(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil ))
Dois fatos, recentíssimos, levam a uma reflexão sobre o papel dos vice-presidentes nas páginas da história política brasileira, metade das quais vividas e escritas por eles, muitas vezes recheadas de conspiração e traições, uma performance negativa que não vai encontrar semelhança no resto do mundo. O primeiro fato foi a morte de Marco Maciel, e, depois disso, a queixa, com toque de amargura, do atual vice, general Mourão, que vem se sentindo excluído das reuniões de cúpula do governo.
O pernambucano Maciel primou pela discrição, virtude rara entre os vices, que, em geral, não se julgam suficientemente reconhecidos no papel de uma suplência à mercê dos caprichos do destino. No governo Fernando Henrique foi presidente por 324 dias, e com isso haveria de liderar a permanência de um vice na cadeira do presidente, só desbancado, mais tarde, por José Sarney, abençoado pela tragédia de Tancredo Neves, de quem herdou os cinco anos de mandato. No oposto das durações, ganhamos outro recorde mundial, quando, na crise de 1955, Carlos Luz foi presidente por apenas três dias.
Mourão, pelo próprio estilo, não mereceria ser ombreado a um Manuel Vitorino, que se queixava muito, mas infernizou a vida de Prudente de Moraes, ao ponto de preparar-lhe solenes exéquias; não se nivela à impertinência conspiratória de um Café Filho, nem à impaciência de Aureliano Chaves, que mal cumprimentava João Figueiredo. Mas Mourão sente-se no direito a uma cadeira à mesa do governo, tratando-se de um ator permanentemente de plantão para eventualidades, o que lhe impõe estar familiarizado com as pautas diárias do poder. Quanto a isso, tem razão, mas deve estar sentindo que o sutil desprestígio é a antecipação de sua exclusão do esquema bolsonariano que tentará a reeleição em 2022.
Não há novidade em Brasília. Agora, como sempre, a convivência palaciana pode atingir o momento em que antigos companheiros de chapa não mais cruzam os projetos, rompem as tênues linhas de pensamento que os identificavam na campanha eleitoral. No melhor dos resultados, instala-se um clima de cordialidade gelada, para onde possivelmente estejam caminhando os atores de hoje.
A necessidade, ou mesmo a conveniência da figura do vice, nunca deixou de ser questionada, principalmente pelos que veem nos incontáveis estremecimentos com o titular um largo ensejo para crises políticas. Mas, sobretudo, questiona-se a necessidade. Esta, entre outras razões, inspirou o senador amazonense Jefferson Peres (1932-2008) a sugerir, em projeto, a extinção da figura do vice, ou, se muito, que seja apenas o sucessor, no caso de falecimento ou impedimento definitivo do governante. (Por morte, assumiram Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho e José Sarney; por impedimento definitivo, Itamar Franco, no lugar de Fernando Collor). O vice não mais seria admitido como substituto, presidente por algumas horas ou poucos dias. Hoje, com os modernos recursos de comunicação, o titular decide e assina, em qualquer lugar do mundo onde estiver. Enquanto não for assim, ficamos com a singular impropriedade de dois presidentes despachando simultaneamente, um aqui e o outro além das fronteiras. Ora, se um costuma ser problema demais, imagine-se a fartura de dois…
O terceiro caminho
Ampliaram-se, embora ainda longe de amadurecerem, as propostas partidárias e de outros setores influentes, com vistas à construção de uma terceira via eleitoral para a presidência da República em 2022; de forma que o eleitorado não seja condenado a se manifestar e votar em um dos dois candidatos, que já têm trabalhado em clima de polarização de expectativas, o que é útil para ambos. A rota de uma alternativa é a primeira razão, mas é desejável que não seja a única, porque não basta que o terceiro seja apenas político de longas jornadas ou que saiba xingar os adversários. É preciso que, como novidade, anime a nação com novas ideias, inove nas práticas políticas. Um estadista, acima de tudo.
A terceira candidatura à presidência não poderia estar restrita a uma rota de escape, variante para quem não se compraz em transitar nas vias preferenciais; os brasileiros que consideram, tanto Bolsonaro como Lula, já não têm bagagem para voltar ao poder, e ambos chegando às urnas arranhados e sangrando nas lutas que eles e seus adeptos têm travado com virulência cada vez maior.
Enganam-se, portanto, os que consideram que o terceiro candidato, venha ele de onde vier, basta ser contra Bolsonaro, contra Lula ou quem a este o PT vier substituir.
O ideal é que haja uma proposta alternativa, não se pode desconhecer. Caso contrário, além de se ter o eleitorado gessado em duas candidaturas, uma parcela da população votante vai correr para os votos nulos e brancos, que, se chegarem a uma dimensão significativa, podem comprometer a legitimidade representativa de quem ganhar o novo mandato. Em últimas eleições, já foi possível contabilizar apreciáveis contingentes do abstencionismo, que, somado aos votos não computados, expõe a chaga de a sociedade descrente com os políticos. Porque, não raro, o cidadão aproveita a eleição para, injustamente, condenar a vala comum a política e os maus agentes que dela se servem.
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