O
risco da desmotivação
((Wilson
Cid hoje no ”Jornal do Brasil”))
Não
há como elaborar previsões sobre as próximas eleições,
originalmente marcadas para outubro. A razão é simples: tomando-se
por base a realidade de hoje e o possível num futuro próximo, é
forçoso reconhecer que o país corre o risco de não poder cercá-las
com um mínimo de segurança e motivação; para não se falar da
possibilidade de coincidirem com clima social desfavorável,
consequência da passagem devastadora do coronavírus. Na verdade,
nem se poderia dizer com total segurança se nos quatro meses que
restam para a campanha a pandemia já terá partido, temor que tem
sido abonado por infectologistas à espera de dias piores.
O
calendário eleitoral tem sacrificado etapas; desorganizou-se. O
processo pode ser transferido para dezembro, na expectativa de que
até lá a vida nacional tenha se normalizado. Há, contudo uma
imposição real: admitida a necessidade do adiamento, a decisão há
de ser tomada logo, o quanto antes, de forma que o Congresso seja
chamado a se pronunciar, pois as datas do primeiro e segundo turnos
são definidas na Constituição. Para tanto poderia se alegar a
exigência emergencial, com um país em sobressalto na calamidade
pública, o que, no parecer de juristas, não é o suficiente para
relegar o que consagra a lei maior.
Definição
nesse sentido ainda esbarra no capricho de uma coincidência. Só no
último dia útil de maio (e o mês já vai arquivando a primeira
quinzena) é que assumirá o novo presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, ministro Luiz Barroso, impossibilitado de adotar a
decisão antes da posse; o decidir também escapa da pauta da
presidente que o antecede, pois durante seu mandato a alteração de
datas não encontra justificativa. A corte se vê diante da situação
em que o remédio indispensável tem de aguardar o momento certo para
ser ministrado.
Trata-se
de situação desconfortável para o Tribunal. Não podendo convocar
o eleitorado em outubro, terá de fazê-lo, no máximo em dezembro,
pois no primeiro dia de janeiro do ano seguinte os atuais prefeitos e
vereadores terão extintos seus mandatos. O ministro Barroso haverá
de redobrar esperanças e orações; e, tanto como nós outros,
esperar que uma segunda onda do mal se dissipe antes mesmo que se
concretize; porque epidemias ou desaparecem com a mesma ligeireza com
que chegam ou se robustecem para retornar mais ferozes.
Mas
a questão primeira nem está no campo da interpretação que se
possa extrair da lei, nem mesmo de possível elasticidade aplicada ao
calendário das urnas. Antes cabe indagar como estará se sentindo,
social e civicamente, o eleitor depois de uma temporada de tensões,
a morte rondando em estatísticas terroríficas, as instituições
vacilantes, a população exausta. O que terão os candidatos a dizer
e os eleitores a ouvir? Porque quando candidatos e partidos subirem
ao palanque lá já encontrarão uma população que o vírus ajudou
a abalar e torná-la ainda mais descrente dos poderes, dos
governantes e dos discursos em decomposição na química de
prodígios.
O
que terão a dizer para um povo que os próprios políticos
transformaram em legiões de desacorçoados?, se o que têm mesmo a
mostrar são os eternos torneios de elites e de vaidades, como o
coronavírus tem cuidado de escancarar. A montagem dos instrumentos
de defesa da população contra o mal – como explicarão os
candidatos? - expôs o divórcio entre as autoridades e seus deveres.
Como explicar?, se o pecado cometem tanto os governantes da hora como
os que os criticam.
Pairam
dúvidas sobre o clima que haveremos de respirar na hora dos
sufrágios nos municípios; muito mais pela desmotivação e cansaço
de esperar dias melhores e horizontes mais claros, do que
propriamente pelo dever de votar. Talvez não se deva confiar em
demasia nos otimistas, que caçam o exemplo antecedente, pois para
eles a eleição 1918 foi normal, embora também fosse o ano da
tragédia da Gripe Espanhola. É inválida a comparação, porque a
terrível epidemia chegou em setembro, e a eleição de Rodrigues
Alves já se dera em março, embora isso não impedisse que o
presidente se tornasse sua vítima ilustre, morrendo no janeiro
seguinte.
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