Caminhos e atalhos
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Com a campanha eleitoral rumo à sua fase mais aguda, e iniciada na quarta-feira passada a temporada das convenções que homologam as candidaturas, nota-se um quadro confuso na atuação dos partidos; mais ainda, na forma como estão conduzindo o processo e como vão se posicionar, até o fim, frente aos que começam a ser indicados. Esse ambiente se espalha entre grandes e pequenos, sem maiores distinções. Muitas dúvidas e sinais de insegurança não faltam. O primeiro exemplo que salta à lembrança é o MDB, onde onze lideranças regionais já não escondem a intenção de antecipar apoio ao PT, ignorando a candidatura própria. Fato que o presidente Baleia Rossi procura minimizar, alegando tratar-se de uma faixa descontente localizada, ao mesmo tempo em que assegura ter garantia geral para confirmar o nome da senadora Simone Tebet, e com ela ganhar a desejada unidade. O que não é bastante, porque os convencionais podem homologar um nome, cumprindo a formalidade partidária, para logo depois abandoná-lo às intempéries. Não foi diferente a atitude que adotou com Orestes Quércia e Ulysses Guimarães, sem embargo de estarem ambos no auge do prestígio. Antes deles, a crônica política já andava recheada de exemplos de candidaturas condenadas à sorte e aos ventos pelos próprios remadores. Bastaria lembrar o exemplo histórico dos anos 50, quando o PSD mineiro lançou Cristiano Machado, de tal forma traído, que de seu destino Getúlio Vargas muito se comoveu, nomeando-o embaixador no Vaticano. Ficou a expressão “cristianizar”; quer dizer, indica mas não apoia.
Ainda sobre o comportamento das siglas, lembrando-se agora dos que habitam a esquerda, há correntes que insistem em permanecer fiéis às suas candidaturas inviáveis, recusando ceder a evidências para antecipar apoio ao PT, quando, nos quadros domésticos, não lhes resta um mínimo de expectativas menos sombrias. Interessante notar o comportamento desses partidos: ou excessivamente pragmáticos ou são persistentes no impossível. Nesse particular, nunca estão em cima do muro… Há, entre eles, um antigo dogma que recomenda qualquer esforço apenas para ”marcar posição”, o que, na maioria das vezes, tem se revelado algo improdutivo.
Quando se parte para uma avaliação do PSDB, sempre objeto de interesse, pelo fato de arrastar consigo um passado de excelentes performances, o comportamento a ser adotado frente à eleição presidencial também comporta fundadas dúvidas. Sem candidato próprio, muitos tucanos revelam certa indiferença pelo destino de alianças ocasionais, o que autoriza duvidar se realmente levarão seus bicos para o ninho peemedebista. Observe-se - não há negar – o espectro de ressentimento de muitos deles ao abandono a que se condenou João Dória, lançado para a presidência em clima de animação, para depois ser forçado a desistir. O PSDB dá a impressão de estar perdido na floresta em chamas, em que alguns tentam escapar correndo para Bolsonaro, onde o projeto do liberalismo de governo surge como opção menos desagradável para quem decide viajar em qualquer barco alheio.
No panorama partidário, onde não faltam nebulosas, nem escapa o PSB, que usou contorcionismo para admitir Alkimin, e já o engoliu. Até que ponto ele pode garantir efetivo diferencial para contribuir na caminhada de Lula? Alkimin em nome dos socialistas! Nessa alquimia fica o comprovante que faltava para revelar que nossos partidos dispõem de uma notável elasticidade.
Um passo à frente e esbarramos nos trabalhistas que caminham em rota diferente do PT. Não tem significado prático o fato de o trabalhismo tomar parte na bandeira de meia dúzia das siglas presentes na vida partidária brasileira. O PDT, com candidato próprio, nem por isso ganha a simpatia dos menores, não consegue alavancar o projeto de Ciro Gomes. Mesmo o veterano PTB, que bolsonarizou-se de vez, sob o comando das pregações de um Roberto Jefferson recluso.
O que dizer da consciência política frente a essa realidade? Os partidos contidos, fragilizados, vulneráveis, inseguros, enfraquecidos os comandantes, reduzidos a pedaços que, tentando escapar de um naufrágio, procuram se agarrar onde seja possível continuar respirando.
Pauta adiada
A previsão acabou se confirmando. Em tempo de eleição, a proposta do neopresidencialismo, seriamente examinada por parlamentares e juristas, não dispunha de condições políticas para prosperar, mesmo com a garantia de que era algo para só vingar a partir de 2030. Fica para depois. A inoportunidade explica-se apenas pela coincidência com o processo eleitoral, que tem tudo para ofuscar campo propício ao debate de matéria desse vulto; mas apenas por isso. É um tema para se estudar com a necessária tranquilidade, longe das divergências e do calor inevitáveis quando está em curso a disputa pelo cargo maior da República.
Há que se admitir, por fundamento, que, nesse sentido, não se esgotou a preocupação que, no dia 11 de junho de 1987, levou José Sarney a sugerir o retoque no sistema, como explicava, à época, aos líderes do PFL e do governo. Algo que caberia implantar a partir de seu sucessor, com base na nova Constituição, aguardada para o ano seguinte.
Como desejou Sarney, haveria um primeiro-ministro, nomeado pelo presidente, com ele dividindo poderes e deveres. Mas o presidente como chefe de governo, o que difere do parlamentarismo puro e do semipresidencialismo, este da preferência de Ulysses Guimarães e da escola do jurista Miguel Reale. Contrariamente, Karl Loewenstein, outro jurista de peso, teria mandado deixar essa ideia de lado, e de uma vez por todas. Atribui-se a ele concluir que o neopresidencialismo tem um pecado saliente: “é o regime em que o detentor do poder, o Executivo, não prescinde do Legislativo e do Judiciário, desde que submetidos a ele”... No final das contas, tudo ficaria como antes.
Se tal mudança já se concebera complexa para ser acolhida no corpo da nova Carta, campo fértil para discutir mudanças substanciais, mais ainda em tempo de eleição. Sem que se negue ao neopresidencialismo algumas virtudes, como o deslocamento de parte de excessivos direitos ao chefe de governo, a quem o Brasil de hoje ainda confere poderes imperiais.