domingo, 31 de março de 2019


Polêmico e polemista


Se qualquer avaliação do governo Bolsonaro possa parecer precipitada, quando ele apenas vence o terceiro mês de mandato, um detalhe que certamente não pode escapar ao julgador é que a maioria de suas confusões até agora conhecidas vem de um presidente que prima pela polêmica; algo que parece verdadeiramente entranhado em seus costumes. A observação faz sentido, porque, na avaliação das coisas que ele diz, seria equivocado defini-lo apenas como dono de uma incontingência verbal. As entrevistas e os improvisos, geralmente seguidos de protestos e acusações, já denotam um estilo, que tanto pode produzir boas como más consequências. Mas sempre produz.

Enquanto diz o que vem à cabeça, e com isso acirrando discussões acaloradas, Bolsonaro relega a segundo plano a pauta das questões sociais importantes, transferidas para momentos mais propícios. Dá tempo ao tempo. E sai à caça de simpatias na abordagem de temas preferidos do eleitorado. Não seria outra intenção, quando lança à responsabilidade do Congresso a tardança na tomada de decisões importantes. O eleitor gosta de ouvi quem fala mal dos deputados, com ou sem razão. Mas, se o presidente sente conveniente o retrocesso estratégico, afaga o presidente da Câmara, a quem criticara. Tudo passa, como chuva de verão.

Atraído pelo desejo de acender discussões, mesmo se delas sair perdendo, ele também confirma a enorme simpatia pelo colega Donald Trump, outro vocacionado para provocações verbais.

Duvidoso, portanto, que a oposição some pontos, preocupada apenas com as provocações, porque elas são parte do cardápio bolsonariano.

Porém, com o passar do tempo, o polemista tende a perder fôlego, vê gradativamente reduzido seu fascínio sobre as massas. Que se cuide o presidente, lembrando-se do grande intelectual George Bernanos, que nos anos 40 fugira para Minas, na hora de ser morto pelos nazistas da França: “o polemista é divertido até 21 anos; tolerável até os 30; chato por volta dos 50 e obsceno a partir daí”.


quarta-feira, 27 de março de 2019



Eleição com novidades 

A campanha eleitoral de 2020 vai se aproximando rapidamente, embora nem todos percebam. É graças a isso que cabe uma reflexão sobre novidades e experiênciasque virão com ela. Num primeiro passo, vale lembrar que o Congresso Nacional aprovou, na última reforma política, um texto legal que é  resultante de proposta de emenda à Constituição (PEC 282/16) e de dois projetos de lei (8612/17 e 8703/17) que alteram as regras eleitorais a partir de agora. O sistema de coligações para as candidaturas proporcionais (vereador e deputados estadual e federal) deixará de existir nas eleições municipais do próximo ano.

O modelo proporcional continua vigorando, com a diferença de que não mais comportará coligações. Estas serão possíveis apenas para os cargos majoritários (a disputa para prefeito nas próximas eleições). Com o fim das coligações vão se eleger os candidatos mais votados dentro do partido, desde que ele consiga atingir o quociente eleitoral. Vai aqui uma observação que se baseia em maldade dos deputados, quando alteraram o dispositivo: transformaram os candidatos à vereança numa espécie de cobaia. Vão ser lançados sob os riscos do novo modelo em teste.

A partir da última reforma política a vontade do legislador foi querer que os partidos sem ideologias semelhantes se coliguem apenas com o objetivo de atingir o quociente eleitoral. A expectativa é exigir dos partidos que se estruturem, uma vez que terão que estar mais preparados e contar com filiados e candidatos que realmente acreditem nos programas partidários. Limitou-se o espaço para os aventureiros.

Desde 2016 vigora um dispositivo na lei que exige para eleição do candidato o desempenho mínimo nas urnas; isto é, para se eleger, ele deverá atingir 10% dos votos do quociente eleitoral exigido para a referida eleição. Por exemplo: se temos 20 vagas na Câmara Municipal e 300 mil votos válidos, logo o quociente partidário será de 15 mil. Isso quer dizer que a cada 15 mil votos o partido tem direito a uma cadeira. Mas só poderão ser eleitos os candidatos que atingirem 10% do quociente eleitoral, que, neste exemplo, é de, no mínimo, 1.500 votos. Não satisfeito esse quesito, a vaga passa para o partido subsequente que atender a tal condição.

Outro aspecto interessante a ressaltar: a experiência prática demonstrou que o jeito de fazer campanha vai mudar nas eleições de 2020. O desempenho de alguns candidatos no  pleito de 2018 demonstrou que posicionamentos quase diários e manifestações nas redes sociais, a longo prazo, possibilitam maior consolidação em relação aos que apostaram em candidaturas a curto prazo no modelo tradicional. Não mais restam dúvidas de que somente nome, experiência na política, minutos de televisão no horário eleitoral gratuito e até mesmo estrutura partidária são insuficientes para o resultado eleitoral.

O  desafio para o TSE nas próximas eleições é estabelecer  regras  e instrumentos que não censurem, mas proporcionem garantias de controle para que crimes não sejam cometidos no processo eleitoral.  Uma regulamentação mais clara quanto ao uso das redes torna-se necessário.




segunda-feira, 25 de março de 2019

Bolsonaro e os idos de março 


Terminado o ciclo militar, e com o advento da quinta república, os governos deixaram de falar e exaltar o golpe de 64, que, quando muito, ganhou ligeiras referências nas ordens do dia lidas em quarteis. Nos últimos anos nem isso, e a data mergulhou em total ostracismo. Mas agora, ainda convencido de que os acontecimentos de 64 e os que logo se seguiram salvaram o Brasil, o presidente Bolsonaro determinou que o 31 de março daquele ano seja comemorado, o que vem se juntar a muitas de suas contribuições que levam a um clima de polêmica nos meios políticos. A ser cumprida sua determinação, as instituições militares se ocuparão, no domingo, de reativar o discurso de época: o país estaria em véspera da instalação de uma ditadura síndico-comunista; e o remédio era impedi-la com outra ditadura. 

Já que o tema é resgatado por iniciativa presidencial, depois de meio século adormecido, cabe lembrar que os estudiosos e pesquisadores em geral preferem limitar os efeitos da ascensão dos militares ao poder, naquele ano, à quebra dos direitos individuais, à censura e à violência nos interrogatórios realizados nos porões. Mas não foi só isso.

As dores a que foram submetidas as instituições democráticas se fazem sentir ainda em nossos dias. Dos idos de 64 ficaram a fragilização dos partidos; o descrédito da política, e não apenas dos maus políticos; o modelo puramente tecnocráticos na formulação da estratégia econômica; o ressurgimento, em alguns aspectos, da cultura antidemocrática de 1937, com Vargas; e, no campo da segurança nacional, a transformação do cidadão em inimigo de guerra.

Certamente, o presidente não pretende abordar tais aspectos, embora sejam fatos que a História não desmente.




Feriados

Deve-se ao deputado tucano matogrossense Beto Pereira a retomada de uma interminável discussão: a conveniência de os feriados nacionais, mesmo os que têm datas fixas, tornarem-se móveis, o que significa institucionalizar os fins de semana prolongados. O argumento em que se baseia o projeto é que os feriados, quebrando a regularidade econômica e as atividades do comércio e da indústria, causam grandes prejuízos à nação. Mas desconsidera um dado essencial: feriado fora da data perde seu significado histórico, sua razão de ser. O deputado exclui da proposta o primeiro dia do ano, Natal, Sete de Setembro e dia de Nossa Senhora Aparecida.

Pretende o projeto que feriado na terça ou quarta-feira fica antecipado para a segunda-feira anterior. Se cair na quinta fica para a sexta seguinte. A pergunta cabível é se a antecipação e o adiamento também não quebrariam o ritmo da economia na segunda e na sexta-feira contempladas.

O projeto é novo, mas a ideia é antiga, defendida pelos apreciadores de feriadões.


sábado, 23 de março de 2019

Temershow 


Em um ponto a coincidência é total. A prisão do ex-presidente Michel Temer foi péssima para a imagem do Brasil Exterior. Milhares de personalidades certamente arrancam do túmulo a perplexidade do velho Francelino Pereira, ex-governador, para indagar “que país é esse?”, que em menos de três décadas tem dois ex-presidentes presos e outros tantos afastados do cargo por decisão do Congresso Nacional, afora os já encarcerados. Como dar suficientes créditos políticos a um estado com tal singularidade?
Sobre a prisão de Temer, consideram muitos que seria totalmente desnecessária a espetacularização do ato determinado pelo juiz Bretas. Não tendo sido o ex-presidente condenado, mas apenas chamado a depor, bastaria a intimação, cumpridas as formalidades da lei, considerando-se ter ele domicílio conhecido, sem suspeita de ter planos para deixar o país.
Fatos dessa natureza também contribuem para estimular os meios políticos a considerar que juízes e promotores estão indo longe demais. Sem embargo da procedência das suspeitas.


Tuberculose 

Em reunião, nesta semana, da plenária do Conselho Municipal de Assistência Social foi informado que Juiz de Fora é a segunda referência estadual na incidência de casos de tuberculose. Só superada por Belo Horizonte. Agora, a situação preocupa, por duas razões: nem todos aos casos são comunicados às autoridades sanitárias, e eles podem se tornar mais frequentes com a aproximação dos dias de temperaturas baixas.
O bacilo sobrevive no ar, o que significa ser recomendável permanente ventilação nos ambientes; que sejam arejados, mesmo com ventilação produzida mecanicamente.
Quanto aos sintomas, uma tosse intermitente em três semanas seguidas deve ser investigada.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Pobres estradas

Se hoje toda a produção agrícola brasileira depende das rodovias, sem alternativas economicamente viáveis, essa realidade se tornou ainda mais desafiadora com as recentes chuvas e seus alagamentos, que se fizeram sentir em praticamente todos os estados. As estradas, que já sofrem deficiências durante todo o ano, agora tendem a atingir uma situação crítica. Há casos, sem exceções regionais, em que os temporais das últimas semanas colocaram em risco um mínimo de condições de tráfego, o que, na rota das consequências inevitáveis, pode comprometer o escoamento de grande parte da produção. Vale recordar, por mais desagradável que seja, o prejuízo dos dois últimos anos de safras, com grãos que se perderam porque as carretas – centenas delas – não tiveram como chegar aos seus destinos, impedidas pelas barreiras desmoronadas e pontes destruídas. O mais recente balanço das destruições provocadas pelas águas justifica preocupações.

Nada poderia ter sido tão cruel para a malha rodoviária do país que as pesadas temporadas de chuvas, agravadas com outras inconstâncias climáticas. O excesso de precipitações que percorrem o país resulta numa verdadeira tragédia em dupla dimensão: a produção que se perde, sem tempo para chegar ao destino, e o consumo afetado pelo desabastecimento. Não há no território nacional um só estado que escape desses prejuízos sazonais, desde Minas, que detém a mais extensa malha rodoviária, até as menores, provavelmente localizadas em Roraima e Piauí. Trata-se, por conseguinte, de uma questão de interesse comum dos brasileiros, numa vasta raia que começa no produtor, passa pelos transportadores e termina nos distribuidores e consumidores.

É uma conversa antiga que, embora reconhecida a importância do tema que aborda, sempre esbarra na carência de recursos do Tesouro, pobre e fechado para o encaminhamento de soluções necessárias. O Brasil, se é grande demais para ter seu mapa rasgado de estradas de Norte a Sul, não é menos dificultoso para recuperar as já existentes, como essas que passaram metade de janeiro e de fevereiro castigadas pelos temporais. Os dinheiros suficientes, já franciscanos em muitos governos anteriores, certamente permanecem escassos nos cofres atuais, cujas chaves o ministro da Economia de Bolsonaro tem à mão. E então? Poder-se-ia exigir uma escala de prioridades, mas estas também se mostram difíceis. E não há como abrir o mapa em busca de escolhas piedosas, porque quase todas estão a reclamar o mesmo atendimento.

Visto ser impossível contentar-se com a passividade, quando o desafio soa aos berros, é necessário que sejam encontradas soluções. Uma delas, mesmo que não totalmente justa, levaria o governo a congelar, momentaneamente, recursos previstos para os projetos da ambicionada integração viária nacional, que até agora muito pouco integrou, e realocá-los para as exigências emergenciais. Transferiria para quando for possível essas imensas extensões, que no presente pouco podem oferecer ao deslocamento da produção, mas sem jamais negar sua importância econômica e estratégica. Absurdo se se dissesse o contrário.

Dois parentes

Autodegradáveis, como se fossem tomates em gôndulas de supermercado, com prazo para se tornarem impróprios para o consumo, os partidos brasileiros continuam expondo uma incrível fragilidade como estrutura de representação, ainda que tenham alguma força para influir no poder. Em cada eleição perdem um pouco do protagonismo.
O caso mais recente é o PSL, há cinco meses poderosíssimo, subiu à presidência da República, mas agora a caminho de ser descartado, por graves insuficientes, mesmo sem fôlego para surfar na maré alta do sucesso.
O presidente, já em cima da hora para contar com estruturas políticas sólidas, tem de buscar abrigo menos susceptível às tempestades. Posto de lado, o PSL tem ceder seus espaços no poder, pelo menos os principais. O que se tem dito é que esses espaços poderão ser tomados por uma sigla que dê a Bolsonaro melhores inspirações no passado, despertando de um velho sonho algo parecido com a fleugmática UDN, partido que se opôs ao PTB e PSD, estes criados por Getúlio Vargas para lhe dar apoio nas zonas urbanas e rural. Mas há que se reconhecer que a adormecida União Democrática Nacional tem muito a ver com o atual governo: partido de inequívoca vocação para a direita. A se confirmar o projeto de exumação do esqueleto udenista, o presidente Bolsonaro deve cuidar para extirpar da nova UDN uma passada e poderosa vocação conspiratória, que, em outros tempos, a colocou contra Vargas, postulando sua queda, e depois na crise de 54, que levou o ~presidente ao suicídio; em seguida, quis impedir a posse de Juscelino, e tomou frente na derrubada de João Goulart.


Outros tempos 

Houve época, em dias nem tão distantes, em que as visitas protocolares de presidentes de república eram marcadas pela troca de presentes cuidadosamente preparados, de indiscutível bom gosto. Quanto ao Brasil, uma tela de pintor famoso (por exemplo, de Portinari), uma coleção de pedras preciosas ou peças do artesanato nordestino. 

Nesta semana, em Washington, os presidentes Bolsonaro e Trump romperam com a tradição, permutando camisas de futebol. Mesmo sendo populistas, não precisavam exagerar...

quarta-feira, 6 de março de 2019

Histórias do Vice


Primeiro, é preciso não esquecer que os vice-presidentes são autores, intencionais ou acidentais, das páginas que compõem metade da história republicana brasileira, dado mais que suficiente para evitar o equívoco de serem relegados a plano secundário; principalmente nos momentos críticos. Vem a propósito, quando alguns têm estranhado o protagonismo do general Mourão, vice de Bolsonaro, mas amparado pela Constituição de 1988, em seu artigo 77, que prevê, além da responsabilidade de suceder ou substituir, o exercício de missões especiais, toda vez que isso for da conveniência do titular. No caso presente, quando se fala de sua intimidade com a crise da Venezuela, concorre o fato de ter sido adido militar em Caracas. Os que alimentam preocupações acostumaram-se a identificar o eventual substituto com momentos dramáticos da politica, o que é verdade. Mourão não é o primeiro a ser jogado em cena.

A República ainda engatinhava de cueiro, e o primeiro vice, Floriano Peixoto, acusou Deodoro de não convocar eleição, e ajudou a derrubá-lo; mas acabou cometendo o mesmo erro que vira no antecessor. Primeiro capítulo de uma longa novela, em que os vices assumiram o poder em 32 ocasiões, somando quatro anos e 73 dias. Idade nunca constituiu problema, tanto para João Goulart, que tinha 38 anos, quando Juscelino foi ao Panamá; nem para Nélson Caneiro, presidente do Senado, aos 80 anos, na viagem de Sarney ao Uruguai em 1990.

Episódios em que esses eventuais foram além dos limites acabaram contribuindo para estimular defensores da tese de que eles são totalmente desnecessários. Se o presidente viaja ou adoece, convoque-se o senador que estiver no comando do Congresso. Foi o que levou Jefferson Péres a patrocinar a PEC 44, de 2003, extinguindo o cargo, tomando-o como inútil, além de ser, de certa forma, um usurpador, pois elege-se na carona do presidente... O representante do PDT amazonense morreu sem que sua ideia fosse levada a sério. Tinha em mente que, salvo exceções, o vice é permanente conspirador, que não quer se sujeitar ao papel de pneu estepe do carro presidencial. O único emprego que, para prosperar, é preciso que o chefe morra… Nos Estados Unidos, John Adams foi mais cáustico: “é o mais insignificante cargo da criatividade humana”.

O vice só é útil se for inútil, atacam os críticos. Contra estes, levanta-se José Sarney, que, companheiro de chapa de Tancredo Neves, tornou-se recordista mundial, pois ficou com os cinco anos que seriam do presidente morto prematuramente. Superou o campeão, Andrew Johnson, que herdou três anos e 11 meses de Lincoln. Para Sarney, a função a que foi chamado pode ser comparada a um salva-vidas nos mementos de crise. Também seria nosso o troféu mais curto, em 1955, quando Carlos Luz assumiu por apenas três dias.

Velhas rusgas

Sem novidade quando se diz que presidentes e seus eventuais substitutos cultivaram maus humores, afora o já citado temperamental Floriano. Não se tem notícia disso sobre as relações Bolsonaro-Mourão. A tradição alimenta a ideia de que o vice tem ”olho grande”, e quer subir o degrau de cima. Se não para todos, foi verdade no caso de Manoel Vitorino, que aproveitou grave enfermidade de Prudente de Morais para, em poucos dias, alterar quase todo o ministério e mudar a sede do governo. Café Filho manteve o ânimo de conspirar contra Getúlio, e subiu à presidência na tragédia do suicídio. Os dois vinham nutrindo antipatias, estas, aliás, sempre facilitadas quando presidente e vice podiam ser eleitos em chapas diferentes, contrariamente à norma hoje adotada.
Desencontros são antigos. Nos casos mais recentes, não são esquecidas as cenas de João Figueiredo e Aureliano Chaves, que estavam “de mal” em solenidade militar; ou os arranhões entre Collor e Itamar Franco. Casos assim, somados, levam a concluir que fazem parte do show da política.



Meu vice é uma criatura maravilhosa. Raramente aparece por aqui” 


- atribuída a Hermes da Fonseca sobre Venceslau Brás


Col JB 1 mar 19



Velhas e novas aspirações

A mais recente consultar popular, destinada a saber o que o brasileiro anda pensando sobre seus problemas fundamentais, e como espera vê-los solucionados, mostrou que o país tem uma relação que poderia ser definida como intocável, envelhecida; porque o tempo e os homens passam, e ela permanece. Desta vez, pelo que se leu, foi a Confederação Nacional da Indústria patrocinadora da pesquisa, que veio com a garantia de abrangência sobre todos os estados, o que a autoriza pela extensão. Mas em relação às questões levantadas, o que interessa nestes registro: o cidadão comum, onde quer que se encontre, continua alimentando como seus principais anseios as seguranças mínimas na saúde, na segurança pública, na educação. São setores na vida de todos que permanecem distantes do desejável, ainda que alguns pontos de progresso tenham sido atingidos. Constituem herança para o presidente Bolsonaro, que, a serem considerados os números da mesma pesquisa, chegou ao segundo mês de sua gestão com avaliação positiva de 57% dos entrevistados.

Há dois detalhes, talvez os principais a diferenciar o atual estudo com os anteriores. O primeiro é que os brasileiros revelam-se mais preocupados com o meio ambiente, e consideram que preservá-lo é hoje uma questão fundamental. Anos passados não figurava com ponto destacado na consciência coletiva. Bom sinal. Quase tão rara como a questão ambiente, revela a pesquisa que o cidadão quer combate frontal à corrupção. E neste particular, independentemente das demais aspirações nacionais, o desejo de combate à corrupção é uma convocação aos três poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. Considerado tal aspecto, tamanho envolvimento, conclui-se que a moralização é, entre todas, a postulação mais sentida dos homens da rua. Governantes, legisladores e julgadores precisam atentar isso.


Os militares


General Golbery, pensador da geopolítica, a quem o poder costumava consultar em 1964 sobre o que os militares deviam ou não deviam fazer, já alimentava uma percepção de que, no futuro, caducaria, como efetivamente caducou, o modelo de chegar ao poder e domá-lo com o uso das armas; estas, como se viu, guardaram as impressões digitais dos ditadores, com uma série de inconveniências que a História se recusa a esquecer. Era preciso caminhar para soluções diferentes. O general estrategista acabaria amargando espécie de ostracismo obsequioso, condenado pelo núcleo das fardas, por considerar suas ideias excessivamente acadêmicas.

Hoje, quando se lança um olhar atento sobre o Palácio do Planalto, não há como discordar do raciocínio profético de Golbery: chegar ao poder sem precisar buscar tropas e armas nos quartéis para levar o generalato ao poder. As estrelas desceram ao palácio, onde dominam todos os cargos e funções importantes, mesmo aquelas que, por sua própria natureza, sempre foram confiadas a civis. É onde senta-se agora o general Floriano Peixoto? Ele integra uma equipe onde tomam parte duas dezenas de oficias em ministérios, sem contar outros tantos em posições mais modestas.

Golbery não prescrevia claramente a eleição como forma de o militar voltar ao poder; mas, com certeza, pelas armas nunca mais. Em setembro do ano passado, matéria deste jornal chamava a atenção para o fato de mais de 100 militares estarem entrando na disputa dos votos, confiantes em que os tempos tornaram-se outros; um deles, antigo capitão, haveria de virar presidente da República. O velho Golbery estaria batendo palmas, ao ver os militares de volta ao palácio, sem violência, mas bafejados pelo voto popular. Provavelmente, bom profeta, teria parte na assessoria de Bolsonaro.



A História não flui de acidentes; ela é composta de tramas, segundo os militares” 

- ministro Roberto Campos