terça-feira, 11 de janeiro de 2022

 

Sob olhar estrangeiro


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

 

Altos comandos da direita, sejam eles da Europa ou encontrados nos gabinetes de Washington, ainda não deixaram transparecer interesse pela próxima eleição presidencial do Brasil. Mas é sabido o suficiente para se garantir que existe, não apenas latente, mas frequentemente exposto em conversas mais qualificadas. Claro, estão dispostos a influir, tanto quanto possível, pela via de áreas estratégicas. Coisa para tratarem nos próximos três meses.

A razão é tanto política e diplomática quanto mercantil e financeira, e resulta do fato de a América Latina ter entrado nesta década assinalando progressos sensíveis para a esquerda, ainda mais recentemente, com a vitória de Gabriel Boric na disputa presidencial do Chile. Não é permitido ignorar: o Chile é de grande relevância no contexto continental. A direita o perdeu, e sente que se tornou mais desequilibrado o jogo das forças políticas nesta região sul, com pêndulo desfavorável. O que não é pouco, suficiente para preocupar os planos antagônicos.

Aos chilenos somam-se, total ou parcialmente, argentinos, nicaraguenses, uruguaios, peruanos, equatorianos e cubanos. E, para preocupar mais os estrategistas de direita que olham para este pedaço de mundo, na Venezuela são escassos os sinais de que a oposição prospera para pôr fim ao governo Maduro.

Traçado esse mapa, resulta que o Brasil transformou-se, sob a ótica de observadores europeus e estadunidenses, numa espécie de ilha ideológica, onde à direita ainda é possível respirar, oxigenada pelo governo Bolsonaro. De forma que aqui, se a reeleição tropeça nas urnas de outubro, ocorrerá um desastre continental para o futuro dos liberais e defensores do anticomunismo.

Seria ingenuidade fazer pouco-caso da importância desse quadro e dos desdobramentos decorrentes da eleição seguinte. Conclui-se, então, que forças estrangeiras pretenderão participar dos esforços para impedir o volver à esquerda, e certamente colaborar para que Bolsonaro consiga alavancar o segundo mandato.

É cedo para se cuidar da reação contrária? O que os adversários do presidente espalhados pela América poderiam estar maquinando para contribuir na reação? Talvez queiram atuar, mas, por hora, o que deve preocupá-los é a dificuldade dos companheiros brasileiros em vencer divisões internas e construir a união em torno de um projeto capaz de apear a direita.

Um sinal, embora sutil, do interesse da Casa Branca pelo que vai acontecer aqui, é a atitude conveniente do presidente Biden, que não morre de amores pelo colega brasileiro, mas considera melhor digeri-lo. Engole seco, condescendente, porque, acima de sentimentos, chama-lhe a atenção o mapa da América já recheado de vermelho e seus entretons. Biden deve ter na lembrança o antecessor John Kennedy, que, na mesma cadeira, disse, certa feita, que é preciso acreditar que para onde tender o Brasil o continente tenderá.

No governo Bolsonaro e na continuidade dele as estratégias da direita lançaram suas amarras, quando os horizontes americanos já recomendavam cuidados especiais. É o bastante para a previsão de que não se limitarão a assistir ao processo eleitoral do Brasil. Vão querer entrar em campo.

Pobre horário nobre

Publicada a lei que reanima a propaganda dos partidos políticos, no rádio e na televisão, fora do período eleitoral, há que se permitir uma curiosidade: o que eles terão para mostrar à sociedade brasileira?, algo que não seja conversa fiada, enganação, arte de prometer o que não sabem ou não têm como realizar. Com toda certeza, tal como em anos passados, cuidarão de mostrar belas e verdes matas e paisagens para dizer que se preocupam com meio ambiente, sem que por ele nada tenham feito, objetivamente. Ou teremos de assistir ao já conhecido falatório enfadonho.

Nos países onde se pratica a liberdade política não há essa imposição às empresas de comunicação social, sejam estatais ou privadas. Diferentemente, nas ditaduras, é direito sempre assegurado ao partido único, porta-voz do governo.

Estamos, hoje, no Brasil, com 33 organizações reconhecidas como partidos, aprovados pela Justiça, onde se registraram com vagas propostas programáticas, que se perderam no vazio de palavras cansadas. E dos falsos ideais, que, por isso mesmo, são facilmente descumpridos. Sua volta à programação das emissoras, prerrogativa que havia sido cassada em 2017, toma carona em uma lei que, ruborizada, tenta justificar-se a si mesma, recomendando a obviedade, ao propor a ampliação da representação feminina na política, enaltecer novos filiados, estimular os jovens e a população negra. Sem embargo da importância dos temas exigidos, é bom cuidar para impedir que tempo precioso, em horário nobre, voz e imagem sejam consumidas com promessas fantasiosas. Ideal é que os partidos revelassem o que têm feito para a inclusão daqueles segmentos minoritários. Mas mostrar o quê? É a dúvida que persiste.


Apenas rótulo novo

Raro quem seja capaz de apostar algum valor no futuro das recém-criadas federações partidárias, encarregadas de juntar peças diferentes mal costuradas. Um monstrengo que Franckenstein não ousaria tanto, mas aceitável num país em que tudo é possível; até mesmo o consórcio de interesses confederados numa ideia de federação… Contudo, a missão que o Congresso Nacional lhe confiou é apenas maquiar maldades das velhas coligações, igualmente abjetas.

Inevitáveis dificuldades internas resultantes de projetos regionais contrariados fazem supor que esse produto de laboratório chegou condenado a ter vida efêmera. A própria lei que ousou criar a monstruosidade, estabeleceu que sua duração não pode ser inferior a quatro anos, mínimo exigível para que essas núpcias não se divorciem tão logo passem as festas eleitorais. O que não impede que os cônjuges pratiquem infidelidades, mesmo se continuarem convivendo em leito comum.

Na semana passada, o noticiário sobre a federação já dava conta de perturbações entre o PSB e os paulistas, porque sabem eles, não é de hoje, que nem todos os seus caminhos poderão se cruzar nas eleições deste ano.

Há algumas semanas registrou-se neste espaço que, depois de afetar a vida dos vereadores, e ameaçasse pesar nas costas dos deputados, as coligações seriam reinventadas, certamente com rótulo novo, mas escondendo, no fundo, sem disfarçar, o voto proporcional, que o jurista Saulo Ramos já definira como o mais fecundo dos arranjos inconfessáveis na política brasileira. Não deu outra coisa. A história se repetiu.

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