terça-feira, 26 de abril de 2022

 


Incertezas são muitas

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


A poucas semanas das convenções partidárias, quando serão homologados, os candidatos oposicionistas à Presidência da República ainda vivem clima de incertezas. A começar por Lula, que tem agido francamente como candidato, mas sem o anúncio definitivo de seu projeto eleitoral. Ciro Gomes, embora sempre garantindo a terceira colocação em todas as pesquisas, não consegue coligação majoritária com o seu PDT, o que seria importante para avançar; enquanto no MDB a senadora Simone Tebet enfrenta o bombardeio de setores emedebistas que não a querem, porque simpatizam-se com o candidato do PT.

Não menos nebulosas mostram-se as incertezas nos terrenos do PSDB, onde já havia se instalado na prévia partidária o dilema sobre o candidato com maior viabilidade eleitoral: Dória ou Leite? Juntos ou separados, um problema de percurso na caminhada do tucanato. O União Brasil decidiu que, pelo menos por hora, deve ter candidato à sucessão de Bolsonaro, e, para tanto, apresenta seu próprio presidente, o deputado Bivar, que, no íntimo, se satisfaria em ser vice de algum dos candidatos citados. Ele entra em cena carregando a pesada mochila do partido, farta em tempo de propaganda e abarrotada dos dinheiros dos fundos partidário e eleitoral. Nada mais útil para convencer.

No frigir dos ovos, mesmo com tantas dúvidas, há quem admita a possibilidade de Ciro Gomes acabar ganhando o apoio desse União Brasil e nele apostar suas fichas. No caso de Simone Tebet (MDB), percebe-se que nesta quinzena ela entrou mais isolada nas negociações, depois de garantir que só aceita disputar como cabeça da chapa; pronta para resistir, nem que seja em respeito ao eleitorado feminino. Tudo ou nada, o que também serviria de lema para João Dória, que, mesmo diante de um tucanato fragilizado, em ninho de velhas e cansadas penas, seria candidato "com cara e com coragem".

Pouco mais que isso são os figurantes de um painel que ameaça chegar ao tempo das convenções com muitas inseguranças.

A permanecer esse traçado, seria possível ter, além dos dois postulantes polarizados, as candidaturas de Ciro Gomes (vice Bivar), Simone Tebet (MDB), Dória (PSDB) e Janones (Avante), em linhas independentes, a confirmar a previsão da impossibilidade de uma chapa comum na terceira via. Para um acordo com vistas ao projeto alternativo seriam insuficientes as últimas pesquisas, porque, todos aqueles, somados, não vão além dos 15% do eleitorado; ou seja, cada um condenado a ficar em seu próprio quadrado, tentando o melhor resultado possível.

Sem potencial nem para ajudar a remover as incertezas, há candidatos que sequer pontuam nas pesquisas, o que também torna difícil quantificar sua capacidade de participação no processo. Soma-se tudo isso à tendência histórica de 10% de brancos e nulos, justificando a previsão de um inevitável segundo turno.

Para concluir, não custa registrar que a sorte está lançada para o roteiro dos que continuam frequentando as previsões de menos votados. Um dado interessante a observar em relação a eles é que jogam cartas decisivas para seu futuro, caso continuem candidatos à Presidência (ou vice). Simone Tebet termina seu mandato no Senado Federal, e os deputados federais Bivar e Janones estarão se despedindo da Câmara dos Deputados. Os tucanos Dória e Leite não têm mais o poder que tinham como governadores. Ciro já sem mandato há mais tempo. Então, sabem que a aventura eleitoral deste ano pode levá-los a ficar fora dos espaços de poder, a partir de 2023. O que, por conseguinte, pode significar fim de carreira. Mas, se os políticos sempre pensam na sobrevivência, pode-se dizer que nem tudo está suficientemente claro nas intenções dos presidenciáveis.

Caminho sem volta

Conta a História que as crises entre os poderes constituídos, mesmo quando se dissipam, deixam com a sociedade a tarefa de cuidar das feridas que sangram. Se tem sido assim, o que mais se deseja nesta semana é que cessem as hostilidades e a disputa de prestígio em que se acham empenhados o presidente da República e o Supremo Tribunal Federal. Para preocupar, exatamente por causa do nível a que chegaram os desencontros, qualquer expectativa de pacificação se dilui, permitindo-se concluir que Judiciário e Executivo tornaram-se reféns de um impasse que não os autoriza voltar, sob pena de se humilharem na deposição das armas. Entraram num caminho sem esquinas para o retorno, dificuldade que agora se acentua com um envolvimento menos discreto do Congresso, onde há vozes reclamando direito dos parlamentares para julgar o Caso Daniel Silveira. Tudo analisado, significa estarem as instituições pisando em campo minado.

Sobram razões para preocupar, notadamente quando o país vai se preparando para uma campanha eleitoral, na qual o alvo mais saliente é exatamente a tentativa de reeleição do presidente da República, no centro da crise.

O que restou da decisão de Bolsonaro de assinar o decreto da Graça em benefício do temperamental deputado fluminense é uma discussão, que promete ser longa, sobre os limites do poder presidencial na concessão de perdões. Limites que não há, segundo constitucionalistas, o que torna delicada a situação do Supremo Tribunal, que acatou, quase por unanimidade, o voto do ministro Alexandre Morais, ao mandar o deputado carpir prisão por nove anos, além de suspender seus direitos políticos.

As divergências são delicadas, cercam-se de humores tensos e aprofundam o distanciamento entre os poderes. Tudo por causa de um deputado conhecido pelo uso de palavrório desmedido. Muito pouco para ameaçar tanto e impor à alta corte de Justiça e à Presidência da República uma jornada de trancos sem volta.

O puxador

As preocupações do PTB com o deputado Daniel vão além da pena de prisão. O que mais deseja é salvar o direito de ele disputar a reeleição no Rio de Janeiro. Há poderosos estimulando o esforço do comando trabalhista, porque, depois da aventura que está vivendo, Daniel poderia se torna um dos deputados mais votados do país. Um excelente puxador de votos.

terça-feira, 19 de abril de 2022

 Jogo menos desigual


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )

As antigas lutas pela emancipação parlamentar feminina ganham, neste ano, uma expectativa menos romântica e mais objetiva. Há, para sustentá-las, dispositivos legais recentemente conquistados, além da reserva de cotas de 30% para as mulheres nas chapas que vão disputar em eleição proporcional.

Acresce, agora, terem elas a garantia de participação na distribuição dos fundos eleitorais e na propaganda gratuita no rádio e na TV, sem que se obriguem, para tanto, a submeter seus projetos políticos a meras gentilezas dos partidos.

Há, portanto, um elenco de iniciativas que dão às vocações femininas um mínimo de condições de disputar, num modelo menos desigual frente aos homens.

Sendo maioria da população e no contingente eleitoral, é impensável que continuem desfrutando de parcela menor na vida parlamentar, como revela recente estudo patrocinado por órgão competente das Nações Unidas: em matéria de participação da mulher, nosso Congresso é o 142º entre os demais do mundo e o 9º na América Latina.

Romper essa diferença seria, entre outras razões, motivo de comemoração dos 90 anos da introdução do voto feminino na legislação eleitoral brasileira, o que ocorreu em fevereiro de 1932.

O que diz a pesquisa

O presidente Bolsonaro faz pouco-caso das pesquisas sobre tendências do eleitorado, que continuam sendo-lhe desfavoráveis, embora em escalas menores, se comparadas com as primeiras semanas do ano. Acaba de dizer que acreditar nelas é o mesmo que levar a sério os trenós do Papai Noel. Com toda certeza, exagerou na dose de descrédito, e seria mais justo se dissesse que elas refletem o momento em que se processam. Expõem o sentimento atual dos que são consultados, e nada pode garantir que a opinião de hoje sobreviva até outubro.

Agora policiadas por instruções do Tribunal Eleitoral, as consultas, se efetivamente revelam simpatias ou rejeição em relação aos candidatos, é porque elas retratam neles o que muitos contestam e lamentam na atualidade; não sinalizam, necessariamente, para projetos nacionais, o que seria lógico esperar por uma sociedade que evolui. Até porque, convenhamos, as candidaturas nem entraram na fase de julgamento de propostas. Objetivamente, ainda não disseram a que vêm. Por outro lado, além de estar distante a eleição, a radicalização que se sente entre dois postulantes também condena as pesquisas a se centrarem mais na guerra entre eles. Assim é, pelo menos por hora e será por mais algumas semanas.

Nenhuma dessas consultas, mesmo as que se pautam pela seriedade, tem o condão de nos dizer o que está para acontecer em outubro. Hoje, afora certo desejo de derrotar os indesejáveis, andam mais empenhadas em registrar o ânimo das pessoas em relação à inflação, ao desemprego, à saúde, à ofensa dos preços nas gôndolas dos supermercados. O governo é um saco de pancadas, o que é ótimo para quem, na oposição, ajuda a jogar pedras no telhado vizinho. Portanto, pesquisas não têm as ilusões do bom velhinho dos natais, como define o presidente, embora carregadas de preocupações e ansiedades. As preferências desapaixonadas sobre o melhor presidente desejável ainda não estão totalmente definidas.

Política traiçoeira

Ao fenômeno da instabilidade que se observa na vida dos partidos, cabe somar uma outra observação, neste tempo de pré-campanha, sobre os movimentos internos que têm resultado em atitudes traiçoeiras, cada vez mais comuns no cenário. Lembram os observadores políticos o caso Moro, que foi bem acolhido, no Podemos, pelo senador Álvaro Dias. Logo depois, atraído pelo União Brasil (DEM-PSL), acabou com o projeto de disputar a Presidência da República. Recorda-se, também, da prévia do PSDB, tão incensada como boa prática, mas a vitória de João Dória resultou na fragmentação partidária, onde uma parte não o aceitou. Predominou, ainda no campo do PSDB, o sentimento de disputa que envolve Dória e Aécio Neves. O ex-governador mineiro não quer que o partido lance candidato próprio, talvez para ter liberdade de apoiar Bolsonaro, rota igualmente perceptível em relação a outros tucanos. Cabe notar que, não só naquele ninho, mas em vários partidos, os candidatos à reeleição para a Câmara Federal não simpatizam com candidatura própria para presidente. É o que lhes garantiria mais recursos para sua própria campanha.

Recentemente surgiu uma candidatura feminina no MDB, através da emergente Simone Tebet, mas ela sofre pressão contrária de poderosos caciques emedebistas do Nordeste. As cascas de banana que a fazem escorregar estão em casa.

Tantos abalos sísmicos e traiçoeiros no interior das legendas alternativas à polarização dos líderes das pesquisas vão acabar confirmando a implosão do projeto da via de centro. É consequência dessa inconsistência. E Bolsonaro e Lula agradecem a cortesia.

Traições (ou como quer que se dê nome a rasteiras internas) devem persistir, pois, como se tem dito, o que está movendo prioritário interesse dos políticos é a eleição para a Câmara dos Deputados, com os benefícios dos fundos partidário e eleitoral. Os políticos pragmáticos enxergam longe: qualquer presidente que for eleito vai precisar de maioria no Congresso, e terá que negociar para governar.

Nessa profusão de tombos, um olhar sobre Ciro Gomes percebe que ele resistno terceiro lugar em todas as pesquisas. E assim poderá continuar, caso não se torne vítima de movimento traiçoeiro dentro do PDT, contra candidatura própria. O que seria adotar a mesma lógica dos outros partidos, que querem eleger deputados, e pensam mais nisso do que em qualquer outra coisa.

Fidelidade sepultada

A Semana Santa, com a paixão e morte de Cristo, ensejou observar que as “janelas” por onde escaparam muitos deputados, os falsos acordos políticos feitos e desfeitos e as recém-criadas federações juntaram-se para sepultar, de vez, sem esperança de ressurreição, a fidelidade partidária; essa velha senhora, tão desejada como enjeitada. Não sobreviveu ao seu Calvário nem aos escariotes de sempre. Fidelidade a ideias e programas virou utopia, mera ficção na política brasileira.

terça-feira, 12 de abril de 2022

 Tempos de imprudência

(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )



Entre os fatos políticos que mais chamaram atenções na semana passada, e migraram para a atual, dois tiveram a capacidade de perturbar o raciocínio dos observadores, com a devida ressalva de que nada ainda pode ser tido como duradouro ou definitivo na corrida presidencial, que apenas ensaia os primeiros passos. Tudo passível de ser refém do imponderável.

O primeiro fato a considerar é o ensaio de evolução nos entendimentos entre quatro partidos em torno de um projeto de candidatura que seja capaz de balançar, se não derrubar, a polarização entre Lula e Bolsonaro. As conversas prosperaram, mas sem levar em conta o terceiro colocado na corrida, Ciro Gomes, que, entre os não favoritos, é o que tem apresentado melhor desempenho. Por que não aceitá-lo nas consultas? É estranha a afronta aos números, que o colocam bem à frente dos demais postulantes a um papel alternativo.

De outro lado, aprofundou-se gravemente o intrigante ofício do candidato do PT, empenhado em uma estranha jornada, na qual sai garimpando dificuldades para seus próprios tropeços; exatamente aqueles caminhos que a sensatez recomenda evitar. Mesmo entre seus fieis companheiros suspeita-se de um projeto de suicídio político. O que está passando pela cabeça dele? Qual a tática desse estranho comportamento?

A prudência sugere evitar abordagem de temas delicados, que tiram mais do que dão votos; pois é exatamente aí que ele tem preferido entrar. O caso do aborto está entre os que Lula tirou da gaveta, sem que tivesse necessidade de ferir essa questão polêmica e sensível; e nisso não seria exagero prever que carreou para o adversário simpatia e votos de segmentos religiosos mais conservadores. Outros candidatos teriam o cuidado de contornar o tema, transferindo para o eleitor o direito de adotar a posição que achar melhor. Nessa perigosa incursão passou por cima de pesquisas que indicam quase 60% dos brasileiros resistentes às abortistas.

Esta e outras intervenções têm levado setores políticos, próximos ou distantes das alçadas do PT, a entrar na semana admitindo que o comportamento assumido por Lula, instigando adversários de direita e de centro-direita, pretenderia, na verdade, torná-lo patrono da eleição de poderosa bancada esquerdista para a próxima legislatura. Uma prioridade. Retomar a Presidência da República, que ele já experimentou em duas oportunidades, seria muito bom, mas como fenômeno suplementar.

Seu discurso cai com vigor em setores de onde desperta severas contestações e alimenta os adversários. Nem é preciso contar na linha dos descontentes os generais do Exército, que ele e o PT pretendem apear de cargos executivos, pois das altas gemadas Lula já não poderia mesmo esperar votos. Mais ainda porque para os militares havia mandado o recado: se for presidente de novo, serão apeados do papel de bajuladores bolsonaristas.

Mais recentemente, Lula analisou, com invulgar infelicidade, a situação da classe média, onde vê desperdícios e ostentação. Não é bem assim. A faixa média da população brasileira é a que paga os impostos que os ricos sonegam, e os pobres não podem pagar. Sendo também a que mais consome, certamente é a que mantém o mercado. Na classe média, da qual há muito o candidato petista se libertou, tornando-se milionário, padece a maioria dos eleitores.

Não sendo pouco tudo isso, ele promete a regulação das normas de alguns setores de comunicação, sem levar em conta que é de intenções dessa natureza que emergem sinais de ditadura enrustida; e por onde sempre transitaram governos déspotas. A melhor regulação da imprensa é regulação nenhuma.

Para encerrar, mas ainda sem romper com os fatos da semana, restou a desagradável cena de políticos mostrando o coldre de suas armas, ameaçando Lula, depois de o candidato ter recomendado que trabalhadores cercassem a casa dos deputados e suas famílias, para exigir deles o que falta à maioria da população.

Nada mais desagradável que tanta imprudência na hora em que o país vai entrando na campanha eleitoral.

Os “temáticos”

A renovação das bancadas legislativas nunca se processa muito acima ou abaixo dos 50%, e hoje não se dispõe de elementos suficientes que recomendem esperar para outubro um quadro diferente. Para essa expectativa pessimista concorrem alguns fatores já suficientemente analisados, a começar pela carência de discursos motivadores, capazes de levar a mudanças substanciais na tradição. E o perfil do eleitorado, por sua vez, não ajuda a traçar no horizonte político novidades na composição da Câmara. Demais, também pesam os fundos de financiamento das campanhas, que trazem a evidência de favorecimento dos deputados que se oferecem para a reeleição. Tudo concorrendo de forma que as coisas continuem na toada de sempre.

Na essência, portanto, são pálidas as expectativas de alteração na composição do plenário da Câmara. O que, de imediato, leva a concluir que não são mais otimistas as possibilidades de se pôr termo ao defeito do corporativismo ali predominante, evidenciado no que se convencionou chamar de “bancadas temáticas”, uma sutilidade para preservar o que, na realidade, elas são: grupos constituídos acima e além dos partidos, não raro tramando contra a Constituição, em defesa de questões diversas do interesse comum.

Necessário notar que, não raro, essas bancadas influem, com espírito corporativista, no destino obscuro de grandes temas. Mais famosas são as três que se identificam como bancadas do BBB – bala, boi e Bíblia, nas quais pontificam parlamentares que, pelas armas, preferem a contraviolência em lugar da antiviolência; os ruralistas, que defendem com entusiasmo os interesses do agronegócio; e os que legislam com a Bíblia na cavidade das axilas. São vários os agrupamentos. Outros costumeiramente simpáticos aos empreiteiros e servidores públicos. Quando se defrontam com interesses comuns chegam a representar mais de 1/3 do plenário. Quase imbatíveis. Lamenta-se, porque não é para isso que se elegem deputados, em cujos ombros pesam responsabilidades da sociedade inteira, não de seus pedaços isolados.

Verdades em mão dupla

Geraldo Alckmin e Lula passaram o fim de semana sob bombardeio feroz dos que não aceitam que os dois, velhos adversários agressivos, agora se unem e se irmanem numa chapa de candidatos que engolem seco o xarope da conveniência; e sem direito a vomitar o indigesto. Mas, bem pensando, não parece procedente o espanto por estarem juntos, depois de tanto se xingarem. Em rigor, nem há como criticá-los, porque têm sido coerentes. Ambos cobertos de razão. O que um já falou do outro é verdade incontestável.

terça-feira, 5 de abril de 2022

 



Tempos quentes


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Há razões para se temer o desfecho do embate em que se envolvem, não é de hoje, a Presidência da República e o Tribunal Superior Eleitoral. Que perdoem eventuais otimistas. Porque, quando se sente que, estando o país a apenas seis meses da eleição, o clima de animosidade e de insinuações agressivas confirma e agrava o impasse. E pode piorar, com a antecipação de frequentes suspeitas quanto às revelações das urnas, resultado da radicalização das principais candidaturas conhecidas. Qualquer dos candidatos preterido, no segundo turno, haverá de se sentir no direito de contestar os números. Nada de raridade nisso, porque números sempre são injustos, sob a ótica de quem sai derrotado.


Bolsonaro não esconde que só aceita resultado adverso das urnas se o voto eletrônico se fizer acompanhar da comprovação impressa. É o suficiente para alimentar dúvidas capazes de gerar inconformismo e tensões, porque, havendo suspeitas quanto à lisura do sistema ou risco de manipulações, o adversário, se derrotado, poderá avocar o mesmo direito; e suspeitar.


Não tem faltado os que encorajam esse embate, e nisso as redes sociais andam férteis. São incursões que o ministro Édson Fachin, no comando do TSE, define como “assertivas conspiratórias”, e insinua partirem elas dos seguidores do presidente, com a intenção de construir um clima irrespirável entre o Palácio do Planalto e a Justiça Eleitoral.


O atual presidente do Tribunal, ministro Fachin, ausente das principais antipatias de Bolsonaro, permite antever um diálogo mais áspero para quando for substituído no cargo por Alexandre Morais, em agosto. Estarão faltando poucas semanas para a eleição, e Morais e o Palácio do Planalto não parecem dispostos a superar idiossincrasias recíprocas. Nada mais perigoso para uma eleição que se deseja pacífica; pacífica, mesmo que não seja cordial, porque aí seria esperar muito em tempos radicalizados.




Nem tão distantes


No sábado, desincompatibilizaram-se os agentes políticos que exerciam funções ou ocupavam cargos públicos, e agora pretendem disputar nas próximas eleições. Já se comentou a exigência legal desse desligamento, inspirado no desejo de se evitar privilégio de governistas em relação aos postulantes que não têm poderes especiais. Mas fica longe da desejada virtude.


O salutar objetivo, nunca plenamente alcançado, também se frustra quando se trata da distribuição dos recursos dos fundos eleitorais, tarefa que, longe dos olhos da Justiça, fica sob exclusivo domínio de dirigentes partidários. Muitas vezes desinteressados em prestigiar as novas candidaturas, eles preferem se concentrar na reeleição dos veteranos, porque reúnem melhores chances de êxitos, e com eles formar bancadas mais poderosas.


Neste ano, com cerca de R$ 6 bi para financiamento de campanhas, certamente estará consagrado o modelo injusto. Quem continua mandando são velhos caciques.


Os fundos, criados pretensamente para dar sustentação equânime aos que entram na disputa, têm, além de defeitos de origem, a agravante da cada vez mais carente disformidade. Como evitar a distorção? A Justiça não tem resposta, como também não cuidou de conter a concentração de poderes de quem toma conta da chave do cofre. Talvez, no futuro, com maus exemplos, ainda mais acumulados neste ano, os juízes tomem a si dar atenção a esses repartes, que, a bem do respeito à coisa pública, nem deviam existir.



Falta pesquisar


As pesquisas têm cuidado de saber, com semanal insistência, como anda o ânimo dos eleitores em relação à disputa pela Presidência da República. Cuidam pouco dos postulantes à governadoria dos estados, raramente vão a campo para saber a sorte dos que sonham com o Senado. Inquirem sobre preferências em relação a nomes, mas há um estranho desinteresse em apurar o conceito que guarda o brasileiro de hoje em relação à farra das desfiliações e filiações dos candidatos. Os malabaristas de janela, no fim de semana foram vistos saltando sobre as siglas, inspirados apenas no desejo de facilitar a jornada eleitoral em que estarão empenhados. Às favas os programas, conteúdos e ideias; o que devia gerar fenômeno desabonador para os partidos e para os que deles estão se valendo, segundo as conveniências do momento.


Nem que fossem movidos apenas pela curiosidade, os institutos pesquisadores fariam bem ao aferir a reação da sociedade em relação à promiscuidade com se praticam as mudanças partidárias. Mas, talvez por saber do vazio das siglas, o cidadão já nem se importe com esse festival de malabarismos, ou – quem sabe ? - até considere que os políticos, se filiados por três ou mais anos a partidos sem substância, acabam conquistando o direito natural de se hospedarem em qualquer lugar, porque a indigência de propostas é comum.


Se for assim, com a crítica ou a indiferença da sociedade, temos um motivo a mais para reclamar profunda reforma político-partidária, um ideal que envelhece há meio século neste país.



Via feminina


O cenário político fechou a semana com forte turbulência, marcada, principalmente, pelo fato de Dória e Moro demonstrarem insegurança no ziguezague partidário-eleitoral. Percebe-se então, no caminhar dos acontecimentos, que já não está dispensada a possibilidade de a emedebista Simone Tebet entrar, efetivamente, na disputa do terceiro pódio, chance de abrir uma alternativa frente à radicalização que hoje favorece a Lula e Bolsonaro. Outro detalhe que permite refletir nesse sentido é o caso do União Brasil (DEM-PSL), explicitando desunião interna a confirmar a desconfiança de que se trata de um partido pronto para dar errado.


Uma constatação, apenas constatação – e nisso não vai simpatia ou preferência por ela – permite considerar a possibilidade engenhosa e não tão distante: se emedebistas e tucanos acertassem a conveniência de um entendimento, a senadora poderia emergir dessa areia movediça em que se transformou a pré-campanha eleitoral de 2022. A seu favor há o potencial de uma candidatura feminina, que, conseguindo contagiar o eleitorado majoritário nessa faixa da população, pode chegar como terceira candidatura forte. Outro predicado a considerar é a trajetória política dessa advogada e professora universitária, de 52 anos, prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas (MS), vice-governadora e senadora desde 2015. É filiada ao MDB há 25 anos, o que a credencia a pleitear o apoio de um partido que dispõe de grande capilaridade nacional, mas não conta com outros nomes em potencial para a luta que se aproxima.



Os incômodos


Por ser presidente e candidato numa das quadras mais difíceis da história republicana, nem faltando para agravá-la o deslise de alguns em quem deposita confiança, Jair Bolsonaro talvez desejasse safar-se dos problemas com a mesma facilidade com que se alivia dos incômodos gastrointestinais. Com rápidas consultas, breves horas de repouso e a ajuda de laxantes tudo ficaria resolvido.