Aos Mortos
A gente precisa dedicar um pouco mais de atenção aos parentes e amigos mortos, que não podem ser esquecidos, seja pelas virtudes que praticaram, seja pelos erros que construíram na sua efêmera peregrinação pelo mundo. Os bons merecem ser lembrados pelas obras e bens que semearam; os outros também, porque, afinal, mostraram maus exemplos a serem evitados. Há séculos também as Escrituras sustentam que os caídos não devem ser relegados, até porque eles apenas nos antecederam. O fim deles também será o fim de todos. Não é outra a verdade que alguém mandou gravar no frontispício de um campo santo do Maranhão: “nós, os ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”.
E digam que não. Há quem consiga escapar da última batalha, aquela que se travará contra a morte?. Lembrando isso, quase todas as religiões recomendam que sejamos modestos nas vaidades e prudentes na busca dos poderes terrenos, pois nada se leva daqui, como lembra o portal de um outro cemitério, este em Genebra, com grandes letras para ninguém esquecer: “Ici, l’légalité. Aqui, a igualdade. Todos no mesmo nível da miséria final.
Esquecer os mortos jamais, também porque com seus ossos se sepulta um pouco de cada sobrevivente retardatário, como definiria Felipe Casteline Roque: “Aqueles que passam por nós não partiram sós; deixaram um pouco deles; levaram um pouco de nós”. A propósito, certo dia, curioso, o deputado Ulysses Guimarães perguntou a um cacique tapuia o hábito de sua gente amarrar nas costas ossos dos antepassados, e ficou sabendo logo: “é porque os mortos nos governam”.
Padre Vieira disse, parece que numa pregação em Lisboa, que a virtude da morte é que ela amansa tudo, e perante ela todos são horizontalmente iguais. Melhor ainda o sermonista definiria depois. A nossa pobre vida humana vai do pó ao pó. Sobe o vento é o pó de pé, é a vida; cessa o vento, o pó deitado, é a morte. Um de seus grandes leitores, o ex-ministro Darcy Ribeiro também filosofou sobre os finados: se a carne volta à natureza cósmica, a grande coisa que está na vida é o nascimento da morte. Não há negá-lo.
Este Dia de Finados enseja pensar no inevitável crepúsculo das vitórias fugazes e o erro dos excessos que em nome delas se praticam. Em nada adianta acumular riquezas à custa de imensos sacrifícios. Tão bem disse um jornalista contemporâneo: a vida, na sua instantaneidade, é apenas uma centelha na noite densa do nada. A morte nos espreita em algum desvão do tempo. Caminhamos irremediavelmente ao encontro dela. Mesmo os que, pretextando falsa naturalidade no fatídico rompimento da existência, busquem coragem em Fernando Pessoa para dizer que a morte nada mais é que apenas a curva na estrada. “É só não ser visto mais” .
Seja como for, reverenciada a memória de tantas ausências queridas nesta quinta-feira, afastando maiores pessimismos sobre a duração da vida, fique a palavra final com o grande Guimarães Rosa: vale a pena morrer para a gente provar que viveu.
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