terça-feira, 26 de outubro de 2021




A fraqueza dos fortes



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Interessante a singularidade da ótica das forças de esquerda no Brasil, o que, em certos casos, até permite sentir tendência ao estrabismo político. Como ainda agora se nota: quanto mais atraentes parecem as razões para se unirem; e sabendo que, unidas se credenciam para tentar chegar ao poder, maiores se revelam as dificuldades para a construção de um conjunto. Tamanha percepção, muito clara, vai passando batida diante dos que comandam as correntes que se opõem ao atual governo; e sabem que, se se juntassem, poderiam atingir o objetivo. Mas são fracos nas próprias forças, porque a dificuldade está em que, acima da unidade, prevalecem as ambições. Não há como ver de outra forma.


À estranheza facilmente se chega quando é avaliada a natureza programática dos partidos em questão. Observemos que dois levantam bandeiras trabalhistas, PT e PDT. Outros quatro se mostram ao eleitorado com ideias socialistas: PSB, Psol, Cidadania e Rede. Dois são os que podem se definir como ambientalistas – Partido Verde e Rede.


Pois as coincidências dos programas (sem embargo de estarem recheados de propostas artificiais) não são levadas em conta pelas lideranças, que teriam todas as razões para se aglutinarem em torno de um mesmo projeto eleitoral.


Outra questão a clamar por explicação racional é que a indisposição para se acordarem prospera exatamente quando os planos da direita e centro-direita sinalizam para a unidade no momento oportuno; e, se hoje estão desentendidas nos detalhes, acabarão dispensando os conflitos na reta final, correndo para o projeto da reeleição de Bolsonaro, no primeiro ou no segundo turno. Interessante é que se trata de uma evidência não suficiente para despertar a oposição.



Boca do cofre


A questão que agora se levantou sobre o furo no teto dos gastos da União para socorrer com R$ 400,00 famílias mais necessitadas é prenúncio, com toda certeza, de dificuldades que o ano eleitoral reserva nas relações entre políticos e economistas do governo ou fora dele. Porque, se os técnicos não têm responsabilidade direta com o socorro a uma população que caminha para a indigência, vão continuar se contrapondo, naturalmente, aos políticos. Deputados e senadores se escudam numa sensibilidade social que tem tempo certo para começar e para terminar. Não se trata de virtude duradora, pois vai desaparecer tão logo cessem os interesses eleitorais. Agora, por exemplo, a generosidade temporária, que colidiu com a equipe de Paulo Guedes, evidencia, com todas as letras e cores, que os parlamentares, escorados em fundos e emendas, preparam fôlego para a corrida rumo às urnas.


O episódio recente fez do ministro da Economia um ator entre a cruz e a espada, e certamente pagará com uma cota de desgaste. Já no primeiro momento, não teve como evitar ressentimentos com a equipe, até então preocupada em preservar normas fiscais, o que acabou custando a demissão de dois colaboradores; e, destes, outros tantos assessores. Foi a cruz. A espada quem lhe impôs na garganta foi o próprio presidente Bolsonaro, que, franco candidato à reeleição, precisa do adjutório dos cofres para chegar às camadas mais pobres do eleitorado.


O caso poderia ser melhor avaliado quanto aos aspectos sociais e econômicos não fosse a certeza de que a concessão, à custa dos limites fiscais, além do envolvimento dos precatórios, resulta de projeto inspirado nos gabinetes do Centrão, onde nada se pensa, nada se executa, sem que se tenha em mente a caça aos votos. Nesse sentido, conclui-se que os apoiadores ocasionais do presidente não se preocupam apenas com o destino político dele, mas com a sorte dos que aspiram à reeleição para as duas casas do Congresso. Principalmente os filiados àquele ajuntamento já ganharam a certeza de que serão convidados a acolher as emendas parlamentares, com que o Executivo premiará a lealdade ocasional.


A velha Bolsa Família, agora com novo nome, Auxílio Brasil, engorda no meio termo da divergência entre políticos e técnicos. Se para estes não se devia conceder além de R$ 300,00, para aqueles o que se pretendeu era uma generosidade suicida de R$ 700,00. O ministro Guedes ficou no meio do tiroteio. Sobreviveu, mas sai chamuscado.


Prestes a entrar em ano de eleição, um desencontro da magnitude da que acabamos de ver, preocupa, porque dos candidatos, ávidos, nunca se sabe quanto mais vão querer nos meses do calor da disputa. O presidente e seu governo, sem terem como perder o que já investiram, ficarão reféns de novas pressões e exigências. Tomara que não.



Receita repetida


O fato não é tão distante. Pode ser relembrado facilmente. Em 2000, esbarrando na resistência de áreas conservadoras, que sempre bateram a cabeça com seus projetos eleitorais, principalmente no campo empresarial, Lula foi a Minas buscar José Alencar Gomes. Mais que o vice que não alimentava maior pretensão política, Alencar foi, antes de tudo, um fiador. Terminaram os temores da direita em relação ao metalúrgico sindicalista.


Hoje, Lula já deu provas cabais de que jamais foi socialista de fé, mas ainda é visto com alguma desconfiança pelos conservadores que se atrelam a Bolsonaro, por segurança. Sendo assim, talvez para os petistas seja adequado acrescentar aos planos de um terceiro mandato tomar, de novo, o trem para as montanhas, e tentar reeditar a receita de 2000. A diferença é que em Minas o PT vem de grande fiasco eleitoral, ao empurrar a ex-presidente Dilma para modesto quarto lugar na disputa por uma cadeira no Senado.


Tem-se que, entre os mineiros, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, pode ser nome adequado para a vice, começando por demovê-lo do sonho da presidência. Menos um para concorrer ao cargo mais alto. Tal como um cometa, ele já correu partidos, acaba de sair do DEM e ingressa no PSD, onde continua sendo direitista sem preconceitos: nada o impede de aproximar-se do PT, que nele teria a receita pronta para ser aviada, com remédio mineiro. E seria uma vice confiada a alguém do segundo colégio eleitoral do país.


Restam algumas dúvidas. O senador, se dele vão esperar corajosas articulações, é preciso ponderar o excesso de cuidado com que geralmente cerca as decisões, coisa que nem sempre o tempo e as circunstâncias o permitem. Porque tem o mesmo estilo que, muitos anos atrás, levou Yeda Crusius a definir o colega Eliseu Resende: muito bom, mas muito mineiro.


Outro detalhe que se impõe ao PT é que aquele Estado tem peculiaridades políticas capazes de premiar ou condenar evidências, como se viu no sacrifício de Dilma, e o senador também tem adversários hábeis em desmontes. E lá nada se acerta com grandes antecedências. Por isso, costuma-se dizer que em Minas nem sempre as coisas são como parecem ser.


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