Partido e reeleição
Longe está de ser reduzido o número de observadores que consideram o novo partido do presidente da República como um primeiro passo no elenco do projeto que o levaria à reeleição em 2022. O segundo foi fato foi um papai-noel antecipado, com o trenó em que Lula deixou a prisão para robustecer o fenômeno da polarização, tão ao gosto de políticos do perfil bolsonarista. O presidente precisava muito disso, como no passado precisou Carlos Lacerda (estarão lembrado os cariocas veteranos), quando amor e ódio tornavam-se grandes eleitores. Bolsonaro necessita de Lula, para ter um nítido contrário na outra ponta da corda que estica o eleitorado em movimento único, sem intermediações. Ai de quem estiver no meio do caminho, porque a lei dos extremos é tiro ou queda.
Outra análise a ocupar as pautas aludi ao partido em formatação, que nada releva de conteúdo ideológico ou doutrinário; fala vagamente na pátria sem a preocupação de propor ideias e remédios por ela reclamados. Esse projeto começa por substituir o indispensável “partido” por “aliança”, o que permite aprofunda a suspeita de algo improvisado, meramente circunstancial, como foi a Renovadora Nacional nos tempos da ditadura; será uma organização capaz de arregimentar simpatizantes, ao mesmo tempo que permite ao presidente desvencilhar-se do incômodo e de antigas cobranças do PSL. Eis a repetição do enredo: não são os partidos que se prestam ao poder dos homens, mas os homens que servem ao poder dos partidos.
Já se acentuava, com o fim da Velha República, certa vocação laboratorial em relação a organizações políticas. Quando estão a reclamar situações momentâneas, os dirigentes cuidam de juntar experiências frustradas, um projeto de poder e temperar o novo suco com acomodações. Como ainda em nossos dias, mistura-se tudo em almofarizes e tubos de ensaio; e das buretas nasce um partido, como agora oferecem os alquimistas do Planalto. Algo feito para gestação suficiente. No começo do século passado Joaquim Nabuco já havia percebido: “as massas vão do partido A ao partido B, que morrem e recomeçam sempre na mesma oscilação, num flutuar de esperanças sempre decepcionadas”.
O Brasil caminha para o 38º partido oficialmente constituído, sem que deles se possa cobrar consistência e alguma coincidência entre o que dizem em suas siglas e o que realmente produzem para a sociedade. Em sua grande maioria inspirados em contingências, como a novidade dessa aliança, cujo primeiro teste, na eleição de prefeitos no próximo ano, será a preliminar para a campanha de novo mandato presidencial.
Melhor fariam as lideranças, Bolsonaro à frente, se abrissem discussão sobre a experiência vivida pelo Brasil sob o instituto da reeleição, nunca acolhido pela unanimidade dos estudiosos da ciência política, além de autorizar a suspeita de que o segundo mandato presidencial – mera coincidência? - sempre é inferior ao primeiro. Não há negá-lo, a partir de evidências colhidas na segunda gestão de Fernando Henrique, depois com Lula e Dilma. O ditador Vargas, que retornou ao poder com o voto popular, teve desempenho tão acidentado na volta, que acabou por levá-lo ao suicídio. A continuidade, por mais tentadora que seja, é espinhosa e escorregadia. O principal argumento de que se valem defensores da reeleição, estribando-se no modelo dos Estados Unidos, é a administração não interrompida; diferentemente do primeiro mandato, este de quatro anos, dos quais apenas dois com real utilidade, pois no primeiro arruma-se a casa e no último, enfraquecido, espera-se a chegada do substituto. Pois nesse particular, o lastro da experiência, o Brasil não tem muito a oferecer.
Ter partidos como peças degradáveis, fruto de maquinações do momento, e os mandatos elásticos são o bastante? Certamente que não. (Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil!")