Eleição para melhorar
((Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasill”))
O tempo raramente se deixa atropelar, quando a questão é saber se o voto popular resultou em frustração ou se contribuiu para ampliar a qualidade política ou técnica do serviço público. É preciso deixar que corram alguns meses para que se elabore avaliação menos susceptível de erros. Certamente não constituirá exceção o pleito que aguardamos em 15 de novembro; depois, esperar o desempenho dos prefeitos e vereadores.
Quando se analisa o novo painel traçado pelo Tribunal Superior Eleitoral, com o perfil dos candidatos e a presença dos partidos, há alguns aspectos com sinais positivos, mesmo que a próxima convocação do eleitorado se faça cercar ainda das muitas dúvidas coronavirianas. Mas essa pandemia, que se arrasta por oito meses, tendo matado dezenas de milhares de cidadãos votantes, conduz, não propriamente a um alento, mas certo alívio, porque podia ter trazido consequências bem piores; e nem eleição fosse permitido. Nada é tão ruim, que não possa ser pior, ensina o brocardo.
No final do registro das candidaturas a primeira novidade permitiu admitir que vamos marcando passo, ainda que modestamente, rumo a um melhor nível de inclusão social. Viu-se que 40% dos postulantes a cargos eletivos revelaram-se negros ou pardos, o que quase sempre se omitia em anos passados. Algo, parece, não apenas simbólico, mas sinal de algum progresso no longo e penoso esforço na ascensão de uma raça para ganhar espaço no poder político. Constituintes da metade da população brasileira, negros e pardos têm sido os mais enjeitados pelo status governamental, desde a organização municipal até altas elites da esfera federal.
Independente do julgamento de maiores qualificações para os cargos em disputa, missão confiada a quem vai votar, essa nova realidade confirma o acesso mais amplo de etnias postergadas ante um direito essencialmente político.
A população feminina, tradicionalmente vetada no campo das principais decisões político-administrativas, marca neste ano alguns pontos para sua participação no processo eleitoral. Ainda que longe do ideal de equidade para os gêneros; tanto que, em 26 capitais, em cada dez candidatos a prefeito elas são três. No interior essa participação costuma ser mais expressiva, principalmente entre os postulantes à vereança. Ora, constatado que mulheres e negros formam a maioria da população, não faz sentido que continuem ocupando espaços menores na vida pública brasileira.
Outro passo a merecer referência, embora sem a expressão dos anteriormente citados, quando se trata de dar abrigo a direitos individuais, é que, pela primeira vez, a Justiça permite que candidatos transgêneros se registrem com o nome social. O assunto não deixa de ser controverso; mas prevalece o avanço, por mais que camadas conservadoras da sociedade reajam ao comportamento sexual dos indivíduos. Não havia mais como lhes negar esse direito, até porque a Justiça Eleitoral de há muito já faz concessão no registro de candidatos que relegam o nome de batismo para se apresentar ao eleitorado com apelidos, expressões debochadas ou preferem se mostrar pela atividade profissional que exercem.
Mas, digamos se tais avanços tivessem sido adiados, ficassem na dependência de novos estudos. Pois, ainda assim, o pleito municipal que se avizinha teria a seu favor, para aperfeiçoá-lo e para impor respeito ao voto, o fim da sinistra coligação de legendas em eleição proporcional. Um escândalo que havia sido incorporado à legislação, com a esquisitice de permitir a eleição de quem não tinha votos suficientes, com grave ofensa ao direito do eleitor, cujo voto passava a ser tábua de salvação de candidato não desejados.
Rondam esse 15 de novembro certas dúvidas, a começa pelo temor de que a massa eleitoral mobilizada amplie o risco de contágio do vírus. Pode ser que as urnas não ajudem o brasileiro a escapar desse medo e das incertezas que conosco deitam todas as noites e despertam todas as manhãs. Pode ser. Mas esta será, com certeza, uma eleição para acrescentar algo mais na convivência com a democracia. Nem que seja para mostrar que precisamos aprender a votar melhor. Dar o voto a políticos probos e competentes para ocupar os gabinetes e os plenários. Não precisamos deles na cadeia.
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