Ajudar para votar
(( Wilson Cid, hoje, n "Jornal do Brasil" ))
Acreditam muitos bolsonaristas, na linha dos mais fiéis, que o presidente teve, na semana passada, antecipado, o presente de Natal, quando o Senado inflou seus planos de reeleição, com a aprovação de uma nova roupagem do antigo bolsa família; e, com isso, ganhando fôlego para seu projeto de reeleição. Certamente, foi um estimulante, porque o presidente abençoará, todo mês, com o socorro de 400 reais, milhares de famílias quase a caminho da indigência. Não foi fácil passar pelo Congresso, porque os governistas viram-se na contingência de apertar o orçamento, romper limites e, mais uma vez, empurrar para longe os precatórios, que continuam sobrevivendo como espécie de velhos viúvos enjeitados, porque sempre aparecem propostas mais atraentes. De fato, tem potencial de votos a versão atualizada do programa assistencial, o que, contudo, não significa dar ao candidato necessária tranquilidade para o embate nas urnas. O Auxílio Brasil é forte, mas não suficiente para, por si só, fazer um presidente. Nas conversas palacianas alguém deve ter advertido Bolsonaro sobre isso.
O governo precisa de algo mais para garantir o primeiro teste eleitoral do presidente, e levá-lo ao segundo turno. Restará, por exemplo, o clamor geral para se barrar o processo inflacionário, cruel para todos; e, quando chega avassalador, dele nem escapam os beneficiários do programa social recém-aprovado. Fica a pergunta: até que ponto a sangria inflacionária pode corroer os 400 reais de hoje? Qual seu valor real na hora do voto de gratidão? Nesse particular, não se permite dizer que os beneficiários vão entrar num ano de total segurança.
Além do mais, ainda como tema que não deve escapar da avaliação dos bolsonaristas de boa vontade, cabe considerar que outras faixas da população, que não aquela a que se destina a ajuda, continuarão cobrando do candidato incursões mais corajosas no campo estrutural do governo. Destacam-se dois temas, dependentes de articulações no Congresso, onde já deram sinais de esbarrar em dificuldades, a despeito da importância de ambos. Trata-se das reformas tributária e administrativa. Complexas em si mesmas, têm todos os ingredientes capazes de aquecer divergências e retardar decisões que figuram na órbita política. Os parlamentares que fazem oposição sabem como trabalhar dificuldades e criar obstruções, facilmente ampliadas em ano eleitoral.
São detalhes bastantes para que o governo admita que, mesmo sustentável a expectativa do voto de gratidão dos necessitados, gerada pelos 400 reais mensais, o esperado gesto das classes mais humildes está longe de suficiência para uma campanha exitosa. Cuidem os apoiadores de reconhecer a existência de outros obstáculos, e ajudem o candidato a superá-los, se o desejarem sinceramente.
É interessante o “caráter” do voto. E os que nele confiaram conhecem a realidade: da mesma forma como interesses contrários cuidam de tornar esquecidos os favores esquecidos, o tempo é ágil e hábil para criar novas postulações. Estas, na expectativa de serem atendidas pelo candidato, apagam as gratidões.
O novo ministro
Na próxima semana, quinta-feira, o ministro André Mendonça ganha assento vitalício no Supremo Tribunal Federal, depois do exercício de paciente refém de pirraça da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que, tanto quanto pôde, atrasou a aprovação, para irritar a Presidência da República. Ao fim, convenceu-se a maioria dos senadores de que o indicado é pessoa tecnicamente qualificada para a responsabilidade de que estará investido, da mesma forma como não identificou nele antecedentes de ordem moral duvidosos, capazes de comprometê-lo.
Talvez fosse dispensável, na antevéspera da sabatina realizada no Congresso, a insistência com que os defensores de sua candidatura, a começar pelo presidente da República, evidenciaram as convicções de fé do novo ministro, de forma que, no entendimento daqueles, a conquista de uma cadeira na alta corte da Justiça fosse, antes de tudo, a vitória de um segmento religioso. O que não pode ser, mesmo diante do esforço de apresentá-lo à nação como alguém “terrivelmente evangélico”, expressão encontrada, mais de uma vez, no Velho Testamento, do qual os crentes gostam de se valer para interpretações literais. Ali, terrível não é definição de terror, mas o sentimento temente a Deus; alguém inabalável frente aos desígnios do Criador.
( Interessante é que Bolsonaro não se anima a remover os riscos de conflito religioso nessa questão. Ao contrário, prefere estimulá-los, como acaba e fazer, prometendo, se reeleito, mandar mais dois “terrivelmente” para compor o plenário do Supremo).
Tudo bem. Como todo brasileiro, o jurista eleito e nomeado ministro tem direito de professar sua fé e propagá-la, embora cuidadoso, ao ser sabatinado, procurou conter reações ao afirmar que, se em uma das mãos sustém a Bíblia, com a outra levanta a Constituição. Para esta, o estado é laico, como tal tem de ser respeitado, e com ela defendidas as instituições, primeiro dever do doutor Mendonça e dos dez pares com quem vai dividir responsabilidade e conviver com os que chegaram lá sem dizer de que templo vieram.
A Carta impõe que matérias e causas em julgamento não podem ceder a convicções religiosas pessoais. Mas, nunca falta quem pretenda colocar em choque a laicidade necessária e a fé do julgador e arquitetar embaraços. Já se vai testar o “terrivelmente evangélico” no voto de desempate para o recurso de apenados transexuais e travestis, que pleiteiam o direito de usar os sanitários que desejarem, independentemente de causarem constrangimento a outros. Os evangélicos não aceitam concessões nesse ponto. Sexo é o que a natureza determinou. Como ficamos, ministro?
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