Testemunha ocular e frustrada naquela tarde de 31 de março de 64, quando se consolidou, numa proclamação do general Mourão Filho, o golpe contra o governo Goulart, as instituições e, por fim, contra a liberdade, colegas jornalistas quiseram conhecer minha opinião sobre aquele episódio, passado meio século. Disse-lhes que o tempo já se encarregou de exorcizar duas antigas dúvidas. A primeira referia-se a um projeto do governo de então de instalar no Brasil uma república comuno-sindicalista, o que ficou historicamente provado. O argumento foi para o arquivo de pretextos grosseiros dos contrários. A segunda nuvem que se dissipou dizia respeito ao real interesse do governo Kennedy de ajudar, no que fosse necessário, para o êxito do golpe. O interesse ficou cabalmente comprovado.
Resta uma terceira questão, esta instigante até os dias atuais, e sobre a qual me debruço: o que faziam ou deixaram de fazer os serviços de inteligência e contra-informação do Palácio que não advertiram o governo, afora breves insinuações, de que estava em curso uma sublevação militar com apoio de segmentos da política, de setores conservadores da Igreja e de empresariais temeroso de se verem tragado pela comunismo?
A estranheza encontra campo fértil para as indagações, mesmo passados 50 anos. Não se compreende tamanho despreparo, ainda que se considere eventual engajamento de alguns oficiais comprometidos com o projeto de apear o presidente constitucionalmente empossado. Pois os preparativos para o golpes se faziam às claras. Em Juiz de Fora, a imprensa cobria os sucessivos encontros, no aeroporto da Serrinha, entre o governador Magalhães Pinto com o general Mourão e assessores de ambos. Tramava-se abertamente. Nas horas que antecederam a proclamação do reduto golpista já se efetuavam algumas prisões, jornalistas “suspeitos” eram vigiados, postos de gasolina instruídos a não esgotarem suas reservas de gasolina, pois as tropas precisariam de uma cota extra para “eventuais deslocamentos”. Nos quartéis, oficiais descontentes com o golpe em curso eram convidados, com a tropa formada, a dar um passo à frente e já ficaram detidos. Os setores de correios e telefonia haviam sido tomados de véspera.
E o governo não viu isso.
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