terça-feira, 26 de julho de 2022


Caminhos e atalhos


 ((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))



Com a campanha eleitoral rumo à sua fase mais aguda, e iniciada na quarta-feira passada a temporada das convenções que homologam as candidaturas, nota-se um quadro confuso na atuação dos partidos; mais ainda, na forma como estão conduzindo o processo e como vão se posicionar, até o fim, frente aos que começam a ser indicados. Esse ambiente se espalha entre grandes e pequenos, sem maiores distinções. Muitas dúvidas e sinais de insegurança não faltam. O primeiro exemplo que salta à lembrança é o MDB, onde onze lideranças regionais já não escondem a intenção de antecipar apoio ao PT, ignorando a candidatura própria. Fato que o presidente Baleia Rossi procura minimizar, alegando tratar-se de uma faixa descontente localizada, ao mesmo tempo em que assegura ter garantia geral para confirmar o nome da senadora Simone Tebet, e com ela ganhar a desejada unidade. O que não é bastante, porque os convencionais podem homologar um nome, cumprindo a formalidade partidária, para logo depois abandoná-lo às intempéries. Não foi diferente a atitude que adotou com Orestes Quércia e Ulysses Guimarães, sem embargo de estarem ambos no auge do prestígio. Antes deles, a crônica política já andava recheada de exemplos de candidaturas condenadas à sorte e aos ventos pelos próprios remadores. Bastaria lembrar o exemplo histórico dos anos 50, quando o PSD mineiro lançou Cristiano Machado, de tal forma traído, que de seu destino Getúlio Vargas muito se comoveu, nomeando-o embaixador no Vaticano. Ficou a expressão “cristianizar”; quer dizer, indica mas não apoia.

Ainda sobre o comportamento das siglas, lembrando-se agora dos que habitam a esquerda, há correntes que insistem em permanecer fiéis às suas candidaturas inviáveis, recusando ceder a evidências para antecipar apoio ao PT, quando, nos quadros domésticos, não lhes resta um mínimo de expectativas menos sombrias. Interessante notar o comportamento desses partidos: ou excessivamente pragmáticos ou são persistentes no impossível. Nesse particular, nunca estão em cima do muro… Há, entre eles, um antigo dogma que recomenda qualquer esforço apenas para ”marcar posição”, o que, na maioria das vezes, tem se revelado algo improdutivo.

Quando se parte para uma avaliação do PSDB, sempre objeto de interesse, pelo fato de arrastar consigo um passado de excelentes performances, o comportamento a ser adotado frente à eleição presidencial também comporta fundadas dúvidas. Sem candidato próprio, muitos tucanos revelam certa indiferença pelo destino de alianças ocasionais, o que autoriza duvidar se realmente levarão seus bicos para o ninho peemedebista. Observe-se - não há negar – o espectro de ressentimento de muitos deles ao abandono a que se condenou João Dória, lançado para a presidência em clima de animação, para depois ser forçado a desistir. O PSDB dá a impressão de estar perdido na floresta em chamas, em que alguns tentam escapar correndo para Bolsonaro, onde o projeto do liberalismo de governo surge como opção menos desagradável para quem decide viajar em qualquer barco alheio.

No panorama partidário, onde não faltam nebulosas, nem escapa o PSB, que usou contorcionismo para admitir Alkimin, e já o engoliu. Até que ponto ele pode garantir efetivo diferencial para contribuir na caminhada de Lula? Alkimin em nome dos socialistas! Nessa alquimia fica o comprovante que faltava para revelar que nossos partidos dispõem de uma notável elasticidade.

Um passo à frente e esbarramos nos trabalhistas que caminham em rota diferente do PT. Não tem significado prático o fato de o trabalhismo tomar parte na bandeira de meia dúzia das siglas presentes na vida partidária brasileira. O PDT, com candidato próprio, nem por isso ganha a simpatia dos menores, não consegue alavancar o projeto de Ciro Gomes. Mesmo o veterano PTB, que bolsonarizou-se de vez, sob o comando das pregações de um Roberto Jefferson recluso.

O que dizer da consciência política frente a essa realidade? Os partidos contidos, fragilizados, vulneráveis, inseguros, enfraquecidos os comandantes, reduzidos a pedaços que, tentando escapar de um naufrágio, procuram se agarrar onde seja possível continuar respirando.

Pauta adiada

A previsão acabou se confirmando. Em tempo de eleição, a proposta do neopresidencialismo, seriamente examinada por parlamentares e juristas, não dispunha de condições políticas para prosperar, mesmo com a garantia de que era algo para só vingar a partir de 2030. Fica para depois. A inoportunidade explica-se apenas pela coincidência com o processo eleitoral, que tem tudo para ofuscar campo propício ao debate de matéria desse vulto; mas apenas por isso. É um tema para se estudar com a necessária tranquilidade, longe das divergências e do calor inevitáveis quando está em curso a disputa pelo cargo maior da República.

Há que se admitir, por fundamento, que, nesse sentido, não se esgotou a preocupação que, no dia 11 de junho de 1987, levou José Sarney a sugerir o retoque no sistema, como explicava, à época, aos líderes do PFL e do governo. Algo que caberia implantar a partir de seu sucessor, com base na nova Constituição, aguardada para o ano seguinte.

Como desejou Sarney, haveria um primeiro-ministro, nomeado pelo presidente, com ele dividindo poderes e deveres. Mas o presidente como chefe de governo, o que difere do parlamentarismo puro e do semipresidencialismo, este da preferência de Ulysses Guimarães e da escola do jurista Miguel Reale. Contrariamente, Karl Loewenstein, outro jurista de peso, teria mandado deixar essa ideia de lado, e de uma vez por todas. Atribui-se a ele concluir que o neopresidencialismo tem um pecado saliente: “é o regime em que o detentor do poder, o Executivo, não prescinde do Legislativo e do Judiciário, desde que submetidos a ele”... No final das contas, tudo ficaria como antes.

Se tal mudança já se concebera complexa para ser acolhida no corpo da nova Carta, campo fértil para discutir mudanças substanciais, mais ainda em tempo de eleição. Sem que se negue ao neopresidencialismo algumas virtudes, como o deslocamento de parte de excessivos direitos ao chefe de governo, a quem o Brasil de hoje ainda confere poderes imperiais.

terça-feira, 19 de julho de 2022

 Col Wcid 19 jul 22

Torcida externa

É sabido que governos e políticos dos Estados Unidos e Europa, simpatizantes de Bolsonaro, andaram sugerindo que sua campanha pela reeleição adote, na fase final, um perfil de comparações do Brasil frente a países vizinhos que, em urnas anteriores, optaram por presidentes esquerdistas, e hoje enfrentam dificuldades. Nem se sabe que esse seria caminho adequado para despertar a sensibilidade dos brasileiros, que, pelo menos até agora, não revelam maior interesse em acompanhar o que se passa com os povos próximos. Contudo, na sexta-feira, Bolsonaro deu sinais de possível simpatia para o acatamento do conselho externo. Durante compromisso religioso em Juiz de Fora e visita à Santa Casa local, foi pródigo em citar os maus momentos que estão passando Bolívia, Chile, Colômbia, Venezuela e Argentina. Países que nas últimas eleições deixaram clara a preferência pelas bandeiras de esquerda, ainda que pela mão de maiorias não tão expressivas; e o presidente brasileiro entende que, por isso, mais que qualquer outro fator, ampliaram-se muito as dificuldades deles, o que leva a supor farta contribuição para grande caos continental.

Os interesses manifestados, sobretudo em Washington, pela eleição no Brasil, já haviam sido comentados aqui, semanas passadas. Grandes círculos de influência europeus e norte-americanos, talvez mais que o próprio Bolsonaro, passaram a ter o Brasil como porto seguro para ancorar os projetos da direita, sob pena de padecerem o risco de graves prejuízos políticos e econômicos. Em relação às fronteiras próximas, o presidente, até então, procurava concentrar atenções apenas na Venezuela, porque a tragédia social ali, com milhares de retirantes, tem custado a Roraima pesados investimentos em ações humanitárias.

Mas é de se conferir se o presidente realmente adotou, como tema preferencial dos últimos 70 dias de campanha, a vizinhança esquerdista e os constrangimentos dela decorrentes. Ou se, raciocinando sob os ares de Minas, teria sido apenas breve referência a problemas externos. Cabe duvidar porque, ainda na mesma visita à Santa Casa, que o acolheu depois do atentado de 2018, ele incursionou em discurso diametralmente aposto, ao garantir aos médicos que o ouviam que os grandes inimigos não vêm de fora, mas estão bem aqui dentro.

Versão nova do mensalão

As últimas semanas têm permitido concluir que o “orçamento secreto”, assim chamado para encobrir detalhes não muito republicanos, significa, para o governo Bolsonaro, o que foi o famigerado Mensalão para o governo Lula. Mudam-se os rótulos, mas na essência e nos objetivos o expediente é o mesmo. Permite-se, então, insistir em que, por força das circunstâncias políticas, há muito mais coincidências nos destinos desses dois, do que se pode imaginar numa observação superficial.

O governo precisa dos votos do Congresso, e sabe que o apetite parlamentar é furioso, principalmente quando os favores dependem do Centrão, aliado que não convém desprezar, até porque para ali correm 21% dos votos dos brasileiros. O Centrão é como terremoto: não poupa mortos e feridos, não faz concessões com quem estiver na frente de seus abalos. Não brinca em serviço. Viu-se na votação da mais controvertida das PECs: 469 x 17.

]

Razão para preocupar mais é que não se trata de fenômeno exclusivo da paisagem de Brasília, mas em todos os estágios das relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Os prefeitos acertam os ponteiros com os vereadores; por sua vez, os governadores também ganham a simpatia dos deputados agradando com obras e serviços de que se servem eleitoralmente os que votam nas assembleias. Confundem-se e invadem-se os limites das responsabilidades, mas nesse particular não há quem possa se queixar; todos estão de acordo.

Armas no coldre

O Tribunal Superior Eleitoral foi instado, por iniciativa de partidos políticos, a determinar a suspensão temporária do direito de porte de armas de fogo, algumas horas antes e horas depois das eleições de 2 de outubro. Medida preventiva que, proveitosa em qualquer aglomeração política, muito mais neste ano, quando são crescentes a intolerância e os sinais de violência.

O TSE já, com as mesmas preocupações, proibiu o consumo de bebidas alcoólicas em pleitos anteriores. Pois, se os ânimos etílicos podem levar a incidentes entre adversários políticos, muito mais nefastas são as armas de fogo. Justifica-se, ainda, pelo doloroso fato de o Brasil estar regredindo aos tempos do coronelato, quando, não raro, as eleições se banhavam não só de votos, mas igualmente de sangue.

Esses nossos dias de intolerância, com os desdobramentos de violência, têm inspiração, entre outros fatores, na polarização das contendas, onde faltam substância e ideias, mas sobram ofensas e conflitos pessoais.

Abstenção duvidosa

Sobre os temores de uma robusta abstenção na eleição presidencial de outubro, ouvem-se diferentes versões, mesmo não se sabendo exatamente em que dados os analistas se baseiam para assentar essa afirmativa. Há quem insinue uma ausência em torno de 30 milhões de votantes; mas ainda essa indicação não se suporta em dados analíticos concretos. Afora o fato de milhares de brasileiros disporem de mais algumas semanas para se deixar envolver, preferindo manter-se, por hora, na faixa dos indecisos.

Entre as análises que têm sido divulgadas, uma parece estar muito mais fora da razoabilidade, porque atribui ao fenômeno do desinteresse à polarização que está criada entre Bolsonaro e Lula. Contudo, deve-se entender que, se os dois principais candidatos geraram a radicalização, é exatamente como produto desse clima que se haveria de admitir um grande ânimo da participação do voto. Não parece lógico explicar a previsão de uma acentuada abstenção; pelo menos por hora. Se ela ocorrer, talvez seja mais justo explicá-la no desprestígio e no descrédito que a classe política veio acumulando nos últimos tempos. A culpa seria de muitos, não apenas de dois candidatos que se engalfinham.

Razões que sobram

Patético e certo de que é quase nada o que pode fazer para reverter as tragédias em série, que abalam seu país, o presidente Biden abre os braços e pergunta aos ventos por que esses ataques malucos que abalam a sociedade americana?, ceifando a vida de centenas de inocentes; preferencialmente crianças e adolescentes. Why? Por que só aqui?, insiste em saber. Há dias repetiu a queixa teatral durante visita ao Highland Park, onde mais seis haviam tombado, pouco antes.

Talvez o presidente, preocupado com a vida dos inocentes de sua terra, encontre resposta às suas aflições nas mortes e na memória da inocência de crianças e jovens vítimas das forças de ocupação no Vietnã, Iraque e Afeganistão. Portanto, a resposta a Biden está, a um só tempo, tão distante e tão próxima para tragédias que se assemelham.

terça-feira, 12 de julho de 2022

 Col Wcid 12 jul 22

Suspeita a esclarecer

Procedente ou mera suspeita elaborada entre artimanhas de campanha eleitoral, fato é que a nação tem direito de exigir e esperar esclarecimentos sobre o denunciado envolvimento de políticos e partidos brasileiros de esquerda com o narcotráfico latino-americano. Grave, se verdadeiro; insidioso, se produto de invenção, o caso certamente não pode permanecer na obscuridade ou no campo de repetidas insinuações, porque, assim ficando, dele resultariam sérias consequências para a atual e futuras gerações.

Aos partidos constantemente denunciados pelos adversários cabe a iniciativa da primeira palavra. Não lhes é permitido o silêncio e nem deixar dúvidas, particularmente junto ao seu eleitorado.

Sobram razões para preocupar. O narcotráfico assumiu papel de gerador da mais dramática crise moral e social dos nossos tempos. Sendo, em si mesmo, um crime seriíssimo, pesa-lhe, ainda, o fato de acobertar, se não mesmo estimular, outros delitos não menos graves. Na América do Sul, onde as drogas são produzidas em enorme escala, os traficantes têm assumido o controle dos poderes políticos, e não seria demais dizer que muitos governantes lhes devem apoio e proteção. No Brasil a danosa interferência limita-se a casos isolados, longe de ter o problema no mesmo vulto endêmico que assola países vizinhos. Contudo, a relação do tráfico e dos traficantes vem ganhando vulto nas favelas. O que não nos exime de preocupações. Não estamos nas piores situações, mas o problema já nos desafia.

Voltando aos políticos. Seja por uma vizinhança ameaçadora ou por quaisquer que sejam os interesses em torno desse quadro, acusados e acusadores têm o dever de sair logo das sombras e se explicarem. Como também que se convoque a se pronunciar o Supremo Tribunal Federal, em outras ocasiões tão animado para cobrar explicações dos políticos. Eis uma hora apropriada para ganhar a atenção dos ministros.

Culpa dos holofotes

Pelo e-mail, leitor de Niterói, cujo voto para presidente disse permanecer indefinido, revela estar acompanhando com atenção as críticas que surgem, de toda parte, contra alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, por causa da disposição que revelam em avançar sobre assuntos políticos, fora de suas atribuições constitucionais. Mas lamenta o leitor que, mesmo insistentes e agravadas as críticas, não vê quem indique uma solução capaz de eliminar a interferência indesejável e os impasses que a ação daqueles ministros tem provocado.

Não é a primeira vez que alguém levanta essa questão. Salvo melhor entendimento, poderia ser solucionada com a eliminação da transmissão, pela TV Justiça, das sessões de julgamento. Os julgadores, presenciais, sob holofotes, ganham estrelato semelhante ao que já conquistaram pastores e padres-show, que ganham multidões, mais cantando do que rezando. Com as câmeras desligas, pode ser que os ministros voltem a falar apenas nos autos, com discrição, sem encenações. Como sempre foi no Supremo.

A medida será logo contestada por quem argumenta em favor das transmissões, porque, na verdade, são uma forma de a população saber o que acontece na última instância da Justiça brasileira. Porém, os duvidosos estragos seriam esclarecidos com uma pesquisa nacional sobre a audiência do canal.

Embaixadores impróprios

Está adiada, não se sabe para quando, a tramitação de Projeto de Emenda Constitucional que pretende criar espaço legal para que parlamentares possam exercer a função de embaixadores, sem que, como condição primeira, tenham de renunciar ao mandato. Ideia inovadora do senador Davi Alcolumbre. Mas o Senado, parece, sabe que tal pretensão esbarra e arranha, de tal forma, a Carta, que até mesmo pelo fórceps de uma PEC, a iniciativa se condena pela impropriedade.

É de se imaginar o horror em que poderá se transformar a diplomacia, se cuidada por deputados indicados segundo conveniências e os critérios políticos do momento. O diplomata é servidor preparado para função específica e especial, frequentemente testado em situações delicadas nas relações internacionais. Por maior que seja seu estofo intelectual, o deputado é estranho a técnicas que só se ensinam e se aprendem no Instituto Rio Branco. Pesa, ainda, para remover a iniciativa, o desvio de responsabilidade de alguém que é eleito para criar ou aperfeiçoar leis que beneficiem a população. Diplomacia é terreno para diplomatas. Há exceções de embaixadas confiadas a políticos. E bem sucedidas. Mas raras.

O Brasil precisa acabar com a mania de desvirtuar a função legislativa. Há anos (não saberia precisar com rigor a data), estando em discussão a frequência com que os interesses políticos capitaneavam parlamentares para servir aos governos em missões estranhas ao mandato, o jornalista Mauro Santayana escreveu, a propósito e decisivamente, que “quando se permite parlamentares no Poder Executivo institui-se promiscuidade que compromete, irremediavelmente, a independência entre os poderes”.

A observação continua com validade inalterada.


terça-feira, 5 de julho de 2022

 


A voz da experiência


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 



Nestas horas de jogo pesado, repletas de ameaças latentes ou totalmente expostas, a guerra pelo poder descambando para o vale-tudo, seria desejável apelar a quem possa evitar que as coisas escapem do mínimo controle. Onde buscar o salva-vidas lançado ao mar de tantos perigos? Aos governantes, aos fazedores de leis e aos julgadores, impossível, porque eles mesmos provocam as ondas, ainda que sabendo estarem todos no barco comum quase à deriva.

Pois num momento crítico como o de agora, com os poderes e lideranças primando pela desarticulação, cabe lembrar que, vinte anos passados, falou-se na oportunidade de se instituir o quadro de senadores vitalícios, com voz e sem voto, formado pelos ex-presidentes da República, conselheiros habilitados a oferecer sua experiência na superação de grandes crises; porque todos, em determinadas circunstâncias, foram chamados a solucioná-las a seu modo. Pois a ideia dos vitalícios acabou não sendo levada a sério, porque para muitos pecava pela inconstitucionalidade, sem embargo da importância de se lançar mão de vivências passadas, sempre úteis, se não para revelar soluções, pelo menos para indicar trilhas momentâneas, se os caminhos são por demais arenosos. A História é que sabe ensinar.

Nota-se que os ex-presidentes são completamente ausentes, com a ressalva da breve gestão de Michel Temer, chamado a esfriar as águas ferventes do distante Sete de Setembro. E nada mais que isso. Aos que o antecederam (não são muitos: José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique e Dilma, tirante Lula, que está no jogo de hoje) seria conveniente buscar conselhos, sem que interfiram as simpatias pessoais pelos que hoje querem chegar ao topo em que os passados já chegaram. Política se resolve conversando; mais ainda quando se transita por momentos graves. Os ex podem se revelar eficientes bombeiros, apagadores de incêndios; se não isoladamente, mas em conjunto, dando à nação vigoroso exemplo de maturidade ante desafios delicados, como o que nos vem inquietando nestes dias.

Voto feminino decisivo

Ouve-se dizer que, bem calculados, os votos femininos de outubro podem marcar performance histórica. Serão 8 milhões a mais que os votos masculinos, segundo estatísticas, com números que não excluem previsões do abstencionismo, entre elas sempre com larga expressão.

Com tal contingente, se participando ativamente, visto podermos ter uma renhida disputa presidencial, teriam elas tudo para influir no destino do país nos próximos anos. Pergunta-se, contudo, se quererão assumir tal responsabilidade. Algo historicamente duvidoso, se se tomar como base de reflexão o fato de haver certa intuição feminina tendente a admitir que a política e as eleições, tal como se praticam, não têm sido instrumentos suficientes para dar solução aos problemas maiores. Talvez seu inconsciente coletivo pondere que se, por si sós, os votos majoritários fossem capazes de mudar o curso dos acontecimentos, os homens, com sua grande e perpétua maioria, já o teriam feito. O argumento pode parecer simplista, não facilmente admitido, mas tem acolhimento entre alguns dedicados a estudá-lo.

Possível, de fato, ainda, que culturalmente acostumadas a observar a História sob outras perspectivas, as mulheres querem o direito do voto, mesmo sem exercê-lo na prática. Tal se deu em vários países, a começar pela Nova Zelândia, que em 1893 tornou-se o primeiro a permitir a participação feminina. No Brasil, onde seu poder político nunca ascendeu a 30%, esse direito se consagrou com a reforma política de 1932, mas o alistamento foi inexpressivo. De tal maneira, que, acima da novidade das inscrições, quem se celebrizou no noticiário da época, dona Virgínia Augusta de Andrade, mineira de Itabira, que foi para a fila inscrever-se, quando já tinha 99 anos.

O que faltou dizer

Não se pode afirmar que se dissiparam as dúvidas em torno dos resultados da reunião que, na semana passada, realizaram deputados, à frente Arthur Lira, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, tendo como pauta, além das cordialidades de estilo, o exame das divergências e responsabilidades dos três poderes no tempo que está correndo para as eleições. Os desencontros permanecem acesos, ao mesmo tempo em que prosperam num quadro de dúvidas sobre a invulnerabilidade das urnas, nas quais especialistas das Forças Armadas identificam certas sombras quanto à lisura.

O deputado Lira, sobre quem não pairam suspeitas em relação a simpatias pelo presidente Bolsonaro, reduziu os resultados da reunião apenas a considerações tangenciais, como o empenho de todos em honrar a democracia. Ora, estranho se não fosse esse o sentimento geral. Objetivamente desejável é que os homens que fazem as leis para serem cumpridas e julgadas mostrem os caminhos das pedras, com coragem, sem medo de tropeçar.

O que está a dever nas relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário, é o que têm a fazer logo para vencer as causas em que continuam prosperado os conflitos. Nesse passo, não se sabe se os deputados recomendaram (e se recomendaram não o dizem) que os ministros togados se abstenham de continuar incursionando em questões políticas, quando, por sua própria natureza, estas devam estar no âmbito legislativo. Avanços imprudentes têm se revelado poderoso instrumento para agravar as relações.

Ainda na superficial avaliação daquele encontro, o presidente da Câmara revelou disposição geral de acolhimento da manifestação das urnas de outubro. Também aí o estranho e espantoso seria o contrário... Ficamos, então, no campo das obviedades, sem que se saiba se alimentam os representantes daqueles poderes real disposição de remover, em seus campos de atuação, os entraves que têm prosperado, e justificam as maiores preocupações. É necessário que se restabeleça um mínimo de harmonia, tal como desejou o velho sempre citado Montesquieu na teoria tripartite dos poderes.


Brasil-Portugal

Não haveria de ser um almoço mal organizado, com todos os ingredientes para dispepsia, capaz de arranhar as relações entre Brasil e Portugal, porque há, entre os dois, tão intensa afinidade cultural e social, que já nem mesmo dos males da colonização costumamos nos lembrar. Portanto, não nos deixamos contaminar pelo escorregão do presidente Marcelo de Sousa, que, logo ao desembarcar, chamou à mesa o candidato Lula, um dos dois principais concorrentes de uma campanha eleitoral repleta de atritos. O opositor do convidado, que é também o presidente da República, sentiu-se ofendido, viu pisado o protocolo, afastou-se do programa de recepção. Acabou tornando-se vítima de uma segunda descortesia do visitante, que menosprezou o rega-bofe oficial, porque entende que, para almoçar, não faltarão oportunidades.

Do lado de Bolsonaro o incidente divide opiniões. Se para alguns ele reagiu convenientemente ao insulto, para outros não devia ter passado recibo.

Mais um melindre enxertado nessa campanha cheia de tensões internas, agora com uma contribuição do presidente desajeitado de um país amigo.