quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Previdência


A proposta de reforma da Previdência Social chegou ao Congresso Nacional, mas a base aliada do governo Bolsonaro ainda está desarticulada. Agora, o governo busca organizá-la para o início da tramitação da proposta de emenda constitucional. Essa proposta terá de passar pela Câmara dos Deputados e Senado. Um dos itens polêmicos do texto apresentado pelo governo é elevar o índice de contribuição previdenciária de servidores públicos, chegando até a 22%. Como consequência, as associações e entidades de classe já pretendem recorrer ao Poder Judiciário, com o argumento de que essa a alíquota é ilegal.

A tramitação da reforma da Previdência deve mudar o método de negociação com os parlamentares, usado pelo presidente Jair Bolsonaro na indicação dos ministros. O governo não pode continuar ignorando os partidos políticos no Congresso. Muitos parlamentares esperam que presidente chame os líderes para negociar, e estruturar uma base mais sólida. Bolsonaro foi deputado federal por sete mandatos, e conhece bem as artimanhas para aprovar propostas de interesse do Poder Executivo.

As reformas são necessárias e é voz geral que a da Previdência Social seja aprovada para o equilíbrio fiscal do país. Entretanto, não é de fácil aprovação no Legislativo. Os grupos de interesses sabem com agir e colocar os deputados e senadores sob permanente tensão. Em vários países essa reforma gera muitos conflitos. E o cuidado que se deve ter é demonstrar que não haverá privilégios para determinados segmentos da sociedade.


MDB fênix
Descuidado de um programa que não cumpre, desde Ulysses, o MDB é caso à parte. Sobre as cinzas de Renan, o partido entrou na legislatura protagonizando a segunda derrota. Após o acidente eleitoral de outubro, o partido ressurgiu, na mesma casa, conquistando cobiçadas posições em comissões temáticas; na verdade, as principais, com poder de influência política. Constituição e Justiça e Comissão Mista de Orçamento têm desempenhos decisivos no processo da governabilidade, e a elas o presidente Bolsonaro terá de recorrer com frequência. Para completar, ganhou a liderança do governo no Congresso.
Com essas conquistas, visto ficou, mais uma vez, que no episódio da eleição do presidente do Senado a resistência estava em Renan, não no partido; tanto, que acaba aquinhoado com poderes estratégicos para a tramitação de projetos.
O MDB tem uma história de ressurreições. Renasce e se recompõe, quase sempre sem maiores esforços, mesmo quando submerge em derrotas acachapantes. Em 2018, partido do governo federal e do presidente Temer, teve desempenho tão pálido, que ficou parecendo incomodar-se pouco com a derrota de Meireles.
Essa repetida competência de ressurgir de cinzas, quando ainda mornas, é definida por Almeida Reis como certa virtude que tem o partido de assumir a forma do objeto que o contém. Com alta capacidade de adaptação e fluidez, a trajetória emedebista é pontilhada de presenças nos governos que não são propriamente seus. Sempre em Pasárgada, para ser amigo do rei. Por isso, o destino começa a empurrá-lo para a sombra de Bolsonaro.

Não há pior coisa para um partido fora do poder, se não tiver vocação para isso”

- Charles De Gaulle, presidente francês

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019


Col JB 22 fev 19



Oportunidade para os partidos

Não neste momento, provavelmente nem nos meses seguintes, com o Congresso Nacional assoberbado, e previsão de prioridades, como a reforma da Previdência; mas os partidos têm tudo para, logo que possível, abrir discussão sobre e adaptação de seus programas, não como capricho diletante, mas para se situarem frente a uma realidade política que reclama deles ideias e objetivos mais claros. Há nesse campo uma visível defasagem, confirmada nestes dias que antecipam tramitações importantes nas casas legislativas, onde a interlocução se processa no varejo. Não há como dialogar com os partidos, porque ele não têm programas definidos a defender, nem mesmo para instruir seus parlamentares. O que se supõe existir são letras mortas a compor o estatuto indispensável para que uma sigla logre registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral. E tudo fica nisso.
Se, de início, tal critica possa parecer intolerância ou preocupação menor, para justificar o contrário bastaria lançar mão do tema favorito da hora, a revisão do sistema previdenciário. Dos 35 partidos oficialmente registrados, sendo duas dezenas com bancadas, qual ou quais poderiam destacar em seus programas propostas consistentes para contribuir no debate ou orientar seus parlamentares? Estes são levados a conduzir o voto com base em convicções pessoais ou por adesão às correntes que se posicionam contra ou a favor do governo. Situação diametralmente ao que se assiste em países onde predomina a nitidez programática, como agora no debate orçamentário dos Estados Unidos ou nas relações da Inglaterra com a comunidade europeia.
A previsão de um enxugamento da paisagem partidária, consequência da cobrança de desempenho, pode ser adequada oportunidade aos sobreviventes para reconstruir seus programas, que em geral não passam de peças de fantasias, com frases elaboradas, sem conteúdo e raras preocupações em tornar realidade o que, ao se organizarem, prometeram ao competente Tribunal. A hora é esta, sem que se saiba se outra oportunidade melhor haverá.


Como fênix

Sobre as cinzas de Renan, que entrou na legislatura do Senado protagonizando a segunda derrota do MDB, após o grave acidente eleitoral de outubro, o partido ressurge, na mesma casa, ao conquistar cobiçadas posições em comissões temáticas; na verdade, as principais, com poder de influência política. Constituição e Justiça e Comissão Mista de Orçamento têm desempenhos decisivos no processo da governabilidade, e a elas o presidente Bolsonaro terá de recorrer com frequência. Para completar, o partido também ganhou a Comissão de Educação, onde, como é permitido prever, o Senado será chamado a conter excessos da engenhosidade do novo ministro.
Com essa conquista, visto ficou que no episódio da eleição do presidente da casa a resistência estava em Renan, não no partido; tanto, que acaba aquinhoado com poderes estratégicos para a tramitação dos projetos.
O MDB tem uma história de ressurreições. Renasce e se recompõe, quase sempre sem maiores esforços, mesmo quando submerge em derrotas acachapantes. Em 2018, sendo o partido do governo federal e do presidente Temer, teve um desempenho tão pálido, que ficou parecendo incomodar-se pouco com a derrota de Meireles.
Essa repetida competência de ressurgir de cinzas, quando ainda mornas, é definida por Almeida Reis como certa virtude que tem o partido de assumir a forma do objeto que o contém. Com alta capacidade de adaptação e fluidez, a história emedebista é pontilhada de presenças nos governos que não são propriamente seus. Sempre em Pasárgada, para ser amigo do rei. O destino pode levá-lo à sombra de Bolsonaro.

Não há pior coisa para um partido fora do poder, se não tiver vocação para isso” 
- Charles De Gaulle, presidente francês

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Col no "Jornal do Brasil" 13  fev 19



Paciente presidente


Faz lembrar abril de 1985. Os corredores e apartamentos do hospital onde Tancredo Neves padecia, para depois entrar em agonia, haviam se transformado em instalações palacianas, ministros, assessores e políticos com trânsito, sem que alguém os contivesse, nem em nome do risco de infecções fatais. Contou-se depois que no próprio gabinete cirúrgico a maioria era de pessoas totalmente estranhas aos procedimentos.

Quando num hospital, quem se submete ao tratamento não é presidente; é um paciente; naturalmente fragilizado, com o organismo enfraquecido pela inércia física e o acúmulo de medicamentos, muitos dos quais concorrem para gerar indisposições. Não haveria de ser diferente a experiência de Bolsonaro.

Soa como imprudência instalar um gabinete do governo em um salão do hospital, onde ele é acumulado de problemas e tensões, quando a ocupá-lo nada mais se devia permitir além de repouso e descanso, que são essenciais para a restauração de quem só agora, cinco meses depois, escapa dos incômodos da colostomia. Despachos inadiáveis são problema para os ministros resolverem.

Os médicos não devem se constranger em desautorizar visitas, que, quanto mais bem-vindas, mais contribuem para cansar e infeccionar. É assim em qualquer lugar. Quando o presidente Figueiredo foi a Houston, para submeter-se a uma cirurgia cardíaca, Ronald Reagan desejou visitá-lo. Foi desaconselhado, pelas mesmas razões que em S.Paulo deviam polpar Bolsonaro. Por que fotos na sua privacidade, pastas carregando problemas, pronunciamentos sobre mortes ilustres, cobrança de inquérito sobre o atentado de que foi vítima. Que paciente é esse?

Nos dias finais de Tancredo o país parava para ouvir o assessor Antônio Brito ler boletins médicos, que nem sempre retratam o real quadro clínico: ou vagos, aumentando as ansiedades de milhões. Há um detalhe significativo: o que esses comunicados significam para os médicos não é o mesmo que traduzem para a política.Adescoberta de “uma sombra que sugere pneumonia” tem leituras diferentesda mesma formnas especulações sobre a alta do paciente: quando é ampliado o tempo de internação, aadministração e os políticos logo lançam previsões pessimistas.

|Nós, a estatística

Quando se vê a obra sinistra da insídia e da falência dos governos, ao mesmo tempo em que escapa da sociedade o culto aos valores, começamos a pensar que já não mais somos gente; somos a pessoa condenada a ser mera peça de estatística. Caducou o direito à individualidade. Somos números. Desliza uma represa de rejeitos, morrem 150; os tiroteios já não se comprazem com um morto, são 10. Alastra-se o fogo do descuido, e lá se vai, prematura, a vida de 10 meninos, que nem tiveram tempo de sonhar direito com seu futebol. Chove abundantemente no Rio, morrem sete, o prefeito confere as estatísticas, novas e antigas, e diz, com ar de fatalidade, que encostas sempre constituíram problema para os cariocas; sem que se leve em conta o vasto tempo que ele e outros tiveram para corrigi-lo. Não se fala nisso, até que venham outros acidentes.

Observe-se que desde as barragens até as escarpadas do Rio, as tragédias acontecem e vão continuar acontecendo, pela ausência de precauções; estas inexistem, porque deixamos de ser gente; somos números; e os números, quando tratam da morte, insensibilizam, quanto mais alto forem.

Esses criminosos dos nossos dias, que matam porque fazem as coisas mal feitas, incrivelmente aprenderam a não prejudicar o sono, desconhecendo a impessoalidade de suas vítimas, transformadas em dados de um ramo da matemática. E dormem, para acordar e de novo oferecer desculpas vazias: a sirene enguiçou, foi a chuva, o fogo foi culpa dos fios.



A morte de uma pessoa é tragédia, mas a morte de muitos é apenas uma estatística”. 

- Stalin, ditador russo
A arte de planejar

Quando chega o momento de arrancar os planejamentos dos relatórios e dos diagramas e fazê-los entrar no terreno da concreção, em geral os governos se sentem tomados pelo pânico; porque se planeja com os sonhos, e quando deles se quer despertar, o país vê como é grande a distância entre o ideal e o não realizável. Esse salto imenso tem uma história político-administrativa de fracassos e descréditos, porque, avaliado o que se desejou fazer, muita coisa acaba condenada a morrer no papel. Não falta quem veja nisso uma certa vocação nacional a frequentemente apelar ao improviso, como o caminho mais seguro para fazer com que se obtenha algum êxito. Isso é antigo na crônica carioca. Citado por Tristão de Ataíde, o Cardeal Sebastião Leme, que passou a vida abençoando este Rio de Janeiro, teria desabafado, certa vez: “é preciso notar que no Brasil só saem bem feitas as coisas improvisadas. Tudo muito planejado acaba mal”…

Há expectativa sobre como o governo Bolsonaro pretende se comportar em relação a esse problema. Porque ainda é pouco o que dele se conhece sobre a arte de planejar, isto é, fazer com que as obras e as ideias saiam dos mapas de rascunho, das cartolinas e do palanque, e viajem para o finalmente. Sem pretender isentar os governos, atual e anteriores quanto às responsabilidades nesse particular, quando se dão por contentes em vagar sobre números e relatórios improdutivos, é forçoso aceitar que nossas deficiências nesse campo realmente comportam um certo cacoete cultural. Desde jovens estamos chamados a aprender que há coisas que nascem e naturalmente são destinadas ao abandono, por maior que seja o prejuízo coletivo. Ensinaram-nos que há leis que pegam e outras que não pegam. Mas, quanto aos planos elaborados pelo governo é preciso recusar e condenar esse velho defeito. O que é indispensável tem de sair do papel.

Choque com o real

Essa vocação por estudar, programar e depois esquecer, tem sido o fácil caminho que o país trilha para perder muito tempo e dinheiro. Percebe-se que os governos, quase sem exceções, pecam ao permitir que tal defeito progrida. Foi o que levou Pandiá Calógeras a sentenciar, sem medo de errar: a lei fundamental da História brasileira é o paralelismo entre a lei e o fato. Há o fato e a lei. O Brasil legal e o Brasil de fato. Por isso, sempre houve uma grande diferença entre o que se planeja e o que é realmente para ser concretizado.

Ha um dado, mais inspirado que qualquer outro, para ilustrar o tradicional desinteresse nacional pelos programas planejadores, frequentemente renovado, e com a mesma frequência deixado de lado. Trata-se do indicativo incontestável de que os índices da pobreza têm intimidade com a proliferação de famílias mais numerosas. Pois, com base em tal realidade, insistiu-se, ainda que sob a resistência de setores religiosos, na necessidade do planejamento familiar. Como ensinar aos carentes a não terem os filhos que não querem ou não devem ter. Ocorre que se construiu uma enorme confusão entre o planejamento voluntário e o compulsório; e não mais se falou no assunto.

Esse foi um mal. Outro está em muitos setores governamentais, desde a União até estados e municípios, que passam meses e anos delirando em elucubrações, sabendo que chegarão, em paz e descansados, a nenhum lugar. Pratica-se também o expediente de elaborar estudos para transferi-los aos sucessores; mas estes têm ideias próprias e não apreciam o que outros pensaram. Dá-se, então, a rotina de relegar o que se propôs, para, depois, voltar ao mesmo. Constatando isso, Evaristo de Miranda usou sua verve para dizer que gostaria muito de trabalhar em alguma estatal de planejamento. ”A razão é simples: lá você planeja o que não executa, e depois avalia o que não fez”…

Planejar tudo é essencial para a paz: começa sempre no pão e no amor” 
Josué de Castro

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Ideias colhidas no chão

Naquela tarde de setembro em que o candidato Jair Bolsonaro sofreu o atentado, seguindo-se grande tumulto, polícia e correrias, os correligionários acabaram deixando espalhados pelo chão milhares de panfletos de propaganda, nos quais liam-se propostas que ele faria cumprir, se eleito. Um desses volantes está à mão. O primeiro item ali inscrito é a promessa de trabalhar pela redução do número de deputados, coisa que o eleitor gosta de ouvir; mas, quando o assunto toca as raias da realidade, revela-se de difícil encaminhamento. Ainda não foi possível saber se, agora eleito e empossado, ele mantém disposição para esse embate político, de onde, provavelmente, sairia desprestigiado pelo choque com os contrários. Pregava-se também, naquele dia, contra a reeleição, mas este é assunto superado. Fechou-se um ciclo em que ela se deu mal na História brasileira, onde nunca teve boa acolhida, desde Vargas, depois Fernando Henrique, Lula e Dilma. Todos inferiores na sua segunda passagem pela presidência.

É antiga a discussão sobre o número ideal de parlamentares, muitas vezes prevalecendo o consenso de que não há necessidade de serem 513. Nisso já se falava na década de 30, como se deu em uma das fugas do presidente Vargas para a fazenda São Mateus, onde apreciava descansar das pressões no Catete. Certa vez perguntou a Neca Venâncio, que tanto o divertia com suas tiradas pitorescas, a razão de defender a redução do número de cadeira na Câmara. Explicou o folclórico fazendeiro ser necessário economizar dinheiro: “é muito cachorro pra pouco osso”...

Não é questão para ser tratada com superficialidades, a começar por se constatar que nas bancadas legislativas o problema maior nunca foi a quantidade dos que estão ali; mas a qualidade deles. Ora, no item da qualificação a responsabilidade é do eleitor, quando vota mal. E maus eleitores sempre haverá, mesmo que o número de candidatos coubesse nas duas mãos. Ainda para contestar conclusões superficiais quanto à fartura de deputados e senadores, é necessário ponderar sobre os riscos da representatividade em um Legislativo muito reduzido; porque isso levaria a ampliar poderes nas decisões de poucos. O critério que temos (não há outro com maior eficácia) é construir as representações com base proporcional nos índices populacionais.

Numa incursão mais abrangente nos ideais do presidente, certamente menos acidentado seria reacender a discussão quanto aos senadores, desde que se mantivesse igual número deles para todos os estados. Não pode ser diferente, porque o Senado é a casa da Federação; não toleraria diferenças entre os entes representados. No Império os senadores gozavam da vitaliciedade, extinta com a Constituição de 1891, que fixou mandato de nove anos, rebaixados para dois anos em 1934, para, por fim, subir para oito. O cearense Lúcio Alcântara quis reduzir os mandatos para quatro anos, mas os pares cuidaram de enterrar a proposta em sepultura perpétua.

Parece conclusivo que o raciocínio do candidato vitorioso não considerou, na devida medida o detalhe substancial: o pecado dos deputados e senadores não decorre de serem numerosos, mas, como se disse, por não haver maioria qualificada. Há quem até recuse grandes mudanças nessa questão do nível. Nos Estados Unidos, Hubert Humphrey dizia que são muitos os idiotas em um país, e eles têm direito de estar representados. Nesse particular, o Brasil não tem perfil muito diferente, como condescendeu a fleugma de Gustavo Capanema: nosso Congresso é isto: 10% de notáveis, 10% de bandidos e 80% de gente normal. Pior quando o voto altera a ordem de fatores, os maus avançam e superam os bons.


Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, constitui oportunidade pata voltar às referências que inspiram a Justiça e o direito” 

- Papa Francisco