Maia, o alquimista
(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
Certamente mais importante que as questões administrativas da Câmara dos Deputados, a eleição de seu presidente parece chegar tingida das cores de um vestibular para a sucessão de Bolsonaro em 2022. Há quem considere cedo demais dar trato ao assunto, mas não para quem está no centro do poder, com ele convive e dele não pretende se afastar. Nesse caso, não há tempo a perder, e é chegada a hora apropriada para lançar as primeiras pedras de um tabuleiro complexo, onde o primeiro desafio está na capacidade dos jogadores de juntar e somar.
Há evidências, de fato, que a eleição do dia 1º de fevereiro tem a ver com o cenário que adeptos e adversários de Bolsonaro pretendem montar para o próximo ano eleitoral. Pois o primeiro desses sinais parte de algo que, pelo menos nestes dias que correm, é consensual: o atual presidente é candidato consagrado dos grupos e partidos de inspiração direitista; e não se sente que novos fatos possam removê-lo dessa preferência, mesmo que prosperem suas derrapagens, muitas vezes imprevisíveis. Para consolidar a conclusão a que se chegou, já admitida por vários analistas, ele vem conseguindo manter-se entre 35 e 37% dos apoiadores, fiéis desinteressados em tropeços palacianos. Não abalado esse percentual favorável, Bolsonaro terá assegurado vaga no segundo turno, e com ela disputar novo mandato.
A repetição, nas pesquisas, daquela cota de apoio não deixa de ser um dado sensível a compor o painel eleitoral no desenrolar deste mal iniciado 2021. Sem embargo do risco de as preocupações políticas cederem, de vez, espaço e prioridade à pandemia, que, ainda recentemente, já havia contrariado a eleição de novembro, com um enorme rastro de abstencionismo. Portanto, infelicidade que pode se repetir, e ganhar
novos piques de agravamento, graças à irresponsabilidade suicida dos que insistem em desafiar o vírus e a morte.
Como, então, apor resistência ao projeto de mais quatro anos para a direita que hoje se hospeda no Planalto? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a quem o Supremo Tribunal confiscou a intenção de reeleger-se para o cargo, percebe, certamente, que o plano de Bolsonaro está consolidado no seio das forças que atualmente o garantem, a começar pelos militares, embora não sejam eles os únicos. Arrisco afirmar que o deputado sentiu, faz algum tempo, que a esquerda não cuidou, suficientemente, para tornar-se, sozinha, uma alternativa para o poder central, porque preferiu persistir em manter-se refém da desgastada figura de um Lula cercado de muitas suspeitas, sendo elas procedentes ou não.
O Partido dos Trabalhadores tem história que o autoriza a um projeto presidencial solo, mas não agora, em momemto de declínio e comprometido com dificuldades. Foi o que animou expectativas de um amplo espaço estar aberto, no próximo ano, a uma proposta de centro-esquerda, onde Maia, no estrelar de muitos ovos, poderia ser, ele próprio, solução para a cabeça de chapa. Um plano de envergadura, desde que consiga remover antigas diferenças entre esquerdistas e direitistas descontentes, agregá-los, conjunturalmente, por serem coincidentes suas rusgas e antipatias em relação ao governo.
Seria como pinçar o que há de aproveitável nos extremos, para colocá-los num mesmo saco, mesmo que enorme o peso de divergentes, ocasionalmente aliados. A fórmula não é nova, várias vezes lembrada. Algo semelhante já propusera, aqui mesmo neste Rio de Janeiro, nos anos 50, Amaral Peixoto, para inflar o seu velho PSD. Repeti-la hoje, como preconiza o conterrâneo do almirante, só acresce o fato de o PT e Centrão viverem como certos elementos da natureza, imiscíveis. Nunca se misturam, ainda que para temperar propósitos passageiros.
Assim, com alguma dose de boa vontade, a esperada disputa entre Baleia Rossi e Arthur Lira pela cadeira presidencial da Câmara, se for mantida, cambaleante nos colos de breves tolerâncias, não será mais que um teste; um ensaio, no qual as melhores expectativas ficariam com o Centro, agora posto na estrada com o apoio dos petistas. Por que um balanço mais favorável ao Centro? Porque ele aprendeu habilidades que o levam a não se afastar do poder. O governo é sempre formado de gente muito boa, ensina o código centrista de esperteza…
O deputado Maia, nadando contra gentes contrárias, começou a construir, e ainda não terminou, um delicado acordo, costurando rupturas, soldando desarmonias, cimentando rachaduras. É custoso, como cozinhar com ingredientes de sabores tão diversos, misturando azougue e azeite. Tem que ser paciente alquimista. Mas para ele vale tentar, porque já perdeu o ideal da reeleição. O que vier agora fica na conta do haver.
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