Tempos
quentes
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Há razões para se temer o desfecho do embate em que se envolvem, não é de hoje, a Presidência da República e o Tribunal Superior Eleitoral. Que perdoem eventuais otimistas. Porque, quando se sente que, estando o país a apenas seis meses da eleição, o clima de animosidade e de insinuações agressivas confirma e agrava o impasse. E pode piorar, com a antecipação de frequentes suspeitas quanto às revelações das urnas, resultado da radicalização das principais candidaturas conhecidas. Qualquer dos candidatos preterido, no segundo turno, haverá de se sentir no direito de contestar os números. Nada de raridade nisso, porque números sempre são injustos, sob a ótica de quem sai derrotado.
Bolsonaro não esconde que só aceita resultado adverso das urnas se o voto eletrônico se fizer acompanhar da comprovação impressa. É o suficiente para alimentar dúvidas capazes de gerar inconformismo e tensões, porque, havendo suspeitas quanto à lisura do sistema ou risco de manipulações, o adversário, se derrotado, poderá avocar o mesmo direito; e suspeitar.
Não tem faltado os que encorajam esse embate, e nisso as redes sociais andam férteis. São incursões que o ministro Édson Fachin, no comando do TSE, define como “assertivas conspiratórias”, e insinua partirem elas dos seguidores do presidente, com a intenção de construir um clima irrespirável entre o Palácio do Planalto e a Justiça Eleitoral.
O atual presidente do Tribunal, ministro Fachin, ausente das principais antipatias de Bolsonaro, permite antever um diálogo mais áspero para quando for substituído no cargo por Alexandre Morais, em agosto. Estarão faltando poucas semanas para a eleição, e Morais e o Palácio do Planalto não parecem dispostos a superar idiossincrasias recíprocas. Nada mais perigoso para uma eleição que se deseja pacífica; pacífica, mesmo que não seja cordial, porque aí seria esperar muito em tempos radicalizados.
Nem tão distantes
No sábado, desincompatibilizaram-se os agentes políticos que exerciam funções ou ocupavam cargos públicos, e agora pretendem disputar nas próximas eleições. Já se comentou a exigência legal desse desligamento, inspirado no desejo de se evitar privilégio de governistas em relação aos postulantes que não têm poderes especiais. Mas fica longe da desejada virtude.
O salutar objetivo, nunca plenamente alcançado, também se frustra quando se trata da distribuição dos recursos dos fundos eleitorais, tarefa que, longe dos olhos da Justiça, fica sob exclusivo domínio de dirigentes partidários. Muitas vezes desinteressados em prestigiar as novas candidaturas, eles preferem se concentrar na reeleição dos veteranos, porque reúnem melhores chances de êxitos, e com eles formar bancadas mais poderosas.
Neste ano, com cerca de R$ 6 bi para financiamento de campanhas, certamente estará consagrado o modelo injusto. Quem continua mandando são velhos caciques.
Os fundos, criados pretensamente para dar sustentação equânime aos que entram na disputa, têm, além de defeitos de origem, a agravante da cada vez mais carente disformidade. Como evitar a distorção? A Justiça não tem resposta, como também não cuidou de conter a concentração de poderes de quem toma conta da chave do cofre. Talvez, no futuro, com maus exemplos, ainda mais acumulados neste ano, os juízes tomem a si dar atenção a esses repartes, que, a bem do respeito à coisa pública, nem deviam existir.
Falta pesquisar
As pesquisas têm cuidado de saber, com semanal insistência, como anda o ânimo dos eleitores em relação à disputa pela Presidência da República. Cuidam pouco dos postulantes à governadoria dos estados, raramente vão a campo para saber a sorte dos que sonham com o Senado. Inquirem sobre preferências em relação a nomes, mas há um estranho desinteresse em apurar o conceito que guarda o brasileiro de hoje em relação à farra das desfiliações e filiações dos candidatos. Os malabaristas de janela, no fim de semana foram vistos saltando sobre as siglas, inspirados apenas no desejo de facilitar a jornada eleitoral em que estarão empenhados. Às favas os programas, conteúdos e ideias; o que devia gerar fenômeno desabonador para os partidos e para os que deles estão se valendo, segundo as conveniências do momento.
Nem que fossem movidos apenas pela curiosidade, os institutos pesquisadores fariam bem ao aferir a reação da sociedade em relação à promiscuidade com se praticam as mudanças partidárias. Mas, talvez por saber do vazio das siglas, o cidadão já nem se importe com esse festival de malabarismos, ou – quem sabe ? - até considere que os políticos, se filiados por três ou mais anos a partidos sem substância, acabam conquistando o direito natural de se hospedarem em qualquer lugar, porque a indigência de propostas é comum.
Se for assim, com a crítica ou a indiferença da sociedade, temos um motivo a mais para reclamar profunda reforma político-partidária, um ideal que envelhece há meio século neste país.
Via feminina
O cenário político fechou a semana com forte turbulência, marcada, principalmente, pelo fato de Dória e Moro demonstrarem insegurança no ziguezague partidário-eleitoral. Percebe-se então, no caminhar dos acontecimentos, que já não está dispensada a possibilidade de a emedebista Simone Tebet entrar, efetivamente, na disputa do terceiro pódio, chance de abrir uma alternativa frente à radicalização que hoje favorece a Lula e Bolsonaro. Outro detalhe que permite refletir nesse sentido é o caso do União Brasil (DEM-PSL), explicitando desunião interna a confirmar a desconfiança de que se trata de um partido pronto para dar errado.
Uma constatação, apenas constatação – e nisso não vai simpatia ou preferência por ela – permite considerar a possibilidade engenhosa e não tão distante: se emedebistas e tucanos acertassem a conveniência de um entendimento, a senadora poderia emergir dessa areia movediça em que se transformou a pré-campanha eleitoral de 2022. A seu favor há o potencial de uma candidatura feminina, que, conseguindo contagiar o eleitorado majoritário nessa faixa da população, pode chegar como terceira candidatura forte. Outro predicado a considerar é a trajetória política dessa advogada e professora universitária, de 52 anos, prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas (MS), vice-governadora e senadora desde 2015. É filiada ao MDB há 25 anos, o que a credencia a pleitear o apoio de um partido que dispõe de grande capilaridade nacional, mas não conta com outros nomes em potencial para a luta que se aproxima.
Os incômodos
Por ser presidente e candidato numa das quadras mais difíceis da história republicana, nem faltando para agravá-la o deslise de alguns em quem deposita confiança, Jair Bolsonaro talvez desejasse safar-se dos problemas com a mesma facilidade com que se alivia dos incômodos gastrointestinais. Com rápidas consultas, breves horas de repouso e a ajuda de laxantes tudo ficaria resolvido.
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