À espera do novo ano
(( Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil"))
O último dia do ano, entrando e saindo do calendário com as mesmas cores dos que o antecederam, acaba carregando certa magia, a renovada esperança de que é possível que agora aconteçam coisas que, embora tão desejadas e possíveis, passaram à margem do tempo neste quase finado 2019. A despeito de qualquer ceticismo, a expectativa otimista invade as horas finais, que vão sobreviver desde as flores que chegam ao mar por iemanjá até os ritos das celebrações cristãs.
Boa parte dessa renovação de esperança insiste em ocupar lugar na política. O que faz sentido, porque é com ela e através dela que as sociedades organizadas podem criar instrumentos capazes de tornar a vida melhor e mais digna ou, se já existindo, que sejam aperfeiçoados no que couber. No caso brasileiro, vai se esgotando o primeiro ano do novo presidente da República e das casas legislativas; curtíssimo período em que seria impróprio cobrar dos Poderes constituídos encaminhamento ou soluções de todos os problemas há muito cristalizados. Mas, ressalve-se, tão breve experiência foi suficiente para mostrar aos agentes da política nacional que necessárias mudanças são possíveis, por maiores que sejam os obstáculos a enfrentar. É possível romper sem corromper, construir sem destruir, divergir ou adotar sem sacrificar princípios consagrados.
O 2020 que vem chegando é prenhe de desafios, no que, aliás, está ombreado com outros anos. Há sempre algo a mais a enfrentar, além de campanhas que merecem prioridade e persistência, como a extirpação, tanto quanto possível, dos crimes financeiros que servem para enriquecer as reduzidas castas privilegiadas, à custa do empobrecimento dos cada vez mais miseráveis. A cruel concentração de renda já atingiu o ápice da tolerância; e assim se tornou é porque se adotou que a distribuição mais justa seria transformar os ricos em pobres, o que é grave equívoco. As modernas sociedades que eliminaram ou estão eliminando desigualdades gritantes não criaram novas massas de pobres para se juntarem àquelas já existentes. Portanto, as lideranças políticas, muitas vezes temerosas por estarem demolindo as conquistas dos ricos, precisam entender que eles tranquilizam suas posses quando aos pobres for possível comprar mais, enriquecendo os que produzem.
Há nos parlamentos, sem que o Brasil possa se insinuar como exceção, poderosas bancadas representantes de grupos conservadores que reagem a certas iniciativas sociais; que, mesmos sem ofendê-las e comprometer interesses, adotam uma cultura hostil a reformas, temerosos de que a ascensão dos menores seria, inevitavelmente, um risco a escancarar diante dos maiores. A um passado não tão distante, tal raciocínio seria rapidamente fulminado sob a suspeita de se tratar de “coisa de comunista”. Hoje não se concede espaço para tamanho ridículo. Mas a quota de deputados e senadores que em fevereiro chegou a Brasília graças a generosidades de grupos prestaria bom serviço neste ano novo se conscientizasse seus patronos de que a melhor forma de a aristocracia sobreviver e se preservar é ceder um pouco nos temores que envolvem poderes.
O novo ano haveria de se realizar plenamente, no campo das iniciativas políticas, ajudando o Brasil a reduzir as graves diferenças que separam os segmentos sociais; se não extingui-las, pelo menos minimizá-las, de forma a não se perpetuarem tão injustas. Fica o desejo de que assim também pensem e esperem os que acolhem as reflexões que ocupam este espaço nas terças-feiras.
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