terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Eleição em laboratório


(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))  


Suficientes razões há para se admitir que as eleições deste ano poderão oferecer temas para demoradas reflexões, que vão além das disputas de lideranças locais; a começar por contribuírem para expor o crescente empobrecimento dos municípios, velha realidade que se espera amenizada no bojo da futura reforma fiscal. A insuficiência de recursos para a realização de obras tem levado a maioria dos prefeitos a uma avaliação negativa; e a desculpa que terão de oferecer aos eleitores, se de novo candidatos, está na excessiva concentração do bolo tributário nos cofres da União, fenômeno que se agrava, da mesma forma como a concentração de renda distancia as classes sociais num país injusto. Não há prefeito que deixe de se queixar de imensas dificuldades decorrentes da falta de dinheiro, embora todos pretendam querer a reeleição, para confirmar que em política o sadomasoquismo é fraqueza relativa e meramente circunstancial.

Os partidos, ao que parece, também enfrentarão dificuldades para estruturar alianças, com proveitosa antecedência, complicados que estão com as novidades da legislação eleitoral, a começar por impedidos de construir coligações proporcionais, que, antes, interessavam a vereadores com mandato. Agora não se pode mais valer do socorro dos menos votados. Não é segredo que os acordos aliancistas sempre serviram aos mais fortes. Não bastasse isso, as campanhas deste ano vão mostrar às lideranças estaduais e municipais que os dinheiros necessários para viabilizá-las dependem de um tortuoso acesso às cúpulas nacionais. Estas é que gerenciam, sob o império de interesses políticos maiores, os recursos partidários provenientes do financiamento público. Chegar a essas cúpulas, mesmo para delas obter pouco além de migalhas, é algo que não deve figurar entre as tarefas mais fáceis. Depreende-se, graças a essa concentração de decisões nos administradores do fundo oficial, que logo virá a proposta de retorno aos antigos financiamentos privados. Dos males, pelo menos este, por ser menos concentrador na hora da distribuição. É outra questão a compor a pauta dos desafios aos partidos e a quem terá de garimpar votos em outubro.

Inevitável, também parece, que os resultados e as experiências que advirão do ano eleitoral hão de refletir mudanças no cenário de 2022, quando os atores já não serão mais os prefeitos e vereadores esfolados pelas dificuldades, mas substituídos em cena pelos candidatos a presidente, governador, bem como postulantes a cadeiras do Congresso e das Assembleias. Vê-se, pois, que acabamos de entrar num período laboratorial: o que se experimentar agora pode ter repercussão sobre o que virá nos dois anos seguintes. Se convier às lideranças, mudam-se rapidamente as regras vigentes; sem dificuldades, porque em matéria de eleições nossa volúpia legiferante não tem medidas. Não raro dispensando cuidados com o pudor.

Tudo isso, somado ao curto período da campanha (na prática 45 dias), e considerando que o eleitor só se sensibiliza efetivamente depois do feriado de 7 de setembro, o processo de escolha acaba favorecendo a quem já é conhecido, podendo comprometer desejável renovação, além de impor maiores sacrifícios aos que se lançam pela primeira vez. E mais: todos, veterano ou principiantes na disputa, tendo como desafio sobressalente, estarão sujeitos a benefícios ou prejuízos decorrentes da influência do presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula. Eles poderão influir na medida em que a polarização entre suas lideranças se acentuar e motivar.

Se os fatos insinuam que estamos num ano laboratorial, sem ser atípico, resta a convicção de que contribuirá para lançar mudanças no pleito de 2022.

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