terça-feira, 8 de março de 2022


As ciladas de março



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")) 



Afora a guerra e seus desdobramentos na economia nacional e a insegurança do resto do mundo, março é um mês carregado de temas e desafios políticos, alguns dos quais com potencialidade para refletir sobre as eleições de outubro. É o caso da debandada na Esplanada dos Ministérios, onde cerca de dez titulares do primeiro escalão cedem à tentação de entrar na disputa, certos de se banharem nas águas da campanha de Bolsonaro. Têm prazo até o dia 31 para a decisão final. Para o presidente, a esperada revoada pode empurrá-lo para dupla dificuldade: além de escolha de novos ocupantes para os cargos, o que leva a se engalfinharem os grupos de apoio, é certo que várias pastas sofrerão solução de continuidade. Para um governo em véspera de ser julgado pelas urnas é um risco.

Ainda neste mês, para contribuir nas expectativas políticas, abriu-se a janela através da qual deputados e senadores candidatos entram e saem dos partidos segundo suas conveniências. E nesse salto dão prova robusta de que o multipartidarismo  tornou-se hospedaria de alta rotatividade, admitindo permanências temporárias.

Iniciada na última semana a liberalidade para mudanças de filiação, talvez seja necessário reavaliar o potencial das bancadas legislativas. Diria que o governo não pode apostar, desde agora, se terá como contar com os mesmos votos que o acompanham. É uma outra questão a desencadear dúvidas, para as quais ainda haverá de contribuir a novidade das federações partidárias, repletas de más intenções dos pequenos que chegam, e dos grandes que os recebem.

O terceiro mês, já correndo na segunda semana, também deve conhecer melhor o potencial das pressões das bancadas femininas para que se façam ouvir e se imponham, na tentativa de um lugar ao sol na seguinte eleição presidencial. Sabem que a cabeça de chapa é alvo muito difícil, mas insinuam a vice. Observa-se, com antecedência, que, sem obter uma coisa nem outra, elas poderão vender caro a frustração.

O veto na roleta

O presidente Bolsonaro deve estar à vontade para praticar um gesto de simpatia com seus seguidores evangélicos, vetando integralmente lei recentemente aprovada pela Câmara que legaliza os jogos de azar e autoriza a abertura de cassinos. Já teria a facilitá-lo o escore apertado de 246 deputados que acolheram a iniciativa, contra 202 manifestamente contrários. Reduzida diferença confirma que se trata de questão altamente polêmica. De forma que, ao antecipar sua disposição de veto, o que não devia ter feito, o presidente acabou tirando um peso das costas dos senadores, para quem se remete o texto, à espera de uma segunda apreciação. Estão liberados do contratempo de agradar ou desagradar as correntes empenhadas, porque, qualquer que seja sua decisão, o veto será fatal...

Pode o presidente, afora óbices de natureza religiosa, valer-se de um leque de pontos frágeis da lei, permitindo indagar com que recursos e métodos será possível aplicar, com segurança, o imposto de 17% sobre as apostas e 20% sobre os prêmios. Quem com suficiente competência para isso, num país onde a sonegação lavra com furor?

Nos estados em que se autorizará o funcionamento de um ou dois cassinos, o que impediria que apostadores vizinhos pulem a linha de divisa para jogar? E o que dará capacidade ao governo de fazer cumprir o dispositivo que fixa em 20 quilômetros a distância mínima em relação às áreas ambientais? Quem haverá de garantir que das roletas sairão fortunas destinadas a financiar políticas públicas sociais?, se as lotos, que tanto conhecemos, não cumprem amplamente essa finalidade, para a qual também foram criadas.

Mas, se nenhum desses argumentos for suficientemente admitido, considere-se, para vetar, o que diz o pragmático deputado Arthur Lira, presidente da Câmara e entusiasta dos cassinos. Para ele, a legalização faz sentido, porque os jogos já são mesmo praticados em todos os lugares do país. Como contradita, vale lembrar que os assaltos também são largamente praticados, e ainda não se chegou à insanidade de tentar legalizá-los.

Mentiras na agenda

A sete meses da escolha do novo presidente e dos governadores, o eleitor ainda não pode se considerar a salvo de fake news, avalancha de mentiras e boatos que já agora infestam as redes sociais. Nesse nível, podem, por exemplo, surgir pesquisas de última hora prevendo o milagre de vitórias impossíveis. Nem precisamos esperar, porque a desinformação campeia nas redes, sem que faça exceção nos instrumentos tradicionais da comunicação. Mesma coisa, além do noticiário político, vê-se na divulgação de fatos relacionados com a guerra no Leste europeu. Muitas notícias produzidas em laboratórios de redação são lançadas ao mundo, numa ampla campanha para confundir ou aterrorizar. Pode-se dizer que notícia truncada é crime capaz de gerar grandes danos.

Até este momento, não se sabe com que recursos, o Tribunal Superior Eleitoral garante assegurar recursos para conter as ondas de desinformação, mesmo com os compromissos acertados com 70 instituições e parcerias com plataformas. Admite-se que, mesmo com esse apoio, nem sempre é fácil checar as falsas mensagens; e, se chega a hora de destruí-las com a contrainformação, já terá passado a oportunidade de conter ou destruir o mal. Os efeitos danosos prosperam, principalmente quando se sabe que há certa tendência natural a acreditar no que é ruim ou sensacional.

Sobre as candidaturas que se avizinham, o recurso único, à margem da prometida proteção do Tribunal, está na sagacidade, no “desconfiômetro” do eleitor para não cair fácil em ciladas. Duvidar da notícia, quando revelar sinal de mentira, por mais que possa aparentar inocência. Porque destruir completamente as fake news é impossível. Elas sempre existiram e vão existir, porque são irmãs gêmeas da maldade e de interesses, enquanto houver gente de fé, com vontade de acreditar nas coisas.

Cristo sucumbiu a uma dessas armações, quando lhe atribuíram tramar contra o Império Romano. No Brasil, durante e depois do Império, elas ajudaram a criar e destruir poderes, o que é bastante para redobrar atenções na campanha eleitoral que vai começando. Se o próprio Filho caiu, por que não cairemos nós?

Guerra na campanha

Atordoado com a guerra no Leste europeu, o mundo se vê obrigado a sustar uma pauta de questões e decisões que ficam no aguardo dos desdobramentos do conflito. Geralmente, o que se diz é que, quanto a nós, as preocupações estão centradas nos fertilizantes, na escassez do potássio, no encarecimento dos barris de petróleo. Mas não está fora de cogitação que, no lastro de expectativas pessimistas, a próxima campanha presidencial se veja instada a debater o papel brasileiro no caso da Ucrânia, sabendo-se que, tanto ali como na Rússia, temos interesses econômicos e tecnológicos a preservar. Não menos importante, cabe relevar que às grandes nações, como a nossa, a omissão neste momento agudo não faz sentido.

O que estariam os candidatos a pensar sobre isso?, a começar pela certeza de que a guerra é algo que centraria o sentimento nacional. Na caça aos votos, está fora de dúvida que não faltarão ideias façanhudas dos extremistas de direita e de esquerda, nem propostas na visão estrábica sobre o quadro das tensões, se elas se prolongarem até vésperas de 2 de outubro. É uma razão a mais para que os eleitores se cuidem ante discursos e propostas delirantes sobre o papel do Brasil nesse doloroso episódio.

Sejam quais forem as condutas, detendo-se eles na questão do Leste europeu, é preciso que considerem, antes de tudo, que os problemas russo-ucranianos partem de duas realidades, segundo estudiosos independentes: a primeira é que a Otan aperta o cerco geopolítico contra a Rússia, visivelmente inspirada no anódino presidente Bin Laden, a quem não se confere legitimidade na crítica a invasores, porque os americanos fizeram o mesmo com o Iraque, o Irã, o Vietnã, a Síria e o Afeganistão. O papel brasileiro há de ser, antes de tudo, a favor da paz e contra as aventuras expansionistas, e isso vale para todos os candidatos à Presidência. Sendo um país de índole pacifista, deve o país ser contra as agressões, perpetradas ou em preparativos, sem assumir simpatias e compromissos, porque as ambições da Rússia e a Otan se aparelham, equivalem-se, ombreiam-se.

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