terça-feira, 15 de março de 2022

 

Só com dois dígitos


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ) 



A ressalva é necessária, quando se trata de especulação construída em cima das percepções do momento; que podem se manter ou não no pregão do tempo e na marcha dos destinos. Em política nunca se deve desconfiar de que ela é semelhante à nuvem; é parte da paisagem num breve instante, logo depois tudo muda, como na famosa frase atribuída a Magalhães Pinto, que, na verdade, é de autoria do ministro Raul Soares.

Retomemos a meada das especulações da hora. Restando 26 semanas para a eleição presidencial, os fatos continuam conspirando para a radicalização entre o bolsonarismo e o petismo, realidade não desmentida, entre outros fatores, pela dificuldade de as demais correntes políticas acordarem no rumo de uma terceira via.

Essa alternativa veio se frustrando na incapacidade de duas ou mais correntes se conciliarem na premissa do viável, ou a partir do momento em que um dos pré-candidatos avançasse para dois dígitos nas pesquisas. O que, com base apenas em dados do momento, sugere que uma via eleitoral divergente de Bolsonaro e do PT só vingaria se pudesse unir e fundir os projetos de Ciro Gomes e Moro. Os dois, somados, esbarrariam nos 15 pontos, e a via alternativa poderia prosperar. Fora dos dois dígitos não é possível sonhar.

Mas, como isso é difícil acontecer, queixam-se homens e mulheres desses dois grupos, que hoje continuam correndo separados.

Convite à violência

Sucessivos adiamentos confirmam, no Senado, que a questão das armas ainda não se esgotou, porque, ao mesmo tempo em que se duvida da real eficácia do porte na segurança pessoal, as divergências prosperam quanto à liberalidade em benefício de servidores, agentes da Justiça e políticos com representação. Inicialmente, a proposta era quase inocente, preocupando-se apenas em regulamentar armas para caçadores e colecionadores. Mas o caso extrapolou, confundindo ainda mais o cenário. E tudo concorreu para que viessem novos pedidos de vista, que sempre retardam, quando não acabam enterrando de vez as proposituras.

Há um detalhe que o Congresso tem dever de considerar, em nome de sua segurança e dos que o integram. Trata-se da pretendida licença aos parlamentares para que andem armados, uma inconveniência que logo se constata, porque a função constitucional desses senhores é o diálogo em torno de divergências e no entrechoque pacífico das ideais. Ora, se para tanto o instrumento é a palavra, por que a arma?

Observe-se que o clima parlamentar, quando provocado pelo calor das tensões, torna-se propício a atos de violência e tragédias. Porque em determinado momento pode ocorrer de a sobriedade descer da tribuna e abrir espaço ao desforço. Nessa hora uma arma nunca deve estar por perto.

A crônica do Congresso sabe muito bem disso. No dia seguinte ao Natal de 1929 uma luta corporal, em plenário, com Souza Filho, levou Simões Lopes a lançar mão de um revólver e matar o desafeto. Tragédia semelhante seria reeditada em 1934, quando Aníbal Teófilo pagou com a vida, sob tiro certeiro de Gilberto Amado, a quem costumeiramente ridicularizava. Caso ainda mais trágico protagonizou o senador Arnon de Mello, que atirou para matar o rival alagoano Silvestre Péricles; errou o tiro, mas acertou e matou Jorge Cailara, que nada tinha a ver com a história. Na década de 60, Souto Maior levou uma bala de Nélson Carneiro, a quem desafiara chamando de “mulatinho baiano”.

Incidentes nem sempre são inevitáveis em discussões políticas, mas não podem nem devem ir além das discussões, por mais aquecidas que sejam. Basta que deputados e senadores não se armem, porque não são xerifes e nem o Congresso é saloon de faroeste.

Quem pode influir?

Em eleições passadas, uma preocupação dos candidatos à presidência da República era atentar sempre para o papel dos sindicatos classistas, notadamente os dos trabalhadores. Hoje, é certo que não se pode confiar a eles muitas expectativas ou esperanças, porque sofreram considerável processo de esvaziamento. Sucumbiram por falta de receita ou pelo adesismo aos governos petistas, quando perderam legitimidade para lutas corporativistas. Fatal foi o fim do generoso imposto sindical compulsório, agora convertido em contribuição voluntária. Perderam a antiga força de influir e comandar; e, se ainda reúnem algum prestígio em suas bases, ficam longe da antiga capacidade de mobilização.

É o que permite a curiosidade de saber qual será, em outubro, o real poder de influência do sindicalismo e do corporativismo; e até que ponto aquelas e outras organizações de classe poderão atuas no destino das urnas. Nesse passo, vale indagar também onde estarão outras corporações influentes. A primeira resposta possivelmente seja favorável à direita, onde o poderoso agronegócio já não esconde a conduta que pretende adotar, tão logo se aqueça a campanha do presidente Bolsonaro, a quem apoiará.

Afora o poder produtivo que vem do campo, possivelmente tentem influir algumas ONGs, embora fragmentas, além de terem diversidade em interesses específicos, mas tradicionalmente cobradoras do governo federal na visão dos recursos ambientais. Mais atuantes, com capacidade para produzir movimentos populares, a Lgbtqia, sigla quase impronunciável, talvez entre na campanha reclamando o que não tem conseguido ver no governo e na sociedade: tolerância e reconhecimento em relação aos homossexuais, que, para muitos, constituem contingente já quase suficiente para medir forças com evangélicos. Nestes, mesmo com algumas dissenções, consolidou-se a pauta dos costumes, base para o conservadorismo.

Em questão eleitoral, mesmo se há divergências, quando chega a hora de defender princípios comuns esses setores ganhariam foros de alguma forma corporativistas, ainda que neguem tal intenção. Se os conflitos se tolerarem ante a luta que se aproxima, os agrupamentos de iguais ou assemelhados podem se associar, ainda que momentaneamente.

São observações que se restringem a uma linha meramente conjuntural. Porque é cedo para melhor avaliação de tendências definitivas. Contudo, não de sabendo o suficiente, uma coisa é fora de dúvida: nenhum desses segmentos pode se ufanar, desde este momento, de deter maioria de seguidores de total lealdade, muito menos unanimidades.

Entre as poucas certezas, convém considerar que, acima de todas as divergências, o instrumento com real capacidade para influir e moldar multidões de eleitores está nas redes sociais, máquina de galvanizar opiniões e articular emoções. Já provaram, em 2018, do que são capazes para mobilizar e convencer. Ainda não se sabe se serão bem adotadas e convenientemente exploradas, o que autoriza alguma preocupação, porque também está fartamente demostrado que, em política, os adversários não titubeiam em lançar mão de fake news. Mentiras e desinformações são tudo que não se pode desejar num mundo civilizado e democrático. E delas as redes sociais também padecem.

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