Depois do vendaval
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
Entre
palpites e reflexões sérias, no oceano em que navegam ansiedades e
temores trazidos pela Covid 19, vamos abrindo espaço para o
pós-pandemia, o que aprendemos ou desaprendemos, e como enfrentar os
estragos que ela terá deixado. Se o pior dos prejuízos, o que vem
cobrando milhares de vidas ceifadas - sinistro que não temos como
reparar -, cuidemos então do que vai restar nos escombros. Quanto a
esse resto, o que não falta são previsões, diferentes e aleatórios
conselhos sobre o que fazer; e nisso certamente levam alguma vantagem
os países que sofreram internamente efeitos de guerra, porque
aprenderam na carne como se reorganizar em chãos encharcados de
sangue. Não tivemos, felizmente, tal experiência, mas há muito a
recomendar à população; e muito mais aos governantes que se
atropelam e divergem no que dizem e no que instruem, quando são
chamados a propor condutas máximas e mínimas frente a um mal feroz.
Haverá
lições que não convém esquecer, ainda que epidemias tenham algo
de fortuito, não avisam a hora em que pretendem chegar. Sem que
falte aos povos sofredores, como os brasileiros, o velho consolo
cristão inspirado em Santo Agostinho: Deus não permitiria um mal se
dele não se pudesse tirar um bem; isto é, o aprendizado. No mesmo
passo, as aulas dos antigos ginásios lembravam romanos do grande
império - ad augusta per angusta – um consolo ante a certeza de
que é sofrendo que as gentes se aperfeiçoam, bem como os poderosos
que as governam.
Assim,
como haveria o Brasil não ser chamado a cuidar de seus destinos
depois que o vendaval passar? Quando começar a abrir o livro das
lições que vão se escrevendo com dor e lágrimas talvez o país
aprenda que cuidados com a saúde pública sempre devem preceder a
prioridade da economia, quando se torna arrogante e insensível;
porque esta não vive sem aquela, embora cuidariam bem se ambas
caminhassem preocupadas em mútuas ajudas. Ficou claro: bastou o
primeiro quadrimestre deste fatídico 2020 para que ruíssem as
expectativas, ainda insepultas, da retomada do desenvolvimento, a
produtividade morro abaixo, orçamentos lançados ao espaço e
frustração na ampliação não apenas do emprego, como também da
empregabilidade.
Não
menos evidente terá ficado que temos diretrizes insuficientemente
confiáveis na conduta das políticas sanitárias, se é chegada a
hora de enfrentar e vencer males contagiosos; dos quais, aliás, são
velhas conhecidas as pobres populações distantes nos agrestes, nos
sertões e nas palafitas amazônicas. Bastaria lembrar nossa dolorosa
vulnerabilidade, a fratura exposta na recente sucessão de ministros
da saúde, desestimulados pelas receitas pessoais do presidente da
República, que tem se revelado especialista em assuntos gerais no
campo da saúde. A insegurança no entra-e-sai de ministros numa área
que vive um dos maiores dramas da História brasileira tem deixado o
mundo perplexo. E não é pra menos.
Esses
quatro meses de internação domiciliar vão construindo extensa
pauta de desafios. Um dos quais, para não citar muitos, é como
lidar, a partir de agora, com o ensino em primeiro e segundo graus. A
emergencial conexão digital nos lares, a que hoje estão condenados
milhões de trabalhadores, crianças e adolescentes não pode servir
de estímulo aos excessos de hibernação. Eles têm de conviver fora
de casa, que não é nem pode ser permanente oficina ou escritório;
não é adequada sala de aula para estudantes; muito menos cenário
para afetos que as pessoas têm de trocar presencialmente. Se a
internet nunca poderá morrer, será muito desagradável vê-la como
produtora de reféns entediados.
Covid
19 fez com que batessem de frente os poderes constituídos do Brasil.
Executivo desentendeu-se mais ainda com juízes da suprema corte; e
estes, entre si, também rompem com os limites do direito de
divergir; algumas vezes partem para o desaforo. Não menos escassas
são boas relações do Palácio do Planalto com o Congresso,
agravadas pelo temperamento presidencial, cuja imprevisibilidade tem
sido robusta contribuição para dissidências, só momentaneamente
aplainadas quando se abre o balcão de adesões do chamado Centrão.
Os bons negócios não se vexaram no momento de calamidade; pelo
contrário, exatamente o clima é que tem propiciado acertos.
Há
em formação uma consciência coletiva a indicar que após o
coronavírus muitas coisas vão mudar; aqui, como em quase parte do
mundo. Mas dizer que nada será como antes talvez comporte certo
exagero, como a comparação com a Peste Negra da Baixa Idade Média;
esta sim rompeu com estruturas sociais e morais, mudou a paisagem do
mundo, impôs melhor pensamento científico e terá aberto os
primeiros caminhos para a revolução industrial. Agora não tanto;
porém, o que se transformar que seja para melhor. E lições sejam
bem assimiladas, para alimentar a esperança de que a tragédia nunca
mais se repetirá.
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