos, reescreveu-se a crônica eleitoral de 2008. Bolsonaro cresceu e venceu ao impacto da solidariedade de milhões a alguém ferido por uma facada. Mas a data não fica totalmente esquecida, porque simpatizantes pragmáticos vão celebrá-la com uma campanha de filiação em massa ao PSL, partido governista.

Dia como esse 6 de setembro não é para festas, sejam quais forem as simpatias ou antipatias alimentadas pelos brasileiros em relação ao presidente, pois tais sentimentos há; para mais ou para menos, conforme a terminologia das pesquisas que são elaboradas sobre ele e seu governo. Mas, se ainda se permite aproveitar o ensejo da data, valeria lembrar que a Amazônia e sua fornalha, se ardem e castigam, também podem se converter em presente.

Primeiro detalhe é ruim. O desastre abala o governo, pois o mundo fez o Brasil sentar-se no banco dos réus, acusado de ter se transformado no mais cruel dos delinquentes ambientais. Não arrefece as hostilidades lembrar que o fogaréu vem de pecados que se repetem há décadas; e nem por isso os ambientalistas deixam de se queixar do pouco-caso brasileiro com o verde amazônico, mesmo que seus países tenham cometido crimes tão ou mais graves.

Por outro lado, não falta algo de útil que Bolsonaro pode extrair desse temporal que desabou sobre o governo. Porque o mundo, mesmo crítico e agressivo, vê-se obrigado a reconhecer o Brasil como principal instrumento de desejável mentalidade ecológica universal, tão revolucionária quanto corajosa. A causa, se o presidente desejar, pode lhe cair ao colo como regalo, com todas as oportunidades para mostrar que, se o planeta precisa da Amazônia, a Amazônia precisa de todos os povos que se preocupam com ela.

Cabe então aos outros governos respeitar a floresta, não com verbas ocasionais oferecidas ao sabor de reações da opinião pública, mas adotá-la, principalmente contribuindo com serviços técnicos e contendo ambições desmedidas de certas organizações não governamentais, que, sob capa ovina, são as primeiras a proteger incursões criminosas e a exploração de diversificadas riquezas naturais. O esbravejador presidente Macron prestaria relevante serviço se ajudasse a conter a ganância com que empresários europeus subornam madeireiros e comunidades indígenas em busca de fortunas pela via da importação predatória e clandestina dos lenhos de qualidade que saem por fronteiras quilométricas, carentes de fiscalização. Ou que, incidindo em delitos não menos graves, almejam facilitar a internacionalização da exploração de minerais. Desconfia-se, não sem fundadas razões, que a preocupação com as árvores que pegam fogo esconde o que está por baixo delas…

Não é tarefa das mais fáceis obter que o presidente dê tratamento a tão grave problema sem as paixões  conhecidas em suas abordagens. Mas, como se diz, ele precisa aproveitar o limão da hora e dele fazer a limonada: tão logo cessem as críticas e cobranças, sensibilizar a opinião pública internacional para os reais desafios da Amazônia. Fazê-lo em termos severos e respeitosos, com a serenidade digna de quem há um ano começou a viver de novo. O momento pode ser o grande presente, se souber aproveitá-lo e vender seu peixe ao mundo.