Golpes fora de moda
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Dizia-se que o Sete de Setembro seria momento decisivo para as instituições, imaginando-se que o presidente Bolsonaro, à frente de multidões, motivaria seus apoiadores para amortecer as consequências de um golpe, que estaria em fase de elaboração nos gabinetes de Brasília. Já se sabia que isso não aconteceria, ante visíveis sinais de que parte ciosa da sociedade não tem ânimo para aderir à ideia. Pois bastaram dois meses para que se levantassem novas suspeitas em torno de algo semelhante, desta vez não originária de um presidente que se sente acuado, mas parte da reflexão de um membro do Supremo Tribunal, num simpósio de brasileiros em Portugal. Sentiu-se no ministro Dias Tóffoli o esforço para colocar em xeque-mate o modelo presidencialista definido na Constituição. O pretexto foi a imperiosidade de um poder moderador fora das alçadas políticas. Para muitos, uma invenção para camuflar outros propósitos.
Interessante, e quanto a isso cabe refletir, insinuações golpistas, transparentes ou escondidas, já não têm sido levadas muito a sério. O que é bom para um país que não admite o epíteto de republiqueta. Certamente seria melhor que ameaças nem houvessem. No passado, coisa parecida agitaria, de tal forma, as bases da democracia, que os vigilantes logo reagiriam, embora algumas vezes saíssem estilhaçados.
O Brasil conquistou o direito legítimo de se fartar de golpes ou tentativas, até porque foram aventuras que sempre se prestaram a retrocessos. Perpetrados ou não, deixaram cicatrizes, algumas permanentes. O golpismo é violência inimaginável em países que nunca sofreram desse mal, como Austrália, Nova Zelândia, Israel, Noruega, Suécia, Canadá, entre outros.
Os golpes, de onde quer que procedam, fardados, togados ou engravatados, estão fora de moda, ficaram condenados a outros tempos. Percebe-se isso na indiferença com que a sociedade reage às incursões. Compreende-se, porque se o brasileiro tem alguma razão para duvidar da solidez de instituições desejáveis, mais ainda desconfia de quem trabalha para enfraquecê-las, com ideias que vão surgindo em gotas homeopáticas.
Espaço generoso
A caminho das últimas semanas de sua presença na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Barroso retoma discussão sobre a necessidade de as mulheres estarem mais presentes nas casas do Congresso. Hoje, elas estão distantes do direito de ampliar suas cadeiras no Senado, onde são 13%, e na Câmara, com 14% das vagas.
O ministro acha que as bancadas estariam bem, se ocupadas com 30% delas. Por que 30%? Ele não esclarece em que bases se inspirou para dar sustentação a esse percentual. De qualquer forma, confiando-se mais na sensibilidade do eleitorado, talvez essa conquista da população feminina devesse ser objeto não da imposição de lei, porque é tarefa que se ajusta melhor em iniciativas de suas entidades representativas. Elas constituem maioria na população, e têm direito até de almejar mais. O caminho adequado é a mulher tentar conquistar o voto feminino.
Porque sucessivas eleições têm revelado que a eleitora não é amplamente fiel ao gênero. Talvez por intuir que a solução dos grandes problemas que vivemos independe de as saias serem menos ou mais numerosas no Legislativo. É uma realidade que não se pode enfrentar apenas com as intenções de um ministro.
Responsabilidade na pandemia
Se uma nova e retumbante ameaça da pandemia pode escapar da África e, com um breve sopro, atravessar o oceano, depois de prosperar com variantes na Europa, chegamos ao ponto em que os governos federal e estaduais precisam redefinir responsabilidades no possível novo enfrentamento dessa peste, a maior que nos atormenta, desde a Espanhola de 18. No começo do mal, há cerca de dois anos, o Brasil perdeu tempo em discussões infecundas, às vezes histéricas, entre os poderes constituídos; pior, milhares de vidas se foram, quando o Supremo tropeçou ao aceitar que governadores e prefeitos eram soberanos para adotar as medidas defensivas. Muito dinheiro foi desviado ou aplicado inadequadamente. O modelo fracassou, não apenas por causa de competências em conflito, mas porque esqueceram de combinar com o vírus… O mal se alastrou, sem tomar conhecimento da autoridade de prefeitos e governadores. A pandemia não sabe ler as placas que indicam divisa entre estados e limites entre municípios. De novo, se vier, passará por cima.
Sem que se saiba se os governantes aprenderam a funesta lição, podemos estar agora diante de uma perigosa novidade, suficiente para preocupar. Há cidades onde as autoridades, temerosas das consequências de nova incursão da Covid, proibiram desfiles de carnaval e de escolas de samba, além de outros eventos que promovam aglomerações. Contudo, muito perto delas, a poucos quilômetros, foi diverso o entendimento de outros prefeitos, que adotaram o carnaval, e, por extensão, o direito de exportar o excedente dos riscos que vão correr suas populações. O vírus, com entrega em domicílio.
De pouco adiantam medidas preventivas se não forem comuns a todos. Pouco valerão se os vizinhos não as adotam. O que parece muito claro, suficiente para se tomar em conta que um poder superior tem de prevalecer e assumir o controle da ameaça.
O Rio de Janeiro está no centro da questão, depois de autorizar aglomerações carnavalescas, porém indefinido a quem apelar, se dessa liberalidade vierem consequências. É sabido da dificuldade de se impor limites a uma festa popular, que figura entre as maiores do mundo, bem como impossível desprezar os resultados do fluxo turístico. Inaceitável é que, correndo, paralelamente, o risco da tragédia sanitária, não se saiba a quem cobrar responsabilidades na hora certa.
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