(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))
Não seria necessário qualquer exercício de futurologia para se prever, desde agora, a mais sadia contribuição com que o mandato de Bolsonaro e seus adversários vão marcar sua passagem pelo cenário político. Não há dúvida. Pelo que fazem ou falam, pelo que deixam de fazer e falar, estão escrevendo um dos capítulos finais de nossa acidentada experiência com o presidencialismo. O destino confiou a eles o que faltava para as exéquias do regime, e não se vexam de enriquecer, com novas dúvidas, os elementos que recomendam a grande mudança, um outro caminho; caminho que não seja o atual modelo político, que já há muito o pensamento civilista de Rui definia como grave irresponsabilidade, “uma ditadura em estado crônico”.
Os brasileiros, percebendo ou não, estão desacorçoados do presidencialismo, que, se nasceu capenga e defeituoso, veio perdendo, ao longo do tempo, força e capacidade para dar fôlego a uma nação que acumula ansiedades. Nesse mister, tanto Bolsonaro como os que o contestam vêm trabalhando, ombro a ombro, para mostrar que o modelo esgotou-se em si mesmo. E, por padecer de sérias moléstias intestinas, não tem mais como salvar-se. É preciso sepultá-lo de vez.
Isto posto, sabendo falido o que têm ajudado a enfraquecer, o melhor que podem fazer, esses atores que estão dentro do governo e os que o contestam, é propor à nação que comece a estudar as eficiências do parlamentarismo; como implantá-lo conscientemente, sem os atropelos de 1961, sem desconhecer as peculiaridades que nos diferem de outros países, onde o Gabinete já se revelou mais competente. Além de sua histórica virtude de impedir que seguidas crises políticas e administrativas coloquem em risco as instituições.
Vale considerar, de olho no passado brasileiro, que os tropeços da nossa democracia começaram, prosperaram, e mesmo quando se refizeram, jamais contaram com qualquer mérito do presidencialismo. Compreende-se: seu titular, aparentemente poderoso, mostra-se simultaneamente forte para fazer concessões, mas impotente para tomar decisões que requerem a coragem oportuna. Como fraco também tem se revelado frente à pressão das emendas parlamentares, que o vício acabou por transformar em moedas políticas, que tanto compram como silenciam.
Ideal que o 2022, que se avizinha, viesse para escrever o epílogo da crônica desse regime exausto, que viveu demais, sempre emprestando, entre outros defeitos, decisivo apoio à desorganização e ao enfraquecimento da Constituição, que durou quase intacta por 65 anos no Império, mas com dezenas de retalhos ao passar pelas experiências republicanas. Na verdade, tal regime nem devia ter existido, como nota o professor Almir de Oliveira: em vez de termos procurado aperfeiçoar o parlamentarismo do Império, copiamos o presidencialismo e o federalismo americanos. Que pena.
A pizza é o destino?
As CPIs do Congresso Nacional costumam ser comparadas a pizza, porque acabam dando em nada, quase sempre por incorrerem em equívocos, entre os quais o fato de se prolongarem por tempo mais que o necessário. Seus organizadores não aprendem que os trabalhos devem ter curta duração, para não se perderem e nem perder o interesse da opinião pública. Como também desconhecem que convém manter os debates e depoimentos rigorosamente ligados às questões que originalmente inspiraram a criação da comissão, porque é na diversificação exagerada da pauta que acaba se condenando ao fracasso.
A que atualmente está em curso, em Brasília, pretende desvendar responsabilidades do governo em relação à Covid 19, mas pode descambar para o desinteresse, graças à longevidade que já a ameaça; e a tentação de faturar politicamente, ouvindo gente demais, o que facilita emaranhado conflituoso de argumentos para o relato final. (Costumeiramente, nas delegacias de polícia, é o que se vê nos inquéritos que pretendem apurar um crime. Basta ouvir muitas testemunhas para se elaborar o impasse, e os culpados voam impunes).
Sobre numerosos depoimentos e testemunhos de pessoas ligadas ao governo, parece perda de tempo querer surpreendê-las, extraindo delas a condenação do presidente; ora, é gente em maioria afinada com ele, pronta para desonerá-lo. Outro ponto: chamar nove governadores a depor talvez não sirva para incriminar quem quer que seja. Governadores, se forem à CPI, chegarão ao Senado apenas com a visão política dos fatos; e segundo as conveniências no momento. Vários deles, já se percebe, quando tiverem de abrir a boca, vão abri-la para eximir o governo e desculpar Bolsonaro daquilo que são acusados, isto é, descaso diante da epidemia e incompetências acumuladas, que já resultaram na morte de quase meio milhão de brasileiros. Aliás, na Comissão também já se sugeriu a convocação imediata do presidente, quando ideal seria deixá-lo para o fim, depois de se saber o que falaram muitos, contra ou a favor.
Mas o que realmente acaba comprometendo uma CPI é a intencional sobrecarga de atividades. Tem gente com habilíssima experiência para confundir e complicar, embora fazendo parecer que está ajudando… Se é possível complicar, por que simplificar?
Neste Rio de Janeiro, quando ainda capital da República, em maio de 1957 pretendeu-se cassar o mandato do deputado Carlos Lacerda, acusado de traição, por obter e divulgar documento secreto do Itamaraty. O inquérito, mesmo sem se deslocar do deputado, enveredou para as relações de Getúlio Vargas com o ditador Peron, as ambições continentais do peronismo, a famosa Carta Brandi, sindicalismo de João Goulart e até comércio ilegal de madeira de lei. Resultado: de tão confusa, a comissão de inquérito deu em nada. Os erros podem se repetir.
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