terça-feira, 14 de dezembro de 2021

 sunto)

Wilson Cid
Seg, 13/12/2021 12:07


O que vai ficar?



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 



Afinal, como vamos carimbar o passaporte deste 2021?, já de malas prontas para se despedir do calendário. Entre as pessoas sempre predominou certa vocação fatalista, ao considerar que os anos, quaisquer deles, são pouco diferentes entre si, e assim continuarão sendo. Mas os pessimistas sentenciam que, se o ano velho foi ruim, pior se espera de seu sucessor, com inflação resistente, a ameaça de nova variante virótica e tensões eleitorais. Sem que sobreviva, faz bem dizer, algum ânimo de otimismo, porque sempre haverá algo de bom nos gatilhos do tempo. Em se tratando de política, independentemente do fundamento das previsões sombrias, é preciso lembrar que eleição, só pelo simples fato de ser praticada, já é algo salutar para a democracia e pelo direito que confere ao povo de manifestar-se livremente, ainda que, muitas vezes, equivocado.

No choque de expectativas, boas ou ruins, o ano que vai entrando em horas de crepúsculo deixa outra preocupação, raramente citada, mas latente, promissora, ameaçadora. É a marcha das radicalizações a que se assiste em setores diversos da vida nacional. Não apenas na política. Mas nela com agravante da tentativa de se impor viés maniqueísta; isto é, discursos do bem ou o mal; na verdade apenas a luta entre dois males, cada qual pregando suas injúrias.

Ano em que se acentuaram conflitos entre os Poderes, esses mesmos que Montesquieu desejou ver responsáveis e equilibrados entre si, interdependentes. Longe do ideal desejável, no Brasil ampliaram-se os embates entre eles, culminando com o Supremo Tribunal avocando a si atribuições fora de sua alçada.

Nem faltou, neste tempo tenso e inseguro, a contribuição de segmentos religiosos para mais dividir e distanciar brasileiros, até há pouco desacostumados com isso, mas agora chamados a experimentar o sabor da disputa entre credos na indicação de ministros, e, para confundir mais, o estranho comportamento de líderes que avocam a si o direito de interferir nas obrigações do governo e assumir o poder de vetar atos do serviço público.

A História tem razões várias para recomendar aos pregadores que sejam cuidadosos, porque, no que disserem, pode estar carregado perigoso potencial de intolerância. Sabe-se muito bem que os intolerantes da Fe levaram o mundo a encharcar de sangue terras até então pacíficas. E, em nome de Deus, foram capazes de praticar infâmias e ignomínias. Milhares morreram por isso, como ainda morrem, sob as graças do fundamentalismo, o mais radical de todos. O Brasil tem que remover, enquanto é tempo, o risco de semelhante tragédia.

Neste passo, ainda que estejamos distantes desse perigo, é oportuno lembrar que o presidente Bolsonaro tem, de fato, como ajudar o país a não cair em situações temerárias. A começar abdicando de considerar que a melhor justiça é a que se faz com togas consagradas, sem que se lhe casse o direito pessoal de incursionar nas águas do Jordão, sob aplauso dos evangélicos, ou agradar aos católicos em Aparecida. Não deve se permitir misturar política e religião e desconhecer a experiência semelhante a que viveu Bastide: uma e outra acabam se atropelando.

(Algumas vezes, o presidente deixa perplexos os que o ouvem e que o leem. Realmente duvidoso saber em que dimensão metafísica ele instalou sua crença e com que base nela procura governar. Ou dá a impressão de que, tratando das coisas de Deus, andou pelas largas veredas do jagunço de Guimarães Rosa, bebe água de todo rio, reza cristão católico, aceita as reflexões pouco cristãs do compadre Olavo, e nem descarta as rezas dos evangélicos, como o velho Matias roseano. Bolsorano também parece inclinar-se por águas várias).

Por fim, para preocupar mais no ano que finda, uma coisa imperceptível para muitos, mas nem por isso insignificante, é o esforço que se tem feito para separar e distanciar cores e etnias na vida brasileira, como se fossem adversárias. Não para advogar a igualdade entre elas, o que é rigorosamente desejável, mas diferenciá-las; se possível indispondo-as.

A maldosa tentativa de desvirtuar o objetivo ideal figura entre as coisas que ajudaram a entristecer o ano, com espaço para ideias estapafúrdias e esquizofrênicas, como ter na conta de jogo preconceituoso o papel da bola preta do bilhar. Na verdade, maluquices desse gênero não merecem ser levadas em conta, por carecerem de um mínimo de seriedade.

Prisão sem consenso

É farto o rol dos debates parlamentares que jamais chegam ao consenso, por mais que gente bem intencionada tente alcançar o entendimento. Seria enfadonho tentar citá-los, mesmo que recorrendo apenas aos principais. Um dos temas, a prisão em segunda instância, é agora lembrado, porque está de volta em uma comissão da Câmara dos Deputados, e promete reacender divergências no final da semana.

O conflito esbarra, quase sempre, no detalhe essencial. Em grande parte, juristas e parlamentares defendem que a prisão seja recomendada apenas quando se esgotarem todos os caminhos recursais. Portando, só prender depois de vencida a terceira etapa. Está, contudo, largamente demonstrado que se trata de um poderoso instrumento de que se têm valido grandes criminosos para procrastinar o julgamento definitivo ou, graças à lerdeza da Justiça, jogam com o tempo, e dele se servem para ganhar o presente da prescrição. Nesse particular, políticos corruptos têm sido fregueses contumazes.

Na contra-argumentação, defensores da aplicação da pena na segunda instância não veem justificativa para se esperar a terceira apelação, até porque nesta, ao ser atingida, já se esgotou o campo das provas e do mérito da ação. Pode-se recorrer a qualquer tempo, sendo do interesse do réu preso, sem que se imponha limite aos seus direitos.

A verdade que se sobrepõe é que o expediente das longas causas tem se revelado privilégio dos ricos que esbarram na Justiça. E dela têm como se livrar. Têm dinheiro para que seus processos sirvam de almofada nas cadeiras dos cartórios, pagam bem pelo moroso expediente de demoradas e inúteis certidões e despachos, sustentam caros escritórios de advocacia, presenteiam quem tem disposição para ser simpático à sua causa. Coisas inacessíveis aos pobres. A terceira instância é elitizante e elitizada, ao arrepio da igualdade de direitos. Isto é algo que não se pode contestar e vai continuar acima das velhas divergências.

Um golpe à vista

Pode ser que, com uma canetada, o presidente da República pretenda oferecer novo agrado aos deputados, sancionando a lei que desenterra a propaganda partidária e a devolve aos veículos de comunicação social. Extinta essa propaganda em 2017, a Câmara decide retomá-la, sem encontrar justificativa plausível. Trata-se de uma exumação que ofende a seriedade, ainda mais quando se tem como certo que os partidos, de tão vazios e inoperantes, pouco ou nada têm o que mostrar. Afinal, o que terão eles para propagar?

Voltando a ter tempo nas redes de rádio e televisão, sem nada desembolsarem, dão o golpe conhecido como joão-sem-braço, fingindo indigência e mandando a conta para o governo, pela via da renúncia dos impostos devidos pelas emissoras. Com isso, cai a arrecadação em milhões de reais, mais um em prejuízo da população.

Sem qualquer remorso, os deputados também querem a sanção presidencial a tempo de o regalo ser praticado no primeiro semestre do ano eleitoral, o que certamente resultaria em proveito para os que sonham com a reeleição. Tudo com objetivos muito claros, sob a bênção de certa desfaçatez.

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