As casas em ordem
(( Wilson Cid hoje no
”Jornal do Brasil” )) .
Talvez seja um pouco
apressada a expectativa de alguns analistas, que tomam por base
recentes pesquisas eleitorais nas grandes capitais, e a partir daí
passam a garantir que o velho PT entrou nos estertores, caminhando a
passos largos para a falência. A constatação de próxima derrota
nos centros mais influentes, o que realmente está nas previsões,
prejulga o cenário melancólico, mas não suficiente para a certeza
de um enterro de segunda classe. Perder agora prefeituras de
expressão política, enseja a poder criticá-las depois, quando for
chegada a hora da escolha do presidente e dos governadores. Se o
partido enfrenta fatores adversos e vive um ano fragilizado, isso
pode ter contribuído para o comando petista relegar a segundo plano
o que haverão de dizer as urnas do dia 15, mas conferir prioridade,
desde agora, a uma campanha centrada em 2022, quando espera
enfrentar, com vantagens, a um Bolsonaro enfraquecido e devedor de
compromissos não viabilizados.
O projeto seguinte também
está sinalizado na decisão do partido de recomendar aos atuais
candidatos a prefeito que aproveitem o palanque eleitoral, e procurem
consolidar a imagem de Lula como o mártir político, vítima
preferencial dos juízes e dos tribunais; ainda que sejam fartas as
razões da Justiça para não descolar de seus calcanhares.
Observa-se a tentativa de evitar o esvaziamento da imagem do
ex-presidente, mantê-lo politicamente vivo, e com essa retaguarda
buscar a retomada do poder. Convocados a participar desse objetivo,
os candidatos têm acatado a orientação, mesmo que alguns sejam
criticados por descuidarem dos temas locais. Mas seu desempenho na
campanha municipal serve para fortalecer a convicção de que os
olhares petistas não privilegiam esse novembro que se aproxima, mas
voltam-se esperançosos para 2022. Portanto, seria erro primário
achar que esse é um partido moribundo.
Convém, contudo,
considerar que a observação preliminar que aqui se faz sobre o
embate político pela posse do Planalto (ela tem quem a contradiga),
deve ser tomada apenas como introdução ao exame das peças do
tabuleiro da sucessão. A começar pelo PT, nos próximos meses será
inevitável a reorganização das forças políticas que participarão
desse jogo. Porque do jeito como se encontram hoje, sendo
situacionistas ou oposicionistas, elas não estão com os cordéis em
ordem para uma corrida presidencial, onde não faltarão tamanhas
complexidades políticas, que o despreparo de um dos competidores
pode ser fatal.
Sem o prestígio dos
partidos, dos políticos de modo geral, todos sob o impacto de
desgastes, a rearrumação da casa não é obra exclusiva para o
Partido dos Trabalhadores, mas começa por ele, ao jogar todas as
cartas na imagem de um ex-presidente, que, apesar de chegar à
eleição sob o peso dos 77 anos, continua admitido e celebrado como
símbolo insubstituível das causas petistas. Decidido está que ele
é quem deve sustentar a bandeira. Lula, pela idade, pelas
experiências vividas, não é exatamente o melhor atleta para a
corrida que vai começar; e os intelectuais do partido certamente
mensuram os riscos dessa aposta. Mas uma indagação também se faz
pertinente: se deixar Lula de lado, quem seria seu substituto?, numa
legenda onde a renovação de lideranças não é exatamente a grande
preocupação.
Vejamos, contudo, que, se a
principal legenda da oposição tem desafios internos e externos, nem
por isso as hostes bolsonaristas gozam o direito de se considerarem
em mar de rosas. O presidente, em plena campanha, e já à procura de
um vice que seja capaz de facilitar a próxima jornada, também é
chamado a enfrentar problemas, não menos ásperos se comparados aos
que deverão infernizar a vida dos opositores. Bolsonaro nem tem
partido, e nesse particular, sai inferiorizado, perde ponto, porque o
PT é organizado e dispõe de militância. Alguém poderia citar o
Centrão, que lhe dá apoio parlamentar, mas não é partido, nem
grupo estruturado em causas politicas; é auxiliar de ocasião,
pronto para desembarcar no momento conveniente. Além disso, governo
não tem militância, só funcionários e adesões que duram apenas
um mandato.
Com as reservas de uma
reflexão que se faz com intervalo de dois anos, vê-se que as
tarefas de Bolsanaro não esfolam menos os costados, ainda que nas
comparações os desafios possam diferenciar certos aspectos e
nuances. Por exemplo, a questão primordial do nome para concorrer ao
Palácio do Planalto. A direita e as correntes conservadoras levam a
vantagem de partir com um candidato pronto, esculpido e consentido, o
próprio Bolsonaro. Mas a oposição, avessa à renovação dos
quadros, não vislumbra um perfil adequado, preferindo sonhar o sonho
impossível de um Lula ressurgente, sem novas penas a cumprir. É a
primeira diferença significativa no páreo: o presidente cavalga o
poder e a máquina, enquanto a oposição ainda titubeia, e tem
dúvidas sobre quem vai pilotá-la.
Vantagens e desvantagens
isoladas, falhas ou virtudes, elas já vão se distribuindo entre os
atores da luta presidencial. Não antecipam vitória ou derrota, mas
deixam muito claro que todos têm de se organizar. É o mínimo a
fazer.