Mais uma lição
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))
Cada eleição é uma lição. Não nos esqueçamos disso, com o dever de tentar consagrar os acertos, repudiar os maus caminhos e as más decisões. Tanto quanto possível, evitar o voto errado, porque em política o erro emite uma fatura pesada e cara, resgatável em quatro anos ou mais.
Passamos por uma campanha eleitoral que vai deixando rastro de advertências, a começar pelo mal de se envolver em duelos apaixonados, restando pouco espaço para uma discussão sóbria e objetiva dos problemas nacionais, que, se já nos tormentam hoje, revelam suficiente capilaridade para prolongadas preocupações. A guerra que se tem travado pelo voto confirma isso.
Das lições, que não são poucas, fica a certeza de que a vida brasileira desenvolve-se à margem e à revelia de organizações políticas. As bandeiras partidárias conseguem ser numerosas e obscuras; porém, generosas ao abrir flancos aos grupos de interesses imediatos e escassas virtudes programáticas. Posto, portanto, que este 2022 veio confirmar - e reclamar – a redução dessas três dúzias de siglas, muitas delas, como ainda agora, preocupadas em sobreviver até à véspera da eleição seguinte, quando terão acesso aos fundos de financiamento ou colocar à venda seus preciosos minutos de propaganda no rádio e na televisão. Mais uma vez, não é diferente o que se tem visto.
Outra evidência. São raros os sinais palpáveis de que estamos a caminho para aperfeiçoar o nível da composição das casas legislativas, porque cada vez piora mais. Vivo fosse, Ulysses Guimarães repetiria o que disse em 1992: essa câmara é pior que a última, mas certamente melhor que a que está por vir. Diante dessa tragédia, num primeiro passo a tentação é condenar o eleitor, por levar em conta amizades e antipatias, relegando a gravidade do papel de um parlamentar. Pode parecer má vontade com os partidos e seus dirigentes, mas é responsabilidade deles o primeiro naco da carne de terceira que põem nas mãos de quem vai votar. O que fica exposto é que eles não surgem de ideias e objetivos, mas são fórmulas nos laboratórios de interesses.
Vejamos, então, a quem e a quais ficará confiada a missão de elaborar novas leis, aperfeiçoar as já existentes e, não menos importante, fiscalizar os agentes do poder Executivo, sem dele depender no balcão das emendas generosas. Sobre os fundos, a que recorrem os candidatos para alimentar as campanhas, persiste a certeza de que, mais importante que o financiamento, seria a redução drástica do custo de suas propagandas, neste ano transformadas, de novo, em campeonato de gastos milionários. Aliás, cabe lembrar que os excessos, sempre repetidos, são uma das razões para não se perder de vista a imperiosa e sempre oportuna necessidade de se debater a criação dos distritos eleitorais, recurso a ser experimentado para fazer frente ao poder econômico, sem se falar na legitimidade da representação. Velho tema, sempre postergado, desde 1955, quando na Câmara dos Deputados, ainda aqui no Rio, já era proposto pelo líder do extinto PSD, Amaral Peixoto.
Mesmo cedendo à suspeita de que são avaliações excessivamente pessimistas, não há negar: essas campanhas retrataram, no fundo e na origem, o quadro clássico de endemias morais. Por que? Porque más lideranças, muitas delas lamentavelmente de notável influência, trabalham para fazer do país uma espécie de sociedade anônima; do governo, um mero gerente, e da política nada mais que objeto de negócios.
Outra coisa, que se extrai da corrida deste ano, como se extraía de disputas em tempos passados, tarefa certamente difícil e delicada, é a necessidade de o Tribunal Eleitoral elaborar uma forma de levar os candidatos a terem maior responsabilidade com o que prometem a todos os ventos. Garantem o que não podem ou não devem cumprir. Velho defeito, que, como dizia um líder russo, é pecado que pode ser cometido livremente pelos candidatos, que prometem pontes onde não há rios… Sem que, mais uma vez, não tenha faltado o alegre desfile de demagogos, que fazem muito mal à saúde da democracia. Já o embaixador Roberto Campos dizia que a demagogia é a doença venérea da política, porque transforma a fertilidade em infecção…
Na política, se a disputa pelo poder se desse em clima de mais seriedade, discutindo e propondo ao eleitorado apenas coisas possíveis e necessárias, escoimadas de promessas vãs, os resultados haveriam de ser melhores. E as campanhas, sem espaço para lances de falsas patriotadas, que, diferentemente do sentimento patriótico, produzem clima de hostilidades, como se preferências políticas bastassem para separar os brasileiros em duas estradas: os que amam e os que, por pensarem diferentemente, odeiam a terra em que vivem. Nada mais falso.
Campanhas antecipadas
Teremos, no domingo, as eleições para o Legislativo e Executivo (estadual e nacional). A campanha foi curta, se considerado o calendário da Justiça. Dois meses para os candidatos se encontrarem com os eleitores através do contato pessoal, dos comícios, reuniões ampliadas, pelo rádio e TV, com propaganda gratuita ou nos convites para entrevistas e sabatinas. Entretanto, vale considerar que as redes sociais proporcionaram maciça dispersão da propaganda dos candidatos. Também houve interação entre diferentes mídias na intenção de atingir maior público. Os jovens se informam pelas redes sociais, mas há pesquisas demonstrando ainda a relevância de rádio e TV como fonte de informação e avaliação.
Seja como for, resta uma sensação de cansaço dos militantes, pois seu envolvimento já vinha há algum tempo. Considerado o projeto dos presidenciáveis, sente-se que eles começaram antes da campanha propriamente dita. Não é sem razão que Lula, Bolsonaro e Ciro ocupem os três primeiros lugares em todas as pesquisas até agora realizadas, pois estão em campanha antecipada há meses. O presidente Bolsonaro começou a trabalhar para a reeleição desde janeiro de 2019, quando tomou posse. O ex-governador do Ceará Ciro Gomes participa de sua quarta tentativa, desde maio de 2020, quando lançou seu livro “Projeto Nacional. Dever da Esperança”, um plano para governar o Brasil. E o ex-presidente Lula, após a decisão do STF de sustar seus processos, trabalha para voltar, desde quando, em abril de 2021, tornou-se elegível. Começou ali mais uma campanha presidencial
Outros pretendentes à Presidência da República foram sendo deixados pelo caminho, em razão de articulações intrapartidárias, tais como Sérgio Moro e João Dória, que merecem destaque, pois tinham projetos bem delineados. O ex-governador Dória era considerado nome certo na disputa, com o respaldo de bom governo em São Paulo, responsável pela primeira vacina contra a Covid-19, através do Instituto Butantã. Entretanto, mesmo com campanha antecipada, foi interrompido pelo próprio partido, o PSDB, que ele não conseguiu liderar. O ex-juiz Sérgio Moro demonstrou inabilidade política, e teve errática passagem por dois partidos, tendo que se contentar em ser candidato a senador pelo Paraná. Os dois anteciparam-se também, mas foram atropelados.
Para alguns o ditado é antigo: candidatura antecipada é candidatura queimada. Para outros, como Lula e Bolsonaro, não houve “queimação” prévia, talvez por causa do ineditismo: acontece o fato de um ex-presidente estar disputando a eleição com o atual presidente. Analistas políticos consideram o fato determinante na polarização eleitoral entre os que lideram as pesquisas há mais de ano: água fresca é para quem corre cedo e evita os tombos.
A nota de FHC
Interessante a nota emitida por Fernando Henrique sobre a disputa eleitoral, depois de confessar que já não dispõe mais de forças para atuar no processo político. A mesma limitação que certamente já o impedira de tentar evitar a recente crucificação da candidatura de João Dória, a quem seu partido, PSDB, depois das hosanas de Ramos, condenou a um Calvário sem volta. Nem teria como apoiar a candidata Tebet, dos irmãos tucanos, porque eles não querem ganhar. E certamente não fica bem, no alto de um nonagenário quase sempre bem sucedido, endossar projeto relegado ao quarto lugar.
A nota, sintética, mas robusta das virtudes que todos desejam para o Brasil, começa sem mostrar quem considera ideal para a Presidência; e termina como começou. Por força de entrelinhas, há sinais de que não deseja Bolsonaro, mas sem dizer que aceita a alternativa visível e viável. Lê-se que, no fundo, admite Lula, coisa que não assume claramente. E, como as preocupações por ele citadas patrioticamente têm poder de se ajustarem a todos os candidatos, não seria de espantar que, na noite de domingo, terminada a apuração dos votos, recebesse telefonema agradecido do vencedor.
Outra interpretação, esta mais objetiva, assegura que o pronunciamento foi apenas um aceno a antigos e fiéis colaboradores dos dois mandatos FHC para darem apoio a Lula, solução menos cruel. Apoiar, mas com contidos entusiasmos.