segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

À espera do novo ano


(( Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil"))


O último dia do ano, entrando e saindo do calendário com as mesmas cores dos que o antecederam, acaba carregando certa magia, a renovada esperança de que é possível que agora aconteçam coisas que, embora tão desejadas e possíveis, passaram à margem do tempo neste quase finado 2019. A despeito de qualquer ceticismo, a expectativa otimista invade as horas finais, que vão sobreviver desde as flores que chegam ao mar por iemanjá até os ritos das celebrações cristãs.

Boa parte dessa renovação de esperança insiste em ocupar lugar na política. O que faz sentido, porque é com ela e através dela que as sociedades organizadas podem criar instrumentos capazes de tornar a vida melhor e mais digna ou, se já existindo, que sejam aperfeiçoados no que couber. No caso brasileiro, vai se esgotando o primeiro ano do novo presidente da República e das casas legislativas; curtíssimo período em que seria impróprio cobrar dos Poderes constituídos encaminhamento ou soluções de todos os problemas há muito cristalizados. Mas, ressalve-se, tão breve experiência foi suficiente para mostrar aos agentes da política nacional que necessárias mudanças são possíveis, por maiores que sejam os obstáculos a enfrentar. É possível romper sem corromper, construir sem destruir, divergir ou adotar sem sacrificar princípios consagrados.

O 2020 que vem chegando é prenhe de desafios, no que, aliás, está ombreado com outros anos. Há sempre algo a mais a enfrentar, além de campanhas que merecem prioridade e persistência, como a extirpação, tanto quanto possível, dos crimes financeiros que servem para enriquecer as reduzidas castas privilegiadas, à custa do empobrecimento dos cada vez mais miseráveis. A cruel concentração de renda já atingiu o ápice da tolerância; e assim se tornou é porque se adotou que a distribuição mais justa seria transformar os ricos em pobres, o que é grave equívoco. As modernas sociedades que eliminaram ou estão eliminando desigualdades gritantes não criaram novas massas de pobres para se juntarem àquelas já existentes. Portanto, as lideranças políticas, muitas vezes temerosas por estarem demolindo as conquistas dos ricos, precisam entender que eles tranquilizam suas posses quando aos pobres for possível comprar mais, enriquecendo os que produzem.

Há nos parlamentos, sem que o Brasil possa se insinuar como exceção, poderosas bancadas representantes de grupos conservadores que reagem a certas iniciativas sociais; que, mesmos sem ofendê-las e comprometer interesses, adotam uma cultura hostil a reformas, temerosos de que a ascensão dos menores seria, inevitavelmente, um risco a escancarar diante dos maiores. A um passado não tão distante, tal raciocínio seria rapidamente fulminado sob a suspeita de se tratar de “coisa de comunista”. Hoje não se concede espaço para tamanho ridículo. Mas a quota de deputados e senadores que em fevereiro chegou a Brasília graças a generosidades de grupos prestaria bom serviço neste ano novo se conscientizasse seus patronos de que a melhor forma de a aristocracia sobreviver e se preservar é ceder um pouco nos temores que envolvem poderes.

O novo ano haveria de se realizar plenamente, no campo das iniciativas políticas, ajudando o Brasil a reduzir as graves diferenças que separam os segmentos sociais; se não extingui-las, pelo menos minimizá-las, de forma a não se perpetuarem tão injustas. Fica o desejo de que assim também pensem e esperem os que acolhem as reflexões que ocupam este espaço nas terças-feiras.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Esse dinheiro que elege


(Wilson Cid hoje, no "Jornal do  Brasil" )



Quando o Congresso Nacional aprovou, na terça-feira passada, a proposta de orçamento da União para o próximo exercício, ficou decidido que o país terá de despender pouco mais de R$ 2 bilhões para dar suporte às campanhas dos candidatos a prefeito e vereador, que estarão enfrentando as urnas no outubro seguinte. O apetite de candidatos, partidos e grupos interessados esperava presente mais generoso, mas acabou acordado em um valor que apenas repete o orçamento de 2018, quando convivemos com eleições bem caras, quase gerais. Percebeu-se, com clareza, que a eliminação de maiores avanços na oferta resultou da reação negativa da população; reação que se exteriorizou nos insistentes protestos que povoaram as redes sociais, além de os congressistas temerem o veto vertical que o presidente Bolsonaro havia prometido. Portanto, nada além dos dois bilhões.

Qualquer que seja o volume dessa generosidade com as campanhas eleitorais é inegável o disparate que representa o deslocamento de recursos do orçamento público, quando podiam estar endereçados às políticas sociais. Não há como justificar, em sã consciência, diante dos desafios por que passa a sociedade brasileira, tal expediente para abastecer um fundo de financiamento eleitoral. Bastaria considerar o momento de crise aguda de recursos para obras e serviços essenciais para gerar perplexidade.

Nesse recente episódio assistiu-se a dois discursos discrepantes: de um lado, porta-vozes do governo reclamando a necessidade de equilíbrio fiscal a qualquer custo; do outro, os políticos querendo desafogar os bolsos nas campanhas junto ao eleitorado. Seja como for, ninguém se deixa convencer de que o fundo público impede que apenas candidatos ricos ganhem viabilidade nas urnas. O argumento é frágil.

Mas a verdade é que as mesmas posições antagônicas haverão de servir para estimular o aprofundamento da discussão, a começar pelo fato de que as próximas eleições municipais vão servir de laboratório para uma possível reforma a orientar as que virão em 2022; estas seguramente mais amplas e mais importantes, quando entrará em cena a escolha do novo presidente e dos governadores. Neste passo, já parece razoável admitir a volta do financiamento empresarial, o que se efetivaria com base na tese de que dinheiro público (que certamente continuará escasso) não pode ser usado para patrocínios eleitorais. É o que certamente dirão os parlamentares, embora neste ano não tenham se curvado a essa realidade. Para ilustrar a tese, largamente contemplados, dariam seu aval ao retorno à prática anterior. Bastaria afirmar, ainda que com duvidosa sinceridade, que um fundo eleitoral, com dinheiro público, violenta os interesses da sociedade.


Fato inegável é que, em se tratando de caça aos votos, os dinheiros interessados sempre tiverem papel preponderante, e continuarão com sua robustez, estando sob o amparo da lei ou à revelia dela. Ninguém poderia afirmar, por exemplo, que nas eleições de 2018, apesar do financiamento público, não tenha ocorrido o tradicional caixa dois, alimentado por grandes grupos que se empenharam. Esse apoio financeiro, oficialmente omitido por ser ilegal, se não chegou a ter a desenvoltura que se viu nos anos anteriores, nem deixou dúvida da presença e da influência de setores que aguardam vantagens no processo. O dinheiro não contabilizado abasteceu e abastece muitas campanhas de deputados, governadores e senadores. Sempre foi assim.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Saneando temores

( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")  


O chamado marco legal do saneamento, alterado durante passagem pela Câmara, e, portanto, de volta à original apreciação do Senado, vem tramitando sob a suspeita de que, aprovado e posto em prática, tornará o pobre brasileiro refém da iniciativa privada, quando esta for chamada a disputar, em licitação, a implantação de serviços absolutamente essenciais. Certamente esse temor faria sentido e cobraria atenção especial a partir do momento em que a administração pública não se precavesse em defesa da população, e se armasse de instrumentos que contivessem a voracidade de eventuais ganâncias. Tal como já se procede na remuneração aos distribuidores de energia elétrica, pode muito bem o governo estabelecer o controle de qualquer tarifa. Talvez já a partir de agora, com a matéria ainda distante da sanção presidencial, o Congresso, tão temeroso, deva se antecipar, estabelecendo regras para frear futuros abusos contra a economia popular.

Teme-se o excesso, sobretudo entre congressistas das bancadas de oposição, na aplicação de tarifas relativas à distribuição de água, quando o serviço estiver confiado às empresas, ao serem chamadas a realizar algumas das importantes tarefas que não conseguem encontrar disponibilidades no erário. Pois é exatamente no âmbito das iniciativas em tela, que maior parece ser o leque de garantias contra exorbitâncias, considerando-se que os contratados serão responsabilizados apenas pelo tratamento e distribuição, tal como já se admite nas empresas públicas que operam no setor. Ora, nem mesmo a estas a água pertence; ela é bem comum, sem proprietários, nasce para todos e não está à venda. Tal observação, que parece tão líquida como cristalina, é suficiente para dar aos estados e municípios recursos capazes de obstar a sede de grupos que pretendam aproveitar-se desse novo manancial, que em breve estará aberto. Querendo, o poder público terá suficientes forças para impedir que o povo seja explorado na prestação de serviços dos quais não pode prescindir.


O Brasil contabiliza doloroso deficit nos programas de saneamento básico, figurando aí entre os países mais modestos do mundo civilizado. Vê-se que entre nós a pobreza dos escassos dutos sanitários disputa primazia com a raridade dos canos de água potável; tudo em conluio com as grandes paisagens de misérias. Quando se sabe que esgotos correm a céu aberto, até mesmo em regiões periféricas das capitais (nem mesmo Brasília consegue escapar como exceção), é de se imaginar o cenário constrangedor que se abre pelo interior.

A implantação de serviços dessa natureza raramente anima governadores e prefeitos, porque os usuários logo esquecem de obras enterradas. Alguns, sem pudor, não se vexam ao explicar que dutos escondidos não dão voto, e por isso devem ser relegados. Ainda que saibam, ou deviam saber, que o dinheiro ali aplicado é o que oferece melhor retorno. Já ficou suficientemente demonstrado: um único real investido em projetos de saneamento básico resulta em cinco, que vão ser economizados na assistência à saúde das populações mais carentes.

Se o poder público não tem como assumir os grandes investimentos que se fazem necessários, recorra-se à iniciativa privada, garantindo-lhe justa remuneração, definida pela via licitatória, sem que se descuide de policiar e fazer prevalecer o interesse publico. Não haver de ser, sob a inspiração de temores gerados pela possibilidade de desvios, que o país continuará convivendo com atrasos que envergonham e infelicitam a sociedade brasileira.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Progressistas 


No campo da reorganização dos grupos de representação política em Juiz de Fora coube ao Progressistas fechar o ano, mesmo sabendo todos que muitas articulações ficam para o próximo ano, a começar em fevereiro. Aconteceu em reunião realizada na noite desta quarta-feira, no salão de convenções do Hotel Ritz, com uma particularidade que vale como destaque: quem organizou o encontro, reunindo cerca de 120 pessoas, foi o vereador Marlon Siqueira, que é do MDB; mas a destacada presença ficou com figuras da administração municipal. Presente também, especialmente saudado, o prefeito Antônio Almas, do PSDB. Os medebistas e tucanos já estavam juntos na eleição de 2016.

Em Juiz de Fora a comissão provisória é presidida por Altimar Grunewald, do quadro de servidores do Museu Mariano Procópio. Ele prometeu para o caminhar do novo partido um trabalho “forte e coeso”.

O cerimonial da noite de lançamento contou com pessoas ligadas à Administração.

O partido, que procura atuar numa linha centrista de direita, inspira-se nos objetivos pregados pela Fundação Milton Campos, e conta atualmente com 40 deputados federais (é a terceira força na Câmara) e tem 1.339.000 filiados em todo o Brasil.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Pacto e burocracia


A correlação das forças partidárias no Congresso Nacional, no ano que já vai chegar, é questão ainda a depender de conjunções, como também de acertos com vista à eleição dos novos prefeitos; e, ainda, estará ao sabor de circunstâncias ditadas pela conduta política do governo; conduta que até agora tem sido fiel à imprevisibilidade. Para prever o campo daquelas forças, justificando dúvidas, faltaria igualmente a premência de tempo para a constituição do novo partido do presidente Bolsonaro, mesmo sem possibilidade de que se lhe negue a adesão por assinatura eletrônica (seria custoso admitir a recusa pela Justiça de tal avanço, porque, muito mais que a simples filiação, a biometria já identifica e serve ao eleitor).

Mesmo acusados de estarem relegados a mera ficção, quando sob a ótica da realidade programática e ideológica, ou muitas vezes apenas são foros de interesses ocasionais, os antigos e novos partidos não deixam de ter poder e expressão nas casas legislativas, porque em plenário e nas comissões temáticas representam, aritmeticamente, o decisivo poder de voto e veto; ali eles valem quanto pesam, como se ouvia na propaganda de velho sabonete… Isto posto, ainda ante inevitáveis limitações do ano eleitoral, e mesmo que não se saiba exatamente com que perfis se comporão as bancadas, é preciso que delas se cobre ânimo para cuidar das questões essenciais; essas que já tardam na vasta pauta de reformas estruturais que o país reclama. Não necessariamente na dependência de acordos com o governo. Com ele ou sem ele, eis a questão. Porque o Congresso tem várias responsabilidades que independem do aguardo de iniciativas oriundas do Executivo; ainda que, por fim e por último, a ele caiba o poder da sanção.

Se várias são as questões que poderiam ser citadas no campo fértil de desejadas iniciativas, duas certamente haverão de figurar entre as essenciais. A primeira, valorada pelo fato de pesar sobre deputados e senadores a representação de todas as unidades que compõem o país, trata de proposta consistente e objetiva para o reclamado pacto federativo; esse mesmo que, quando citado, tem sido adjetivado como algo novo. Não pode ser novo, porque nenhum outro o antecedeu verdadeiramente. Aquele que em boa hora vier será primeiro. O Brasil precisa deixar de ser aquele mapa que o presidente Tancredo gostava de traçar para definir sua Minas Gerais; isto é, o estado que fica no caminho entre a riqueza do sul e a miséria do norte. Somos diferentes demais entre nossas regiões. É como se fôssemos um país dentro de um outro com sorte e destino desiguais. Ou há senador e deputado que desconheçam isso? No próximo ano da legislatura caberia, portanto, o primeiro passo nesse sentido.

Sendo impossível precisar escala de prioridade entre os temas a merecer tratamento, convém lembrar que também continuamos na dependência de avançar, com mais coragem, na modernização dos equipamentos da burocracia, a começar pela remoção de entulhos e velharias que continuam transformando a máquina estatal em algo desnecessariamente complicado, o que, além de atrasar a vida da sociedade, constitui porta larga e generosa para a corrupção. Os excessos burocráticos são a mesa em que se banqueteiam negócios escusos. Vendem-se e compram-se favores e facilidades. Em apoio a essa preocupante constatação valeria lembrar que a grande caça que hoje se move contra corruptos ainda não cuidou de desmontar a estrutura criminosa com as quais operam. Ela continua de pé, e assim permanecerá, cimentada por concessões camufladas em gavetas que guardam os jeitinhos e as manobras acertadas às escondidas.

               ( Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil")

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Continente em conflitos

Não seria novidade afirmar que a primeira responsabilidade do Brasil perante a política de relações na América Latina é desempenhar um papel mais saliente na Organização dos Estados Americanos. Tal sua importância, paralelamente à complexidade de muitos desafios que aportam, já havia assustado o presidente Itamar Franco, que ali representou o país durante alguns meses. Muitos endossam tal observação, para completar afirmando que a velha OEA talvez não tenha prosperado muito graças, em parte, à presença discreta dos últimos governos brasileiros. Provavelmente seria superestimar nossa capacidade de liderança continental, o que não invalida os que reclamam maior empenho na entidade, só ocasionalmente lembrada que tem sede em Washington.

A preocupação faz sentido, ainda que longe de ser inédita, porque nos onze meses desde que foi instalado, o atual governo não revelou disposição de focar maiores interesses diplomáticos junto a Organização, onde certamente há muito o que fazer. Avulta intensa e robusta pauta, no momento que está a merecer maiores atenções, porque, além dos conflitos intestinos que sacudem vários países, cabe aprofundar avaliações sobre detalhe de singular gravidade: os tumultos que nestas semanas têm sido registrados na América do Sul revelam certa sincronia orquestrada, como se as manifestações de rua fizessem parte de um único modelo internacional a ser desenvolvido independentemente das causas e dos objetivos que os inspiraram. Direita ou esquerda? Não importa, porque há primordial intenção de destruir, numa onda avassaladora, que nem poupa e preserva o sentimento religioso da nação, como se vê na depredação de igrejas no Chile.

Os acontecimentos geradores da violência que há meses se desenrola naquele país, como também na Bolívia, Venezuela e Argentina, recomendam, pelo menos sugerem, no âmbito das responsabilidades da Organização dos Estados Americanos, que sejam examinados como um produto de mesma origem, coordenados, nem sempre sob pretextos muito claros; ou – quem sabe? - tenham a motivá-los uma geração única acionada a distância; ou à distância de 6.400 quilômetros…

Pode ser que tal suspeita soe fantasiosa ou dependa de dados concretos capazes de justificar maiores preocupações. Mas cabe considerar que o cenário a que no momento se assiste nas vizinhanças acaba sendo um perfeito instrumento a povoar as tentações de regimes sempre prontos a se valerem de medidas excepcionais, em nome da ordem pública e da normalidade administrativa. Cabe identificar e separar as intenções, garantindo-se plenamente o direito de manifestação, que nas liberdades individuais e coletivas é o trigo saudável; o joio está na arquitetura dos tumultos que não pretendem soluções, mas apenas balançar as instituições.

O Brasil, a considerar o que externam as autoridades, não leva em conta que os problemas podem acabar precipitados para os nossos lados. Ou talvez, sem ignorá-los, o governo Bolsonaro prefira esvaziar as ameaças, fazendo de conta que elas não existem, embora vozes há que desejam ver o país na geografia tumultuária. Talvez. Mas essa tranquilidade, se de fato existe, não justifica fazer ouvidos moucos, porque os incêndios vizinhos sabem exportar labaredas, afora o inarredável compromisso brasileiro com a paz continental. Não há palco mais apropriado que a Organização dos Estados Americanos para expor tais preocupações, que vêm se revelando cada dia mais procedentes. 

(Wilson Cid hoje, terça-feira, no "Jornal do Brasil')