terça-feira, 29 de março de 2022


Solução mineira”


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")

 

Insinuações fazem parte do jeito de ser do presidente, o que não desmentiu ao anunciar que será um mineiro o vice na sua chapa de candidato à reeleição. Sem maior esforço, entendeu-se logo que estava apenas confirmando expectativas em torno do general Braga Neto, de Belo Horizonte, onde nasceu em 1957. Mas a mineiridade do general não vai além do berço. Ele tem vocação para Marte, enquanto os políticos conterrâneos preferem ser de Vênus. Diferentes.


Não se pode dizer que Bolsonaro gostaria de ter buscado nas Minas de Tiradentes alguém com habilidades para contornar crises políticas; um companheiro que estime soluções contemporizadoras, certa vocação para os caminhos do meio. Prefere, na formação da chapa, optar por um currículo de inquestionável lealdade, atributo que vê no general, e que certamente não veria nos políticos de carreira, quase sempre leais enquanto isso lhes convier. E, reelegendo-se presidente, será forçado, ele próprio, a trabalhar muito no campo das conciliações, o vice tem de deixá-lo longe de preocupações com a estabilidade militar.


Antes de Bolsonaro, muitos que tiveram o mesmo sonho subiram a montanha para construir parcerias e alianças. Hoje, ainda que desejasse, certamente sairia frustrado, porque, neste momento, as grandes vocações políticas são artigo de luxo por aqueles lados, diferentemente de outros tempos, quando havia talentos capazes de enfrentar as exigências da hora. Agindo ou se omitindo, os gabinetes mineiros tinham soluções para todos os gostos. Venceslau Brás, vice de Hermes da Fonseca, sabendo que dificultaria as relações do governo com o poderoso Pinheiro Machado, preferiu sair de cena. Não vinha ao Rio, preferindo a paz das longas pescarias em Itajubá. Mas, em outras vezes, com modelo diferente, a índole mineira escapou da tradição conciliatória para gerar tensões palacianas, como em Aureliano Chaves e Itamar Franco, respectivamente com Figueiredo e Fernando Color.


Bolsonaro seria exceção. Um presidente da República sempre precisou saber o que os mineiros realmente pensam e como agem diante da imprevisibilidade dos fatos. Por isso, Andrada, o Patriarca, já dizia a D Pedro I que mais seguro é não fiar neles, por serem excessivamente envolventes. Pode ser que o atual já tenha lido isso em algum lugar, não ligou importância, mas, pelos excessos do temperamento que tem, pode ser que tivesse de lançar mão de mestres na arte de construir amistosos, como Juscelino, Mílton Campos e Tancredo. Mas em Minas eles foram uma raça hoje extinta.



Preocupação de véspera


Nos redutos em que prosperam candidaturas até o momento apontadas como favoritas para a Presidência da República sinaliza-se que são crescentes e paralelas as preocupações na linha da eleição proporcional. A majoritária, já delineada na radicalização, não estaria destinada a absorver todas as atenções, porque, quem quer que se eleja para o Planalto, terá de se haver com um sólido apoio da Câmara dos Deputados, onde os planos do governo podem tramitar facilmente ou ficam engasgados por falta de reciprocidades. Daí a intenção que se percebe nos partidos de ter recheadas suas bancadas e, com elas, o necessário poder de pressão. Não há presidente que seja capaz de superar essa escravidão.


Bolsonaro e Lula ( além dos que os cercam) não estariam descuidados dessa preocupação. Ambos, advertidos por experiência própria, sabem que o apoio das bancadas é essencial. Antecessores que não levaram isso em conta deram-se mal, como Fernando Collor e dona Dilma. Michel Temer, que tinha sido deputado, manteve o olhar atento nas conchas do Congresso. Transitou sem maiores obstáculos.


O que chama atenção de quem observa agora, distante daqueles redutos, é a insistência com que o assunto tem sido tratado, e onde há planos de se investir muitos milhões em nomes supostamente confiáveis. Antecipa-se preocupação em cuidar da base de apoio, antes mesmo de se conhecer a sorte dos candidatos de hoje que poderão ser deputados amanhã.


Por que isso? Nenhum presidente precisou, nem precisará cuidar da base indispensável antes de as bancadas serem formadas. Ora, basta o início da legislatura para se saber quais os parlamentares facilmente convencidos a facilitar a vida do governo, bastando acenar as gentilezas de sempre, certo que os agrados sempre rompem obstáculos e tornam os governantes pessoas agradáveis. Faz parte do folclore político do Nordeste o caso de veterano deputado pernambucano, adesista por vocação, carente de bons princípios, que dizia ser “o governo gente muito boa”, para justificar o fato de estar pronto a servir. Apoiava, sem pestanejar, tudo que viesse do Palácio, na maioria das vezes contrariando os interesses do país.


Custa, portanto, compreender a tentativa de antecipar um problema a ser facilmente resolvido no momento propício. Nesse sentido, parece exagero colocar, num mesmo nível, a eleição do presidente da República e a garantia de eleição de grande número de deputados de sustentação. Entre os 513 que se elegerão ou se reelegerão haverá sempre gente de boa vontade com os poderosos da hora.



O risco da novidade


Uma boa reflexão sobre o processo eleitoral brasileiro, que entrará em abril na fase de pré-campanha (uma atividade mais limitada às redes sociais) é a possibilidade ou conveniência – quem sabe ? - da escolha de alguém que ainda não foi presidente da República. Mesmo evitando o lugar comum da denominação terceira via, já bastante surrada.


Os institutos de pesquisa eleitoral, desde 2021, apresentam resultados momentâneos onde aparecem nas primeiras posições os dois que foram eleitos para a Presidência; um ex, já por duas vezes, e o atual, que busca a reeleição. As metodologias de pesquisa, se revelam discrepâncias, também vêm apontando certa regularidade na intenção de votos. Também pudera, pois os entrevistados, ao puxarem pela memória, no instante da entrevista estimulada com os nomes dos políticos, respondem pelo ex e o atual presidente, pois são os mais presentes. Até porque o cidadão comum (pouco afeito à política), responde, de forma apressada, à pesquisa eleitoral, pois quer ficar livre daquilo que considera uma chatice.


Outro fato que chama atenção no atual momento político são as numerosas pesquisas eleitorais. Estas, feitas quase semanalmente, vêm sob o patrocínio de bancos, de veículos de comunicação tradicionais ou à sombra de patrocinadores diversos. Sente-se que são numerosos setores não políticos, mas interessados em aferir como vai andando o humor do eleitorado em relação ao atual presidente e a seus concorrentes.


Cabe indagar o que mais preocupa a elite empresarial e financeira nessa eleição. Talvez seja o medo do novo, nem do partido que possa vencer. Para esses setores, e os banqueiros são um deles, seria arriscado ter pela frente um político que ainda não exerceu o cargo de presidente.


O filósofo escocês Adam Smith, em seu livro A Riqueza das Nações, publicado em 1776, traz, como um dos conceitos centrais em sua obra, a chamada “mão invisível", pela qual se deduz que o mercado é capaz de se autorregular. Mas, na política, nem sempre o mercado espera que ele se autorregule; mas quer saber, com antecedência, quem tem mais chance de vencer. E apostar suas fichas nele. No Brasil os megainvestidores não gostam de surpresas ou novidades. Nessa perspectiva, o jogo entre Lula e Bolsonaro convida a olhar para os sobejamente conhecidos, sem riscos maiores ao establishment.



O faz de conta


Sábado é dia de esvaziar gavetas de nove ministros, seis governadores e algumas dezenas de prefeitos, que se desobrigam em tempo hábil, e estarem, de acordo com a legislação eleitoral, aptos e desimpedidos para disputar cargos eletivos em outubro. É a desincompatibilização que, em tese – apenas em tese – evita que o candidato, permanecendo no cargo, tenha vantagens sobre seus concorrentes. Pelo menos, foi o objetivo que inspirou o legislador.


A prática, contudo, desabona a boa fé de quem fez a lei. Ministros e governadores, apenas afastam-se fisicamente dos cargos, mas deixam tudo bem estruturado, com providências e processos que os sucessores, quase sempre fiéis, nada mais têm a fazer, além de não contrariar os acertos que ficaram sobre as mesas. Os desincompatibilizados mantêm os dedos nos cordéis, e com eles fazem a campanha, de tal forma que os novatos contemplados nos cargos não desviam ou prejudicam os interesses eleitorais do antecessor. Raramente ocorrem contrariedades e desobediências, porque os que são chamados às vagas, sabem que são peças temporárias e vulneráveis.


Os desincompatibilizados fazem de conta que cumprem a lei, e a Justiça faz de conta que acredita neles.





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