segunda-feira, 28 de janeiro de 2019




Coluna Wilson Cid, JB, 27 jan 19 

As linhas da oposição

Como haverá de se comportar, no Congresso Nacional, a bancada de oposição a Bolsonaro? Na Câmara, a liderança desse grupo vai, naturalmente, para o PT, que três meses atrás o enfrentava nas urnas; não se saiu bem, mas manteve imagem e discurso para contestá-lo. Opor-se, agora, a ele parece ser, então, algo natural e automático. A questão é como desempenhar a contento a tarefa.
Um detalhe da imaginação que circula em mesas palacianas é que esse encargo, se efetivamente confiado aos petistas, não seria totalmente do desagrado do presidente. A razão é que, com seu dever de hostilizar, o PT se afastaria de segmentos políticos mais brandos, não radicais, podendo o Palácio manter com eles um diálogo menos acidentado. Para os bolsonarianos, trata-se dedução lógica, ainda que dependente de avaliação mais cuidadosa.

Seja como for, o momento é importante para o partido, que vive a travessia; vencê-la, sem acidentes, significa muito para consolidar projetos imediatos. O primeiro é abrir caminhos que levem ao esvaziamento do governo, explorando-lhe as vulnerabilidades, uma das quais identificada na precária harmonia do discurso que se ouve no primeiro escalão. Mas, não poderia cometer o erro de contentar-se com críticas e acusações, mesmo que aplicadas sem dó nem piedade. Antes, o partido, para ser alçado ao comando da oposição, terá de dobrar os joelhos frente à inevitável autocrítica; avaliar, sem os calores da campanha, o que se fez ou se deixou de fazer na pregação eleitoral. Por que não conseguiu conter a maré alta da direita no Brasil? O que faltou dizer e fazer? É na busca dessas explicações que será possível elaborar novo plano de voo para contestar o novo governo. Difícil o mea-culpa, porque não falta entre petistas quem considere isso uma humilhação.

Outro detalhe instigante, e não se sabe exatamente o que os dirigentes pensam a respeito, é se seus caminhos devam continuar mapeados na imagem de Lula. Se, por fim, a ideia prosperar, será preciso decidir de que forma ocupá-la, sem aguardar sua volta à liberdade. O recolhimento à cela do ex-presidente ninguém sabe quanto vai durar. Mas convém o PT refletir que a pena, já em fase de cumprimento, não ficará nos nove anos das sentenças prolatadas em Curitiba e Porto Alegre. Pode mantê-lo como símbolo martirizado pela Justiça “tendenciosa”, mas é preciso adotar algum realismo, pois liderar um projeto de poder, para quem está atrás das grades, é difícil. Lula não tem o mesmo destino de um Nélson Mandela.

De quem a culpa?

Em meio a discussões que se arrastam, sem que falte sutil caça às bruxas, busca-se, ainda, identificar e condenar culpados pela derrocada do partido. Há resistências em transferir essa responsabilidade a Haddad, vencido por Bolsonaro, quando se imagina que exatamente esse revés é que o credencia a dar curso a novos planos capazes de fazer esquecer o que as urnas frustraram. Convém não fechar os olhos a uma realidade incontestável: é injusto achar que ele deva carregar nas costas o acidente eleitoral de outubro. A grande tragédia do PT nem teria sido o fracasso diante de Bolsonaro. A maior ficou plantada em Minas, onde a ex-presidente Dilma foi condenada a modesto quarto lugar na disputa de uma cadeira no Senado; justamente ali, onde sua candidatura pretendeu ter o sabor nacional de reparo e desagravo, o amanhecer de um retorno. Haddad foi uma emergência, adotada em clima de divisionismo, talvez mesmo para não ganhar; porque, se ganhasse, não haveria como tirar de suas mãos a liderança do partido.
A nova legislatura do Congresso Nacional inaugura-se dentro de cinco dias. Seria temerário para a oposição já entrar em cena titubeante, sem estratégias definidas.


A oposição será sempre popular. É o prato que resta à multidão fora do banquete”

-Joaquim Nabuco


Editorial Jornal do Brasil  28 jan 19


Tragédia e amnésia

Se possível fosse levar o país a um minucioso exame científico, que permitisse a identificação de suas enfermidades culturais, uma delas facilmente diagnosticada seria a amnésia coletiva, a imensa capacidade de esquecermos com incrível rapidez as tragédias que nos atormentam. Por elas sofremos momentânea e sinceramente, por causa delas protestamos e denunciamos, mas logo surgem as coisas do cotidiano para substituir os males passados. E porque o país tem esse jeito de ser, as tormentas e os desastres ambientais, por mais dolorosos que sejam, logo estão condenados ao ostracismo, a começar pelo descaso dos governantes da hora. Talvez valesse examinar esse distúrbio de memória, que afeta tanto as pessoas como o estado. Ora, é sabido que um país desmemoriado não rompe feitiços.

Brumadinho, pacata cidade do interior de Minas, foi condenada, no fim da semana, a se tornar cenário de novoacidente ambiental; muito mais grave, porque sepultou em lama dezenas de vidas. Pois, o Brasil entrou no domingo lamentando a tragédia, por si mesma, e também porque ela demonstrou, cabalmente, apesar das deslavadas desculpas de sempre, que as grandes obras não cuidam de dar suficientes garantias à vida humanade suas vizinhanças. Certamente, em breve, estará esquecida, para cumprir aquele enredo de sempre: o presidente sobrevoa a área afetada, dá ordens aos imediatos para assistir as vítimas, manda liberar o Fundo de Garantia das famílias enlutadas, o governador decreta estado de calamidade;

empresa dona da barragem lamenta profundamente… A Justiça bloqueia os bens da Vale. Mas, doutor, para compensar as vidas perdidas, quanto vale a Vale? Se aos mortos nada resta além da vala comum e aos assassinos, daqui a pouco,  o prêmio do esquecimento. Como sempre.

Em 1903, idêntico desastre ocorreu em Cataguases; em 2015 foi a vez de Mariana, e agora Brumadinho, sem que seja necessário citar casos de menor gravidade, que sempre acontecem. Qual a próxima barragem escalada para dar continuidade a essa longa história?, na qual o descaso do governo associa-se à irresponsabilidade de empresas mineradoras; e todos sob as bênçãos de uma justiça que, de tanto demorar, acaba desanimada com aquela infinidade de papéis e os choques de interesses.

Ainda sob esse angustiante episódio, e como sempre se dá, logo será criada uma comissão para apurar o que todos já sabem, menos os diretores e os técnicos da empresa responsável. O capítulo final ficará com a Justiça, ela também concorrendo, como zelosa colaboradora, para o esquecimento. Levarão anos os tribunais, abarrotados de recursos, para absolver todos os culpados. A culpa fica sendo de quem morreu e de quem, sobrevivendo, perdeu tudo. Mas é uma novela com todo direito a reprise, pois outros rompimentos virão, mais vítimas e imensos prejuízos materiais. Por que alguém ousaria elaborar previsão tão sinistra? Ora, porque são os próprios órgãos governamentais que advertem e preveem os problemas. Veja-se que, sem sair de Minas, há hojeali nada menos de 45 barragens consideradas distantes de adequada conservação. Constituem perigo latente.

Como nos casos anteriores, também sobrelevaas consequências, tanto imediatas como prolongadas, sobre a gestão hídrica, afetando diretamente a bacia do São Francisco, já por outras razões severamente agredida.Aquelas águas, antes de serem transformadas em lama, representavam um dos braços a alimentar o grande rio da integração nacionalA isto acrescentando-se os prejuízos das florestas, que na região reúnem 24% de reservas originais, pode-se ter uma ideia do que o Brasil acaba de perder em solo mineiro; uma pequena ideia, porque a real extensão do desastre é imensurável.
Mais de mil vagas para carros no centro

Um espaço de 6.000 m2, ao lado da prefeitura, do Ministério Público e do futuro Fórum, já em construção, será destinado à construção de um edifício-garagem, com capacidade para 1.020 vagas associadas a um shopping, serviços e áreas ideais para convivência. A administração municipal, que vai dispor da área, informa que, entre as vantagens oferecidas aos investidores interessados, trata-se de terreno plano e regularizado. A expectativa pelo interesse em relação ao projeto resulta, igualmente, do fato de essa área estar ao lado de dois corredores viários – avenidas Brasil e Francisco Bernardino – que comportam um tráfego diário de 750 mil veículos.
A secretária de Administração e Recursos Humanos, Andréia Goreske, programou para terça-feira, dia 29, às 15 horas, uma sessão pública, participando entidades empresariais e representantes do Banco de Desenvolvimento Econômico, com o objetivo de expor detalhes do projeto, que, como explicou, pretende delegar à iniciativa privada a construção e toda a gestão do empreendimento. Mas não se descarta a possibilidade de alterações do projeto original a ser apresentado, havendo interesse para tanto. A reunião será realizada no auditório da Comissão Permanente de Licitação, Avenida Brasil, 2001, 6° andar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Editorial do “Jornal do Brasil” desta segunda-feira, 21


Nosso acordo em Paris

Ainda titubeante em relação ao Acordo de Paris, que fixou bases para a defesa e o progresso das boas condições climáticas no globo, o governo não terá muito tempo para estabelecer os rumos de sua política nesse campo, sob pena de correr o risco de sofrer isolamento frente à comunidade internacional. Em todo o mundo, há um particular interesse dos meios da ecologia, porque é reconhecido e celebrado o patrimônio brasileiro nesse campo.

Nas primeiras horas da atual administração suscitaram-se dúvidas em relação a alguns pontos daquele importante entendimento, celebrado na capital francesa, porque o novo presidente, então candidato, defendera o reestudo de alguns pontos que lhe pareciam afetar a soberania nacional; isto é, temeroso em relação ao direito a que se arvoravam alguns países de emitirem opiniões sobre questões ambientais brasileiras, sobretudo a emissão de carbonos, o que parece impossível de se evitar, porque o clima e seus efeitos não respeitam fronteiras.

O presidente Bolsonaro parecia preocupado, antes de tudo, com a Amazônia, muitas vezes alvo de cobiças e ingerências externas em relação àquela região, mesmo que o Acordo de Paris em nenhum de seus dispositivos faça alusão a ela. E, se cuidados devem ser tomados, não serão, com toda certeza, referentes a ocupações e invasões, mas gestões e sanções econômicas que a prejudicassem. Se fez uma leitura mais atenta do texto referido, certamente ele terá adotado visão diferente daquela que trouxe dos palanques que havia ocupado durante a campanha.

Afora isso e os constrangimentos que ocorreriam nas relações externas, o país tem de assumir o papel saliente que lhe cabe na defesa dos recursos naturais do planeta, não apenas sua preservação, mas também porque já estamos vivendo sinais do descontrole a que tem sido condenado o tempo. Isso que se vê diariamente – temporais abundantes ou secas inclementes - antecipa o pior que ainda pode vir. Rio e São Paulo, apenas para citar as duas maiores metrópoles do país, têm sido chamados a pagar caro com os desencontros do clima, embora uma parte das destruições provocadas pelos escoamentos insuficientes teria sido evitada, fossem mais atuantes as prefeituras.

Uma questão residual, que se evidencia principalmente em países pobres ou nos que integram a chamada faixa dos emergentes, é de natureza cultural. Neles não tem sido nítida a visão da origem dos problemas ambientais, embora milhões amargamente sofram suas consequências. Aqui mesmo, sem buscar terras distantes, populações inteiras acham nada haver demais em lançar materiais impróprios nos rios, pois admitem que eles foram criados pela natureza exatamente para levar o que não presta.

São avançados os estudos e suas conclusões sobre a responsabilidade dos descuidos em relação ao clima. O calor desmedido, as nevascas que destroem e matam, as florestas que se incendeiam e as inundações constituem um acervo sinistro que se debita aos climas insuportáveis que vão se espalhando sobre o planeta. Um desses estudos, realizado por universidade sueca, admire que as alterações de temperatura têm tudo para se tornarem o mais grave problema do mundo nas próximas quatro ou cinco décadas. A conclusão é simples: o descontrole do aquecimento vai se dando, indistintamente nos continentes, na terra e nos oceanos. Nestes como consequências não menos graves, pois geram tsunamis destruidores. Se as advertências valem para todo o planeta, como pode o Brasil fechar os olhos?

Adoção sem Burocracia

Um dos últimos legados do governo Temer foi a sanção da Lei 13.509, que dá um passo à frente na política de adoção de menores, matéria que vinha se regendo, até então, por normas superadas, em contraste com as crescentes necessidades, como revelam os abrigos e as entidades de trabalho voluntário, dedicados a receber crianças prematuramente órfãs ou enjeitadas pelos pais, que vivem pelo mundo em relações mal sucedidas. A nova lei pretendeu removeu obstáculos que se criavam para famílias candidatas a receber esses menores, mas ainda persistem exigências burocráticas em relação aos adotandos. Os entraves, quando excessivos, causam espécie, porque dificilmente um menino abandonado ou provisoriamente recolhido em creches entrará em um lar, em vida, nova para piorar. No Brasil, precisamos facilitar muitas coisas que cercam o cotidiano das pessoas, e essa é uma delas.

Dados recentemente atualizados indicam cerca de 9 mil meninos e meninas estão com salvo-conduto pronto para ganhar uma família, sem que faltem casais dispostos a assumir o encargo. Não raramente, acabam desistindo, por causa da burocracia, quando tudo poderia estar solucionado em trinta ou quarenta dias. Não obstante a nova lei e os progressos que trouxe, o governo ainda permanece devedor de iniciativas que estimulem casais organizados a oferecer abrigo. Se por nenhuma outra razão, que seja pela certeza de que cada menino adotado é uma esperança de educar e preparar o cidadão para escapar dos vícios e do crime. Vejamos o que a equipe do presidente Bolsonaro tem a dizer a esse respeito, e o que pode fazer.

Já se ouviu dele uma vigorosa promessa de combate frontal à burocracia, onde reside a origem de alguns dos grandes males nacionais. Quando prima pelo excesso, além de se servir como fonte de corrupção e tráfico de influência, esparrama seus males em todas as direções. Tem servido também para atravancar a vida de centenas de meninos e meninas, quando lhes acena um futuro melhor.

. . .

Ficou apagado na poeira do tempo o dia em que, pela primeira vez, um ser humano compadeceu-se e adotou uma criança órfã, algo que teria merecido especial registro num daqueles originais rabiscos de caverna. Muitos milhares de anos atrás, o homem acabava de ficar de pé, rompia com a ancestralidade selvagem dos macacos, e então conhecer um tênue sentimento de solidariedade. Num dia que se perdeu no amanhecer da civilização, alguém acolheu em sua caverna o menino cujo pai não havia voltado, com vida, da caçada. Não há como dizer que foi assim. Se não foi, pode ter acontecido algo semelhante. Primeira vez.

Há pensadores que não duvidam em considerar aquele gesto pioneiro, juntamente com a comensalidade, passo inicial na marcha da civilização. E aí caminhou, como símbolo da solidariedade humana; aquela que, dois mil anos passados, o Cristianismo adotaria como vértice salvífico. E nela, por que o acolhimento da criança abandonada deixaria de figurar? Para tanto, a Igreja valeu-se dessa origem: todos viraram filhos adotivos do Cristo, a despeito dos burocratas romanos.

A grandeza da adoção, testemunhada por algumas grandes personalidades, que dela se valeram ( um adotivo que se desvirtuou foi Brutus ao golpear César), muitas vezes excita poetas e prosadores, tentando descrevê-la. Em vão. Difícil traduzi-la em palavras. Talvez tenha sido Padre Vieira o que se saiu melhor. No sermão do Carmo, em São Luiz do Maranhão, 1659, diria simplesmente que “o filho natural ama-se porque e filho; o adotivo é filho porque se ama”.



A burocracia é um estado de espírito que insensibiliza as pessoas para as dores dos outros, à força de superar suas próprias frustrações 

- Carlos Lacerda, em “O Cão Negro”

sábado, 19 de janeiro de 2019

Coluna do "Jornal do Brasil" deste sábado , 19 janeiro  


Dúvida nas armas


Sem tentar ser impertinente, e mesmo reconhecendo que é necessário grande esforço para enfrentar uma violência que não para de crescer, confesso que ainda não me curvei à expectativa de bons resultados na liberação de armas de fogo, consoante recente decreto do presidente da República. Leio e releio textos das mais diversas tendências, e os temores persistem. Talvez a prudência recomende aguardar outros resultados dessa liberalidade. Mas, já de imediato, preocupa a primeira, ainda que não seja exatamente prenúncio de sinistrose: é o fantástico aumento dos negócios e das ações da indústria dessas armas. Em pregões de Bolsa ocorreu valorização de centenas de pontos, coisa impensável para nossos grãos. Porque é duvidoso achar que parte dessa farta produção não acabará terminando com os bandidos, exatamente em mãos em que não podem cair. É uma hipótese pessimista, mas não de todo impossível, conhecendo-se a variedade dos expedientes do crime organizado. Portanto, as fábricas e lojas também se cuidem.

Não faltaram vozes a sugerir ao presidente que antecedesse seu decreto com uma consulta popular. Porque, se aceita a liberação por expressiva maioria, ficaria ele com o respaldo da aprovação, teria como dividir os desdobramentos e consequências, fossem a seu favor ou para condená-lo. Mas, pelo que se viu, o governo preferiu escudar-se no referendo de 2005, sobre o Estatuto do Desarmamento, quando expressiva cota o eleitorado pronunciou-se conta a proibição da fabricação de armas; uma decisão que não deve se interpretada como consequente e natural aceitação de armas em residências e locais de trabalho. Uma produção, seja lá do que for, não é automática abertura para o consumo.

Mas tudo isso tem contestações poderosas, quase sempre partindo do direito de defesa pessoal, que, na verdade, é o argumento mais consistente, mesmo em desacordo com outros argumentos racionais, o primeiro dos quais é a certeza absoluta de que o que realmente põe cobro à violência não é armar o cidadão, mas desarmar o bandido. Há um contraste facilmente constatado: a violência e o crime mais prosperam exatamente onde a população mais se municia. É suficientemente demonstrado que a disseminação de armamentos letais, mesmo em mãos responsáveis, amplia tensões e enseja precipitações, como costumeiramente se vê em momentâneos incidentes entre vizinhos e no trânsito. Não raro, saca-se do revólver por uma banalidade.

Se a arma, ainda na linha da contra-argumentação, descansa no armário, desengatilhado para que se evitem imprevistos domésticos, o que pode ele ante a surpresa do invasor? Cria-se um cenário pânico, talvez até o pitoresco direito de que o assaltante quererá se valer, pois, em sua própria defesa (sic) vê-se obrigado a atirar, quando apenas pretendia levar valores materiais…

Penso, ainda, nas vítimas da violência que transitam pelas ruas, mas no momento
de se defenderem nada podem porque a arma ficou em casa ou no escritório. Essa dúvida faz coro com outra, ainda não suficientemente considerada: fazendeiros e sitiantes, trabalhado ou residindo no interior ermo, têm direito à defesa pessoal e do patrimônio, mas é preciso reconhecer que a discutida liberação poderá servir de pretexto para ajustes de terras e divisas, muito comuns, não diferentemente hoje dos velhos embates das roças distantes. Há, particularmente, um temor em relação que venham do campo, até porque não são raros os conflitos de interesses que acabam em morte.

Tenhamos paciência. Torçamos para os resultados não aprofundem os temores. Mas que eles há, não temos como esconder.



O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o que o povo quer neste momento” 

- Presidente Bolsonaro

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Armas em Punho


A indagação prospera, em meio a uma profusão de dúvidas. A disseminação de armas de fogo nas mãos de bons cidadãos, por mais aceitável que seja a intenção, poderia conter o crime e converter criminosos? Ou eles se sentiriam respaldados, vendo suas vítimas igualmente municiadas? Que dúvida!

Mas, seja para o bem ou para o mal, se não houver mudança de rumo, e se em nada for alterada a agenda da Casa Civil, amanhã ou depois será divulgado o texto do decreto que pretende flexibilizar a posse de armas. É a mais popular entre as promessas do presidente Bolsonaro; tanto assim, que seu gesto para saudar os apoiadores foi a imitação de uma metralhadora em punho. Em recente entrevista televisada, o ministro Onix deixou claro que governo quer ser ligeiro, como resposta à violência urbana crescente e fora de controle. Não se podendo negar que o tema é dos mais polêmicos, bastaria isto para recomendar o aprofundamento dos debates, já agora distantes os palanques e o calor eleitoral. Portanto, menos pressa por parte do governo

A posse consiste em possuir uma arma de fogo no interior da residência ou no local de trabalho, se aí o portador for titular legal do estabelecimento. É permitida a qualquer cidadão que esteja capacitado, de acordo com requisitos estabelecidos pelo Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826/2003, que deriva de projeto 292, de autoria de Gérson Camata, em vigência desde o dia seguinte à sanção do então presidente, Lula da Silva, em dezembro de 2003. Por ironia do destino, o ex-senador Camata foi assassinado há dias, 15 anos após a lei, por arma de fogo disparada não por um bandido, mas um desafeto de suas relações.

Estamos diante de uma longa discussão. O manuseio de armas é motivado em diversos pontos que dizem respeito à expressão da liberdade, ao direito a proteger-se de maneira eficaz; ao mesmo tempo em que fomenta análises sobre morte, criminalidade e acidentes. No Brasil, ampliou-se, a partir de 2015, o debate a respeito de uma legislação nova que pudesse diminuir a rigidez imposta pelo chamado Estatuto de Desarmamento.

A última eleição reavivou discussões em torno de temas de interesse da defesa da sociedade, dentre eles o uso de armas como forma de o cidadão enfrentar a escalada de violência. A criminalidade violenta – sobretudo contra a vida – alcançou a dolorosa marca de 63.000 homicídios/ano, não se incluindo nesse número milhares de estupros e milhões de furtos e roubos. Diante desse quadro, parece que o Estatuto não cumpriu sua promessa de reduzir a violência, que não apenas se manteve, como prosperou.

“A proibição de arma de fogo preserva a vida” disse, certa vez, a então ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, refletindo o que pensam militantes de direitos humanos, favoráveis ao total desarmamento. Segundo essa vertente, as tragédias do livre uso de armas nos EUA advertem e justificam restrições legais pretendidas aqui. Preveem nossos pacifistas que a escalada da violência vai aumentar significativamente, caso haja permissividade legal para a posse.

Por mais ansioso que esteja o presidente em cumprir promessas de campanha, talvez fosse melhor uma consulta pública, com prazo determinado, para que opiniões divergentes possam ser explicitadas; e, em seguida, assessores técnicos se encarregassem da sistematização das opiniões. Se assim fizer, ao editar o futuro decreto sobre o direito às armas em punho o presidente poderia se valer do respaldo da sociedade, e com ela dividir as consequências.


A própria consciência de que a violência ameaça a sociedade, e tem de ser reprimida, sugere que suas tensões originantes devam ser canalizadas em outras direções”

- Padre Henrique Lima Vaz

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Solidariedade e Poder



No semestre passado, o Partido dos Trabalhadores investiu no projeto de jogar tudo que era possível em novo destino para o ex-presidente Lula; nele e na sua imagem de mártir, o que se fez com um numeroso e amplo arsenal de recursos jurídicos para libertá-lo, ainda que ciente das escassas possibilidades de êxito. Os obstáculos existiam, como ainda existem, nesse triângulo francamente hostil e intolerante em relação ao chefe petista: Curitiba-Porto Alegre-Brasília. O próximo julgamento, rumoroso caso do sítio de Atibaia, reafirmará essa versão nacional do outro triângulo, o de Bermudas. Caindo ali, não há salvação.

Observadores pragmáticos, que não desprezam a solidariedade dos petistas àquele que é o maior dentre eles, lembram que esse sentimento não pode nem deve excluir alguma preocupação com a reorganização da estrutura partidária, que acaba de sair gravemente avariada da eleição de outubro. Não se pode ignorar isso; mais ainda: sem achar que basta xingar o presidente eleito, rotulando-o de nazista ou trumpista. Esse discurso é insuficiente, principalmente quando se desperta para o risco de o PT se ver desalojado do papel de líder natural da oposição a Bolsonaro. Se perder muito tempo, o script pode acabar caindo em outras mãos.




FHC didático

Ressalvando que não pretende dar conselhos a um governo do qual não participa e não ajudou a se formar, o ex-presidente Fernando Henrique nem se nega a mostrar o caminho que lhe parece único para viabilizar a polêmica reforma da Previdência: ir, com fé e coragem, à opinião pública, enfrentá-la, e explicar, paciente e didaticamente, o objetivo dessa proposta. Garante que sem apoio popular a matéria não avança. Inútil tentar.
FHC lembra a experiência que viveu com o Plano Real. Foi preciso falar diretamente ao povo e explicar tudo com minudências.


Consultoria

Com tantos novatos entrando em campo na política, às voltas com o que andaram prometendo, parece promissor, no futuro imediato, um projeto de consultoria. O deputado federal Marcus Pestana, do alto comando do tucanato, não se reelegeu, depois de quatro mandatos. Não deixará Brasília, nem voltará a lecionar Economia para universitários. Quer montar consultoria para políticos e empresários.


Pelo gênero

Tão logo seja possível definir, com detalhes, o perfil da nova bancada feminina na Câmara, a disposição será o ataque frontal ao comportamento do governo Bolsonaro quanto às distinções de gênero. Algumas entidades feministas, mais antigas, vão cair em campo para retomar suas lutas. Começando por jogar os bancos na ciranda, com a denúncia de que apenas 20% das funcionárias qualificadas nas agências conseguem atingir os postos de chefia. Para não repetir o que já denunciaram: nada mais machista que os contracheques, sempre 40% mais pobres para as mulheres.


Dia de ressaca

Ficou claro ( quem contestaria?) que esteve longe de ser expressiva a presença de delegações estrangeiras na festa de posse do presidente Bolsonaro. Em parte porque o novo governo, antes mesmo de começar, não se fez de rogado para construir indisposições em algumas capitais. Mas é certo que também influiu o fato de a solenidade se dar no Dia da Fraternidade Universal, de difícil deslocamento, além de compromissos familiares e de comemorações pelo resto do mundo.
É preciso retomar a discussão da PEC | 51, de 2003, que fixa a posse do presidente na segunda quinzena de dezembro.


Palavras em crise

Estes novos tempos, com as crises que vão produzindo, apreciam desfigurar o sentido natural das palavras. O indulto chamado De Natal ficou para outro dia. O 13º salário, também inspirado em abono natalino, por causa dos cofres indigentes, vai ser diluído em meses que nada têm a ver com papai noel.
No curso de palavras ao vento, dona Domares Alves, ministra, manifesta-se “tremendamente” cristã. E, no Rio, “abate”, até agora usado para definir o destino de gado confinado, transformou-se em sentença fatal para o governo enfrentar criminosos.
É preciso restituir o verdadeiro significado das palavras, já ensinava Julian Marías.





"Ser presidente é ofício mais exigente do que se pensa. Os que têm personalidade normal não deviam aspirar a isso."

Steve Pieczenik, psiquiatra de presidentes americanos