Ponderável parcela das bancadas da Câmara dos Deputados, segundo se aferiu com facilidade, não faria maiores objeções à retomada da discussão sobre a conveniência do fim do instituto da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos, essa novidade que o Congresso admitiu em 1997, através da Emenda Constitucional 16. Parece improcedente ou excessivamente zelosa a preocupação de alguns que consideram inadequado tratar do assunto em ano eleitoral, como também cai por terra a alegação de que o tema tumultuaria as campanhas; principalmente a do presidente Bolsonaro, porque, aspirando a um segundo mandato, estaria prejudicado, mais ainda, pela inevitável avaliação do governo. Na verdade, se influiriam os desagrados, ele também teria pontos positivos que tivesse que alegar em seu favor. Demais, se rebuscadas as páginas da campanha de 2018, vamos encontrar o candidato Bolsonaro prometendo ao eleitorado que, vencendo, trabalharia logo para que se desse fim ao segundo mandato. A promessa acaba de ser reeditada por outro postulante, Ciro Gomes.
De fato, sem part-pris, ou considerações que beneficiassem ou prejudicassem o presidente, a discussão podia prosperar, começando por retomar as antigas ponderações que levaram a mesma Câmara a aprovar a volta do mandato único. A proposta adormece no Senado, desde os idos de Eduardo Cunha, mas já teria tempo para viger na gestão do futuro presidente, se as urnas não conferirem mais quatro anos ao atual. Ficaria para os subsequentes.
A prorrogação do tempo para o presidente não é coisa recente, não raro associada a expedientes casuísticos. Já em 58, o deputado Oliveira Franco (PSD-Paraná) elaborou proposta nesse sentido, para contemplar Juscelino com mais dois anos, mas desistiu, sob a suspeita de que a iniciativa escamoteava um plano de prejudicar o candidato da oposição, Jânio Quadros. E era mesmo essa a intenção marota.
A reeleição nunca teve claro acolhimento na política brasileira em tempos republicanos. Para que já se a adotasse na década de 30 foi preciso o fórceps de Vargas. Nem foi acatada na ditadura de 64, que cuidou da alternância dos generais. Fernando Henrique arrependeu-se de ter aceito o régio presente, e não faz segredo disso. Lula e Dilma não se arrependeram, mas confirmaram, embora sem confessar, que a segunda gestão sempre é inferior à primeira quanto aos resultados.
( Afora a crença supersticiosa quanto à “maldição” do segundo mandato. Lincoln foi assassinado, George Pompidou morreu de câncer, Getúlio suicidou-se, Richard Nixon destituído, De Gaulle renunciou, Dilma sofreu impeachment),
A discussão paralela, indispensável, é sobre o efeito negativo no mandato de quem governa a República ou administra os estados e municípios. Quando se debate a matéria logo vem uma unanimidade: todos os que ganham o primeiro mandato, logo começam a pensar como vão assegurar mais quatro anos na cadeira. E, nesse projeto, deixam-se envolver pelos mais diferentes interesses. Outro ponto, este nem sempre abençoado pela maioria, é quanto ao tempo ideal para o executivo eleito pelo voto popular. Fala-se mais em cinco anos, porque, se oito são excessivos, quatro não dão para se realizar alguma coisa duradoura.
Mas não falta quem faça o lance mais apropriado: uma duração que não seja curta de quatro nem espaçosa de oito, mas meia dúzia de anos. E assim ficaríamos combinados.
O funil da terceira via
Se a eventual terceira via na disputa presidencial só tem espaço para um, o funil onde se pretende ferir de morte a polarização Bolsonaro - Lula, o ex-ministro Ciro Gomes parece ter percebido que, além do espaço restrito, o cronômetro começa a correr contra os projetos alternativos. Sentindo isso, antecipou-se e, na sexta-feira, lançou, pela primeira vez na recém-nascida campanha, as bases de projeto que detalharia no momento oportuno. Podia esperar mais algumas semanas, mas na sua avaliação, e certamente também na dos assessores que o cercam, a precipitação pode colocá-lo à frente dos demais aspirantes a entrar no gargalo alternativo, distanciando-se, principalmente, do ex-juiz Sérgio Moro, que vem correndo mais próximo e pode ofuscá-lo. Antecipando-se, como fez, estaria criando uma situação de fato para romper o cordão de vaidades que tem dificultado chegar ao terceiro nome.
O discurso de lançamento bateu, sem piedade, nos dois que polarizam. Seu autor já se convenceu de que Lula e Bolsonaro reúnem defeitos suficientes para desmerecerem o voto; mas, não contente, historiou fracassos dos presidentes anteriores, a começar por Collor e Fernando Henrique, em quem o candidato percebe responsabilidade nos despropósitos políticos e econômicos que se seguiriam. Desse cadafalso escapou Itamar Franco, de quem foi ministro. Afora isso, Ciro entrou em cena engatilhando uma vigorosa giratória, da qual só ele mesmo escapou.
Incursionando em terreno que qualquer candidato procura ignorar, ele promete criar imposto sobre as grandes fortunas, o que cai no agrado dos ouvidos de quem não têm tanto e afaga os que nada têm. Mas respinga nas camadas da gente mais poderosa do país, e dela Ciro entra provocando antipatia; uma razão a mais para sair em busca de sólido apoio da esquerda, para contrabalançar os narizes torcidos dos muito ricos.
Outro detalhe capaz de justificar sua pressa em apresentar-se de corpo inteiro, é a tentativa, talvez bem sucedida, de chamar à arena o seu inseguro PDT, e desaquecê-lo da veleidade de conferir simpatia de resultados ao PT.
Pelas mãos do ex-ministro a campanha não esperou as convenções. Já está em cena, e certamente exigirá que os demais concorrentes se apressem.
As leis do trabalho
Não foi preciso esperar para que surgisse a primeira promessa fantasiosa da campanha para a Presidência da República: fala-se na completa revogação da reforma trabalhista, que, no entender dos radicais, estaria atravancando os empregos. O que se pode admitir e dizer aos eleitores é que ela, vinda do governo Temer, deve estar reclamando os reajustes e correções que a própria experiência indica, como também seria conveniente, em relação à matéria, avaliar as novas atividades laborais, como, por exemplo, o home office, o trabalho remoto. Este e outros aspectos precisam avançar, como a contribuição sindical, que era excessivamente generosa com os sindicatos e com os capitães que os administram. Manter a vitalidade dos sindicatos é importante, mas nem por isso suas diretorias têm direito de viver nababescamente. Há que se encontrar uma forma decente para que funcionem. Nunca a revogação pura e simples.
A campanha proporcionará intenso debate sobre a temática trabalhista, o que os críticos aproveitarão para denunciar que a reforma não gerou os empregos prometidos, o que é verdadeiro; mas, acima de tudo, vão concentrar as lamúrias na extinção do imposto sindical. Se for assim, é preciso saber que, mesmo que se encontre um jeito de socorrer essas entidades, a antiga fartura está fora de cogitação. O retorno compulsório da contribuição dos trabalhadores vai ficar no sonho, mesmo que aos sindicatos venham se alinhar, em solidariedade, outros beneficiários do fabuloso cofre, como o próprio Ministério do Trabalho, que tem seu percentual no fundo. A partilha, como se sabe, é a seguinte: 60 % para os sindicatos, 15% para suas federações, 20% para o governo federal gerir uma conta especial de emprego e salário, que é um dos mistérios de Brasília.
Uma ressalva que se impõe. Há algumas dessas entidades que lutam pelos interesses da categoria que representam, mas estão longe de serem maioria.