Um olhar sobre março
(( Wilson Cid, hoje, no “Jornal do Brasil”))
O presidente não teria como ser mais claro. Em meio à efervescência de conflitos e ameaças, ele disse, e repetiu, que, para atingir o essencial do muito que precisa fazer, teria de contar com o apoio direto do povo; que, por sua vez, isso serviria de inspiração e ânimo para as Forças Armadas agirem como lhe convém, sob o clima de estado de sítio. Atrelado à desejada simbiose, isto é, o povo nas ruas e os militares fora dos quartéis, promete que sua caneta bic ganhará a força de um tufão. O presidente já não elabora meios termos para considerar que, sem essa adesão conjugada, estará limitado para assumir certas responsabilidades que possam livrar o país dos impasses multifacetados em que se encontra e neles parece afundar cada vez mais. Bolsonaro deixa entender que não mais confia no diálogo pelas vias institucionais. Lança-se na aventura dos poderes especiais.
Esse recente apelo, pela televisão, chegou em tom ao mesmo tempo convocativo para os militares e convidativo para cidadãos comuns, confiante em que as vozes das ruas e dos quartéis acabariam se identificando para a causa comum. Com breves palavras, disse tudo o que acha que tem a dizer no presente momento, sentindo e confessando a insuficiência de suas forças. Para bons entendedores, que não sejam ouvidos de mercador, a mensagem é bastante em si mesma. O presidente aspira a forças e mobilização suprainstitucionais para governar, começando por conter ímpetos do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Nos anos 60, Jânio Quadros também sonhou com isso, mas madrugou numa renúncia que custou caro à democracia.
Veja-se, a propósito, a multiplicação dos brados que vão se levantando contra a corte maior. Nesses clamores o presidente gostaria de tomar carona, mesmo que não pretenda, e nem convém, descer ao achincalhe com que têm sido contemplados o Tribunal e seus togados, espinafrados como nunca antes, desde os velhos tempos da Casa de Suplicação. Ninguém ignora que os juízes vivem o momento de seu maior desprestígio, sob um clima adequado para o presidente e seus simpatizantes confrontá-los.
Mas cabe avaliar melhor o fenômeno em que Bolsonaro está se baseando para alinhar, em uma força única e ordenada, civis direitistas e os militares, estes já naturalmente de sua simpatia, considerando-se que guardam a mesma origem caserneira.
Para tanto, é mais que evidente que se revela cada vez mais atuante e mais hostil a militância da direita no Brasil. O país acostumou-se, de há muito, a ver uma esquerda mobilizada, impositiva e reivindicante. Não havia dado conta de que a direita também se organizava, rompia os limites dos gabinetes de políticos e dos líderes empresariais conservadores, pronta para ir às ruas, assumir as redes sociais e lançar propostas da maior gravidade, entre as quais a corajosa campanha para o fechamento do Supremo Tribunal. O presidente não chega a tamanho delírio, mas é de seu inteiro agrado ver Legislativo e Judiciário descalçados de determinados poderes em que, algumas vezes, o governo sente-se acossado pelos parlamentares e ministros que escapam de sua simpatia. A reação popular pretendida vem a calhar para quem pretende vencer certos incômodos na interpretação do texto constitucional.
Os direitistas e suas militâncias se associam a esse sentimento, e se justapõem, sem maior esforço, ao estilo bolsonarista, tanto nas questões de hoje como no projeto da reeleição. E, para confirmar alguma semelhança com a esquerda, também são capazes de atrair grupos jovens. Basta recordar. Esses movimentos começaram a se estender a partir de 2013, de forma difusa, nas jornadas diárias da insatisfação da juventude, começando por S.Paulo, contra o aumento descontrolado nas tarifas do transporte coletivo. A partir daí, as ações passaram a agir com método, obtendo significativos avanços. Claro, nessa onda, estando o governo com um capitão do Exército, que enfrentou e bateu o PT, tornou-se natural a simpatia de camadas das Forças Armadas.
Insinuando o remédio amargo do estado de sítio, ele é, na verdade, incisivo, o suficiente, para despertar os que ainda apostam na ordem institucional como remédio único para o país enfrentar e vencer o tempo de inseguranças em que está vivendo. Porque na sua cadeira, toda vez que alguém reclamou o bafo das ruas, é porque quis buscar efúgio, e dar passos além das medidas que podem. Bolsonaro acredita que sua hora é esta. Até porque avizinha-se um 31 de Março, que ele considera símbolo da salvação nacional.
Os Idos de Março custam a passar. Na velha Roma, 44 a.C, Júlio César não acreditou nisso, e caiu sob o punhal dos conspiradores. Se punhais não faltam, é preciso redobrar cuidados com a saúde das instituições e da democracia.
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