Pobres estradas
Se hoje toda a produção agrícola brasileira depende das rodovias, sem alternativas economicamente viáveis, essa realidade se tornou ainda mais desafiadora com as recentes chuvas e seus alagamentos, que se fizeram sentir em praticamente todos os estados. As estradas, que já sofrem deficiências durante todo o ano, agora tendem a atingir uma situação crítica. Há casos, sem exceções regionais, em que os temporais das últimas semanas colocaram em risco um mínimo de condições de tráfego, o que, na rota das consequências inevitáveis, pode comprometer o escoamento de grande parte da produção. Vale recordar, por mais desagradável que seja, o prejuízo dos dois últimos anos de safras, com grãos que se perderam porque as carretas – centenas delas – não tiveram como chegar aos seus destinos, impedidas pelas barreiras desmoronadas e pontes destruídas. O mais recente balanço das destruições provocadas pelas águas justifica preocupações.
Nada poderia ter sido tão cruel para a malha rodoviária do país que as pesadas temporadas de chuvas, agravadas com outras inconstâncias climáticas. O excesso de precipitações que percorrem o país resulta numa verdadeira tragédia em dupla dimensão: a produção que se perde, sem tempo para chegar ao destino, e o consumo afetado pelo desabastecimento. Não há no território nacional um só estado que escape desses prejuízos sazonais, desde Minas, que detém a mais extensa malha rodoviária, até as menores, provavelmente localizadas em Roraima e Piauí. Trata-se, por conseguinte, de uma questão de interesse comum dos brasileiros, numa vasta raia que começa no produtor, passa pelos transportadores e termina nos distribuidores e consumidores.
É uma conversa antiga que, embora reconhecida a importância do tema que aborda, sempre esbarra na carência de recursos do Tesouro, pobre e fechado para o encaminhamento de soluções necessárias. O Brasil, se é grande demais para ter seu mapa rasgado de estradas de Norte a Sul, não é menos dificultoso para recuperar as já existentes, como essas que passaram metade de janeiro e de fevereiro castigadas pelos temporais. Os dinheiros suficientes, já franciscanos em muitos governos anteriores, certamente permanecem escassos nos cofres atuais, cujas chaves o ministro da Economia de Bolsonaro tem à mão. E então? Poder-se-ia exigir uma escala de prioridades, mas estas também se mostram difíceis. E não há como abrir o mapa em busca de escolhas piedosas, porque quase todas estão a reclamar o mesmo atendimento.
Visto ser impossível contentar-se com a passividade, quando o desafio soa aos berros, é necessário que sejam encontradas soluções. Uma delas, mesmo que não totalmente justa, levaria o governo a congelar, momentaneamente, recursos previstos para os projetos da ambicionada integração viária nacional, que até agora muito pouco integrou, e realocá-los para as exigências emergenciais. Transferiria para quando for possível essas imensas extensões, que no presente pouco podem oferecer ao deslocamento da produção, mas sem jamais negar sua importância econômica e estratégica. Absurdo se se dissesse o contrário.
Dois parentes
Autodegradáveis, como se fossem tomates em gôndulas de supermercado, com prazo para se tornarem impróprios para o consumo, os partidos brasileiros continuam expondo uma incrível fragilidade como estrutura de representação, ainda que tenham alguma força para influir no poder. Em cada eleição perdem um pouco do protagonismo.
O caso mais recente é o PSL, há cinco meses poderosíssimo, subiu à presidência da República, mas agora a caminho de ser descartado, por graves insuficientes, mesmo sem fôlego para surfar na maré alta do sucesso.
O presidente, já em cima da hora para contar com estruturas políticas sólidas, tem de buscar abrigo menos susceptível às tempestades. Posto de lado, o PSL tem ceder seus espaços no poder, pelo menos os principais. O que se tem dito é que esses espaços poderão ser tomados por uma sigla que dê a Bolsonaro melhores inspirações no passado, despertando de um velho sonho algo parecido com a fleugmática UDN, partido que se opôs ao PTB e PSD, estes criados por Getúlio Vargas para lhe dar apoio nas zonas urbanas e rural. Mas há que se reconhecer que a adormecida União Democrática Nacional tem muito a ver com o atual governo: partido de inequívoca vocação para a direita. A se confirmar o projeto de exumação do esqueleto udenista, o presidente Bolsonaro deve cuidar para extirpar da nova UDN uma passada e poderosa vocação conspiratória, que, em outros tempos, a colocou contra Vargas, postulando sua queda, e depois na crise de 54, que levou o ~presidente ao suicídio; em seguida, quis impedir a posse de Juscelino, e tomou frente na derrubada de João Goulart.
Outros tempos
Houve época, em dias nem tão distantes, em que as visitas protocolares de presidentes de república eram marcadas pela troca de presentes cuidadosamente preparados, de indiscutível bom gosto. Quanto ao Brasil, uma tela de pintor famoso (por exemplo, de Portinari), uma coleção de pedras preciosas ou peças do artesanato nordestino.
Nesta semana, em Washington, os presidentes Bolsonaro e Trump romperam com a tradição, permutando camisas de futebol. Mesmo sendo populistas, não precisavam exagerar...