O futuro dos partidos
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")
O destino dos partidos políticos não precisa aguardar o veredito das urnas para colocá-los na berlinda. O que vai acontecer com eles em futuro próximo ou distante? Ou – quem sabe ? - nada haverá de novo, e continuarão vivendo essa vida de pouca ou nenhuma identidade com os princípios com que se constituíram. Tal como hoje, comportando-se de acordo com os ventos da ocasião. Veja-se pela disputa presidencial, que termina dentro de dez dias: não há partidos em discussão, não fazem parte do cenário, porque a luta que se trava é entre figuras ou grupos.
Pode ser, então, que continuem sendo o que são, porque pouco ou nada têm significado para o traçado dos rumos da política nacional. Para citar um exemplo, em Minas, onde a indigência partidária nada fica devendo a outros lugares, os tucanos têm aproveitado a campanha para confessar que o seu PSDB exauriu-se. Esgotou-se, inconclusa a missão da social-democracia, com a qual Covas e outros sonharam. Mas, ainda assim, a eles ligou-se o MDB, para fazer de conta que trabalham juntos para levar a senadora Simone à Presidência da República. Aliados, de há muito os emedebistas arriaram do mastro a bandeira içada por Ulysses. Na verdade, descansam, mais atentos no segundo turno, onde já não terão de se preocupar com a candidata da convenção, mas fazer a opção mais generosa que vai surgir no horizonte. Fora de interesses imediatos, talvez o MDB prefira esperar 2024, ano de eleição municipal, porque ali tem habilidade para ganhar prefeituras.
Vejamos a guerra que se trava entre os dois candidatos melhor situados nas pesquisas. Bolsonaro é do PL ( qual o lastro desse partido, o que tem a dizer e a propor? Ninguém sabe) em disputa com o lulismo, que é maior que o PT, eleitoralmente. Se Lula sair arranhado das urnas talvez o partido possa retomar seu projeto inicial, sem depender dos excessos do personalismo centralizador. Apenas uma hipótese, mas hoje o PT é o que Lula puder ser.
A eleição do dia 2, já batendo à porta, deve, como fenômeno consequente mais rápido que qualquer outro, desligar o tubo de oxigênio das federações partidárias, nas quais foram se abrigar pequenas legendas da esquerda, que vinham sem ar suficiente para sobreviver. “Desfederados”, mas ainda em busca de um pouco de ar para respirar, é possível que aceitem a ideia de ampla fusão, sob bandeira e ideais únicos. Considere-se que a partir desse ponto pode se retomar o discurso sobre redução do número de legendas, o que certamente faria muito bem à política.
(A impossibilidade de coligações proporcionais, ao lado dos recursos abundantes dos fundos partidário e eleitoral, e com a vigência da cláusula de desempenho, surge como luz para a redução da fartura de partidos que temos hoje. A tendência é haver maior reeleição dos deputados federais, pois destinam maiores recursos para eles mesmos, impedindo maior renovação; e quanto maior a bancada maior será a cota partidária dos recursos públicos de financiamento das campanhas).__
Utilidade do voto
A dez dias da eleição surge o costumeiro apelo pelo voto útil, recurso usado por campanhas políticas em quase todas as ocasiões, procurando favor ou desfavor de outros candidatos. O expediente, bastante criticado por analistas, é considerado um recurso excludente dos concorrentes para benefício de determinada candidatura. Mas o voto chamado útil é de uma utilidade relativa, a começar pelo fato de, em uma eleição com dois turnos, pode gerar algum efeito colateral, como, por exemplo, o ressentimento do candidato que não conseguiu assegurar a vitória no primeiro turno.
No caso atual, a campanha eleitoral do ex-presidente Lula recorre ao voto útil em favor dele, que é apontado como líder das pesquisas. Apela aos eleitores que têm intenção de votar nos candidatos considerados sem chances, como retratam as mesmas pesquisas eleitorais. No exemplo presente, segundo a avaliação lulista, é a situação em que se encontram Ciro Gomes e Simone Tebet. Lula parte do pressuposto que pode vencer com as adesões, em primeiro turno, derrotando Bolsonaro com antecedência. Isto, tomando-se por base as pesquisas que apontam suas seguidas vitórias.
Recorrendo aos registros históricos recentes, apenas Fernando Henrique conseguiu a proeza de ganhar no primeiro escrutínio. E Lula, nas eleições presidenciais em que foi vencedor, não conseguiu ganhar de primeira rodada.
Em tese, a eleição em duas votações possibilita ao eleitor começar votando no candidato de sua preferência no primeiro turno. Caso não consiga chegar à disputa final, resta escolher o que lhe parecer melhor ou invalidar o voto. No segundo escrutínio acontece a formação de novas alianças com quem foi derrotado na fase anterior, tendo como objetivo suplantar o adversário. Isto é próprio da política, embora, por ingenuidade, muitos torçam o nariz.
À margem da reflexão, considere-se que a verdadeira utilidade está é no voto de todos, fundamental para o processo democrático. O não comparecimento dos eleitores é que precisa ser observado, com campanhas massivas de motivação na participação, pois a abstenção tem sido maior do que 20% do total de cadastrados pelo TSE. O esforço geral devia ser, neste período antecedente ao pleito, pelo comparecimento expressivo, legitimando o processo eleitoral, mesmo que venha sendo muito questionado quanto à desejada perfeição.
Em nome da paz
Reedita-se hoje, em Nova York, a tradição de o presidente brasileiro discursar na abertura dos trabalhos da assembleia geral da Organização das Nações Unidas, o que não deixa de ser uma singular responsabilidade, jamais negada. Desde então, sempre estamos a dever uma palavra de apelo à harmonia e à prosperidade dos povos. Não é pouco. A tarefa será renovada por Bolsonaro, que, no ano passado, queixou-se, diante do mesmo auditório, do que chamou de “ameaça” dos avanços do socialismo. Em relação à América do Sul, apoiado pela realidade, talvez pudesse agora insistir no tema, para ganhar simpatia dos governos direitistas, que têm idêntica preocupação. Mas sem tempo suficiente para tirar proveito eleitoral, porque as urnas já estão a caminho.
Não se sabe totalmente o que a assessoria do Itamaraty elencou para o pronunciamento. Mas é justo considerar, dadas as gritantes desigualdades sociais com que convivemos, que o Brasil tem autoridade, na própria pele, para um apelo à quebra da globalização da indiferença, fenômeno com que as nações mais ricas continuam encarando o desafiante problema da miséria de milhões dos pingentes da sociedade; os indigentes daqui e do resto do mundo.
Janeiro de 1946, em Londres, na reunião preparatória da ONU, Estados Unidos e Rússia, então os primeiros entre os poderosos, faziam corpo mole para proferir a primeira palavra, preferindo esperar para ver o que o contrário tinha a dizer. Nosso embaixador no Canadá, Ciro Vale, aproveitou o vácuo, inscreveu-se, falou. E, sem querer, criou uma tradição, que não nos custa conservar e enriquecer.
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