terça-feira, 13 de setembro de 2022

 

Os rumos da migração



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

A expectativa dominante entre a maioria dos analistas de que a eleição presidencial só se definirá com os votos do segundo turno tem concorrido para que se formulem teorias e avaliações quanto ao deslocamento da preferência dos eleitores dos candidatos que ficarão do terceiro lugar para baixo. O que se tem elaborado nesse campo de especulação está, evidentemente, sujeito a fatores nem sempre previsíveis.

Uma visão pautada no comportamento ideológico permite considerar que os votos com nitidez esquerdista correrão para a aliança liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Não se vê alternativa para os simpatizantes do Psol, Pstu e Partido Comunista, embora os três tenham de conviver com correntes internas, que prefeririam anular o voto a terem de transferi-lo a um candidato que julgam inautêntico. Mas, no conjunto, os descontentes do primeiro turno não poderão influir o suficiente.

Sobre o contingente eleitoral que vem se pronunciando favoravelmente a Ciro Gomes, Simone Tebet e D’Ávila, cuja soma as pesquisas têm situado entre 13 e 15 %, nem sempre os observadores revelam unanimidade. Mas concordam, em uma primeira avaliação, que faz sentido admitir que parte considerável tenderá a transferir apoio para Bolsonaro. Neste caso, de novo se reeditaria 2018, não apenas por considerar o presidente mais adequado, mas graças à velha repulsa ao petismo-lulismo. Enredo de um filme que o país viu há quatro anos.

A segunda rodada, preciso ter em conta, é uma outra eleição, de conteúdo dinâmico diferente, e não permite ser avaliada e prevista apenas sob influência de fatores facilmente visíveis. Pode ganhar surpresas e influenciar-se por discursos propositivos, estes mais interessantes e mais vigorosos que os ouvidos na primeira fase da campanha, quando preponderam divergências pessoais e conflitos entre grupos. Afora que, para quem vota no último domingo de outubro, a expectativa natural, recorrente, é que na avaliação dos candidatos possa falar mais alto a razão, e menos os sentimentos do coração e os humores do fígado. É bom esperar que assim seja, quando parece predominar nas lideranças a consciência de estarmos caminhando para uma eleição com certas características que autorizam considerá-la a mais importante dos últimos tempos.

Tudo para confirmar a convicção de que a introdução do segundo turno foi uma das boas iniciativas da legislação eleitoral, porque consolida a preferência nacional, empresta legitimidade ao governante consagrado nas urnas; e, mais ainda, porque tem o mérito de reintegrar ao direito de tomar parte na decisão final o eleitorado que se frustrou com os candidatos inviáveis de sua preferência. O segundo turno abençoa a democracia representativa, exorciza o país do desastre de eventual sucesso de candidato que chega surfando a crista de uma onda de popularidade fácil e galopante.

Risco inevitável está na possibilidade de a decisão final se dar com pequena diferença de votos entre os dois últimos concorrentes. Porque nesse caso, sendo estreita a margem dos números, o derrotado sempre será força contestadora latente, expressiva, sentindo-se à vontade para gerar embaraços. Mas, resguardadas as virtudes, o risco é algo que se pode enfrentar.

Saber bater

Joe Louis ( 1914-1981), um dos maiores pugilistas de todos os tempos, dizia, segundo um biógrafo, que o primeiro segredo nas grandes lutas está em medir a potência do ataque, de forma que o adversário não tenha chance de produzir e conquistar a compaixão dos admiradores. Diz-se que essa convicção lhe valeu durante a melhor fase de sua glória profissional. Isso nada tem a ver com a campanha eleitoral dos nossos dias, a não ser a visão dos grupos que disputam com o presidente Bolsonaro, batendo-lhe sem preocupação com as repercussões dos golpes desferidos. Não faltam áreas de ataque capazes de justificar os seguidores mais entusiasmados, porque o presidente tem pontos susceptíveis a críticas: longe de ser o mais atento e zeloso nas relações entre os poderes, é desmedido nas palavras, excede-se, muitas vezes com ironia desaconselhável na política; ou se deixa levar por influência de seitas religiosas. Não faltam motivações, mas elas têm sido relegadas pelos próprios inimigos, que preferem incursionar em campos onde sua vítima é capaz de despertar compaixão e solidariedade.

Explicando. Na festa do Sete de Setembro, que trouxe todas as evidências de estar sendo aproveitada para estimular o projeto de reeleição, os bombardeios disparados contra Bolsonaro respingaram em grandes e inocentes massas de cidadãos, que os críticos compararam a um oceano de carneiros amestrados, à disposição do oportunismo político. Tirantes os seguidores, também numerosos, os outros eram atores de uma comemoração cívica histórica de alta relevância. Se as multidões e os não simpáticos ao presidente foram aproveitados para outras encenações não podem ser comparados a um aprisco.

No pugilismo eleitoral a oposição precisa aprender a bater melhor; esmurrar,  mas evitando as inconveniências políticas. Outra coisa não se viu na sugestão ao TSE para cassar a chapa de Bolsonaro, sem considerar que, isso admitido, estaria aberta imensa crise em véspera de eleição; e o Tribunal jamais assumiria tal responsabilidade. Pediu-se sabidamente o impossível, e o presidente saiu como bem sucedido. Joe Louis teria sido mais cuidadoso.

Para se criticar um governante há sempre à disposição um balaio de condutas discutíveis, sem a necessidade de exacerbações, como essa a que recentemente recorreu o deputado Rodrigo Maia, que põe em dúvida a tendência das ternuras do presidente, e, segundo suspeita, ficam abafadas pelo rigor do regulamento militar. Tratando-se de descarregar em cima de alguém que carrega três casamentos e produção de filhos em série, o deputado podia ter elaborado algo que não despertasse simpatias em quem bateu. Vê-se, como na biografia do boxeador, que golpe nas partes baixas não vale.

Questão religiosa



As pesquisas, com frequência, enfatizam a polaridade entre Lula e Bolsonaro, e fazem os recortes por segmentos de eleitores. Dentre eles há o setor religioso, sendo os evangélicos sempre destacados. Ora, até onde se sabe, os católicos continuam sendo majoritários entre os brasileiros, mas pouco se tem destacado a intenção dos que seguem essa religião. E ainda precisaríamos entender o motivo de não se conferir ênfase a outras crenças, como também dos indiferentes, dos agnósticos e dos ateus. Por quê? As metodologias das pesquisas eleitorais têm diferenciações que acarretam resultados às vezes discrepantes. Relembrando aqui que elas são a revelação do momento, e não previsão exata do que pode acontecer. No máximo, a série histórica projeta um possível cenário para o futuro.

Voltando à temática religiosa podemos analisar (com cuidado) as consequências para a desejável estabilidade nacional. Porque, sendo a laicidade um postulado no Brasil, seria bom alertar que a vinculação governo-religião pode trazer turbulências no convívio dos brasileiros, e é mais que indesejável apostar na dicotomia do bem contra o mal.

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