Apelo à omissão
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Vai prosperado a campanha eleitoral, ainda morna e com atores não suficientemente definidos, o que não impede que se anunciem movimentos propondo à população votante que neste 2022 opte pelo voto nulo, o que, no entendimento de seus articuladores, seria a forma adequada para manifestar insatisfação com a política e com os políticos. A anulação é a forma raivosa do abstencionismo, mas com resultado final idêntico, pois, por antecipação, o futuro eleito já fica condenado a enfrentar sérias dificuldades, assentado num mandato de relativa e limitada legitimidade. E, em seguida, com certeza de que acontecem outros dissabores, que não fazem distinções sociais, mas “democraticamente” são distribuídos entre toda a população. Esse jeito de protestar, pela omissão, sempre resulta em mau negócio. A gente sabe.
A advertência, em breve, pode se tornar mais robusta para nós, graças a um vizinho próximo, o Chile, que acaba de registrar o marco histórico de 53% de abstenção no pleito que deu a vitória presidencial ao jovem Gabriel Boric, a quem, também por isso, reservam-se desafios poderosos, quando tiver de construir as bases da governabilidade desejável. Em determinado momento, que não tardará, vai sentir que, em rigor, deveu seu destino a outra metade dos cidadãos, a dos indiferentes, os que preferiram ficar distantes das urnas. Pois é graças aos ausentes que se verá obrigado a dialogar e fazer concessões aos contrários, precisando de suficiente força parlamentar.
No Brasil, mesmo que a abstenção e os nulos raramente tenham se aproximado dos 30%, setores descontentes voltam à receita da omissão, ou, havendo participação, que se anule o voto. O que dá no mesmo, porque os efeitos nefastos se assemelham na realidade política.
Se essa campanha obtiver algum êxito, o futuro presidente, seja ele quem for, logo se verá instado a buscar apoio fora dos grupos e partidos em que se apoiar. Certamente terá de correr atrás até dos segmentos que o rejeitaram. É nessa hora que o protesto raivoso do eleitor assume o papel do bumerangue, bate e volta.
O júri no tribunal
Temas polêmicos vão ganhar espaço na pauta que o Supremo Tribunal Federal elaborou para as primeiras semanas do ano que começa. Alguns até seriam dispensáveis, por falta de grandeza, porque tomarão tempo de uma corte de Justiça à qual cabe resguardar a Constituição, no essencial. Outros assuntos poderão mexer com hábitos e costumes, garantindo discussões popular, além de pareceres dos ministros. Neste caso, já em fevereiro, o plenário pretende avaliar o poder do juiz de segunda instância para determinar novo tribunal do júri, ao constatar que determinada condenação ou absolvição evidenciou contrariedade às provas dos autos.
Verdade se diga, em lugares remotos, sobretudo no agreste e nos rincões, muitas vezes os sorteados são constrangidos pela força política dos coronéis ou pressão de fazendeiros. No caso de réus em julgamento de homicídio consumado ou atentados contra a pessoa, quem é chamado a decidir se prende ou não, prefere deixar de lado as provas, mesmo se contundentes. Não se sente à vontade para contrariar interesses poderosos, principalmente quando confundido por advogados habilidosos ou juízes titubeantes. Casos vários desse tipo têm sido suficientes para levar, não poucos juristas, a defender que deve caber apenas ao magistrado togado o dever de fazer a justiça que hoje é atribuição de cidadãos comuns.
Mas ao júri também sobram defensores, o que não se pode ignorar. Consideram tratar-se de velha e experimentada instituição, remontando às primeiras inspirações da Constituição inglesa de 1215. Há, portanto, que se conceder à sociedade, representada no tribunal de cidadãos, o direito de cobrar diretamente o que se supõe que contra ela se praticou. Como também são numerosos os críticos. Millôr Fernandes, levando isso com séria ironia, definiu: “chama-se Tribunal do Júri um grupo de pessoas que, por não terem prestígio para se excluírem desse júri, assumem o poder de condenar qualquer réu”...
De volta à pauta do Supremo. Nada impede que se recorra a fórmulas de aperfeiçoamento. Se nenhum tribunal é infalível, muito menos o do júri.
Fé na eleição
Abonadas por alguns bons observadores, as avaliações sobre os rumos e conteúdos da campanha presidencial de 2022 indicam que, entre outros temas, é possível que se explorem diferenças religiosas, que nos últimos tempos vêm ganhando expressão no Brasil. Sendo assim, e se tal ocorrer, há que se reconhecer a contribuição do presidente, principalmente quando decide se inspirar nos compromissos evangélicos para indicar ministros do Supremo Tribunal Federal. Se reeleito, já disse, pretenderá indicar mais dois pastores, certamente com credenciais na ciência jurídica, para ocupar vagas a serem criadas no rastro da compulsoriedade da aposentadoria de veteranos.
Mas não se limitam ao presidente Bolsonaro as previsões quanto ao papel das convicções religiosas em questões ligadas ao poder político. Há expectativas de que algumas correntes, contrariadas pelo progresso de seitas evangélicas, também se preparem para influir, tal como se pode esperar da aliança Lula-Alckmin, se ela prosperar e disputar. O candidato do PT, como é sabido, carrega o apoio de grupos de católicos de esquerda, como o liderado pelo teólogo Leonardo Boff; e Alckmin, em outra extremidade, traz profundos vínculos com a linha conservadora da Renovação Carismática e Opus Dei. São dois segmentos de fé diferentes, mas podem se aproveitar da disputa política para tentar conter o avanço neopentecostal. Se, antes disso, não conflitarem internamente.
Não teria cabimento tentar contrariar o direito dos fiéis e seus líderes nas questões pertinentes ao poder público e à disputa eleitoral, notadamente quando se vai escolher o presidente da República. Desde que se preservem os limites, em nome de um estado sem religião.
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