terça-feira, 6 de julho de 2021

 





Reforma fora de hora



((Wilson Cid, hoje, no"Jornal do Brasil")) 



A insistência com que alguns setores políticos, notadamente parlamentares, vêm propondo a discussão de itens sensíveis da pretensa reforma política, autoriza supor segundas intenções nessa campanha, que neste momento não teria como almejar aperfeiçoamentos substanciais. Porque esta é exatamente a hora mais inadequada, totalmente imprópria para que se possa conferir atenções a matéria dessa relevância. Há que se indagar. Mesmo que seja com uma dose de boa vontade, como discutir e votar tal reforma?, quando a quadra em que vivemos ferve, febricitante, na maior crise sanitária de que se tem notícia; como? se no Congresso prospera uma tentativa de levar o presidente da República ao impeachment, o que, só pela tentativa, já resulta em grave problema.


As crises política e sanitária, encavaladas, cada qual disputando precedência e atenções especiais; e o país sob nuvens pesadas, que misturam ansiedades e descrenças. Como, então, abrir uma cunha nesse quadro, para dividir tempos, por exemplo, com distritão e nova cota parlamentar para mulheres, entre outras ideias, que, longe de serem impertinentes, são totalmente inoportunas nas atuais circunstâncias.


Suspeita-se de segundas e indiretas intenções no encaminhamento dessa reforma, neste momento, sem que se possa ignorar que, em tudo que se pretende mexer, há que ver tramitado em prazo improrrogável até outubro, para que se preserve tempo hábil de vigência na eleição de 2022. A persistir, teremos garantia de atropelos, correrias e decisões apressadas, porque na legislação eleitoral alterações substanciais requerem antecedência de um ano.


Chegando o momento de reconhecer a impropriedade momentânea para mudanças, num tempo escasso e muita insegurança entre as lideranças, provavelmente os patronos da reforma acelerada se contentem em adiar tudo, em troca de condescendências, que, em última análise, é o que desejam, como rever a Cláusula de Barreira, que condenou vários partidos à escassez de oxigênio político. Estão ofegantes, ameaçados de ficar sem propaganda na TV e sem os cofres dos fundos, condenados a morrer, a menos que nova lei ofereça um socorro generoso.


Outra compensação para se esquecer a reforma – quem sabe? - seria reduzir as pretensões ao fim do voto proporcional, essa infâmia que a consciência política do país custou a banir. Muitos deputados gostariam de reativar o antigo erro, que seria a forma de restabelecer a prática de desviar votos dos bem votados em favor dos candidatos que não gozam de suficiente prestígio para se eleger; são como viajantes caroneiros que se valem da boleia alheia.


É preciso reagir, com vigor a qualquer tentativa de restabelecer o voto proporcional, que, no pensar do jurista e ex-ministro Saulo Ramos, é o mais fecundo arranjo, o despropósito de derrotar muitos entre os mais votados e eleger os menos escolhidos. Sua abolição, dizia ele, foi reclamada (e custou a ser ouvida ) pelas inteligências mais lúcidas do Congresso.



Novidade que veio dos pampas



A alguns pode parecer de importância menor, mas, na verdade, sobram razões para admitir que, em meio aos solavancos de uma política conturbada, carregada de incertezas, ocorreu fato realmente novo; e seria arriscado condená-lo ao refugo. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, já lembrado entre presidenciáveis, roubou a cena exclusiva dos veteranos, ao assumir dois lances formidáveis. Primeiro, apresentou-se como gay. Nada a esconder. Antecipou-se, expôs um segredo comportamental, e com isso esvaziou, desde agora, investidas homofóbicas que, seguramente, viriam dos adversários, entre os quais não estão ausentes alguns de seus correligionários tucanos.


O segundo lance, que tem tudo para não ser desconsiderado nos projetos da sucessão de Bolsonaro, em 2022, está na evidência de que Leite já sai cativando a simpatia e votos fiéis de uma vasta comunidade que luta pelo efetivo reconhecimento da liberdade sexual; os que não mais desejam omitir, mas manifestar, livremente, sua natureza, sem terem de se curvar à natureza dos que discordam. Ele deixou de ser uma expressão limitada aos pampas. É uma figura nacional.


Interessantes os caprichos da política, capaz de gerar fatos inesperados, como essa atitude do governador gaúcho, que entra na semana confirmado como possível candidato à presidência da República, sustentado por um marketing gravado em cores do arco-íris.


Não se vota ou se deixa de votar em alguém por causa de opções sexuais. O significa que, depois do gesto de coragem, o governador agora terá de dizer o que pretende para o seu país plural e multicolor.


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