Partidos em mar turbulento
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))
O que se tem esperado, nos círculos políticos, é que as federações partidárias, o mais recente penduricalho inventado na legislação eleitoral, poderão, de fato, salvar alguns partidos da degola ameaçada por desempenho pífio. Pouco mais que isso. Foi o remédio inventado em laboratório para costurar roupa remendada nas velhas e indesejáveis coligações, que antigamente se satisfaziam em rechear de votos candidaturas com votações medíocres. Os que se salvarem com esse arranjo conseguirão sobreviver por mais algum tempo. Mas os olhares atentos dos inventores, voltados para legendas esquálidas, descuidam de examinar receitas saneadoras para os problemas e desafios que ameaçam os grandes partidos, cada vez mais convulsionados, sacudidos por exaustão ou crises internas, uma das quais evidenciada agora, quando se pensa na eleição do presidente da República.
O PSDB, que já teve época de enorme influência, vive o singular drama de ter escolhido um candidato à Presidência em prévia incontestável, incensou o vitorioso, João Dória, para, logo depois, chegar à conclusão de que não reúne força suficiente para tornar-se competitivo. Sendo ou não artificial a avaliação, o quadro é bastante grave ao expor dificuldades internas na convivência entre as correntes mais influentes. E os caciques do tucanato, percebendo a extensão do problema, optam por uma saída à francesa; isto é, sair sem fazer barulho e sem maiores turbulências no oceano incerto do ex-governador de São Paulo. Que cada qual cuide do seu próprio enterro, porque o impossível não há, como na história de Quincas Berro D’Água, personagem da imaginação de Jorge Amado.
Outro grande partido, que não passa ao largo de turbulências é o MDB. Este, mais que qualquer outro, podia se servir de uma estrutura longamente consolidada no interior do país, dono de poderosa capilaridade, tudo em contraste com o esforço de alguns de seus dirigentes, empenhados em removê-lo da próxima disputa presidencial, destinada a ser das mais importantes da história republicana. Velhos atores do caciquismo interno vêm se esforçando para desconsiderar os deveres da tradição, mas preferem correr para os braços do favoritismo do candidato Lula. Esperam fazer da eleição algo como a Pasárgada, de Manoel Bandeira, onde melhor não é ser o rei, mas amigo do rei. Tudo para confirmar que, com o tempo, o MDB aprendeu e gostou da arte do contorcionismo político, o que levou Almeida Reis a defini-lo como partido que se parece com gás, fluido, infinitamente compressível, cujo volume é do recipiente que o contém...
O fato de estar com seu pré-candidato na liderança das pesquisas não poupa o PT de ter problemas existenciais, que podem não comprometê-lo fatalmente, mas preocupam. O partido enfrenta divergências intestinas, separa-se em grupos, afora o risco de não ter como enfrentar um segundo revés na campanha presidencial. É um jogo duro. O petismo tornou-se umbilicalmente dependente do lulismo, não admitiu construir bandeira e líder alternativos; de forma que, se o líder fracassar, o partido afunda com ele. Foi assim com o PTB de Vargas e com o PC de Prestes. A História tem mania de se repetir.
A eleição, ainda distante, nestes primeiros ensaios já serviu para mostrar que a organização partidária brasileira tornou-se um prédio cheio de rachaduras nas paredes e tetos fragmentados, a recomendar reformas urgentes e profundas, antes que desabe de vez.
O país sem projeto
O principal defeito da campanha presidencial, pelo menos no que se refere à primeira fase, é a ausência de maiores preocupações em torno de um projeto nacional. O Brasil não tem um projeto exposto à discussão; e suas lideranças, empenhadíssimas em galgar o poder, não dão importância ao vácuo que criaram frente ao eleitorado, que em outubro vai assumir a responsabilidade de optar pelo candidato que lhe parecer mais adequado. O PDT pede ressalva, alegando que Ciro Gomes estudou o país suficientemente para mostrar planos consistentes. Tem projeto.
Ao quadro de carências não se pode atribuir o viés da novidade, porque em disputas anteriores ocorreu o mesmo. O Brasil sem visões a longo. Mas agora, com mazelas evidentes, permite-se debitar o mal às tensões pré-fabricadas e à polarização raivosa entre dois candidatos momentaneamente preferenciais. Esses fatos se juntaram e estão se fundindo perigosamente, o que condena o eleitor a se prender ao espetáculo marginal de xingatório, no qual não faltam ofensas pessoais entre os candidatos e seguidores igualmente destemperados.
Frente ao festival de ultrajes são raros e pálidos os sinais do que se pensa para o Brasil mudar ou melhorar. Os candidatos ainda não se sentem animados a entrar no assunto, o que pode condenar a campanha eleitoral à indigência. É uma pena.
Com mais cinco meses para o término da corrida presidencial, estando o clima como hoje está, a cada dia avolumam-se inseguranças. Para tanto empenham-se as delicadas incursões de militares e ministros do Supremo Tribunal, também eles despreocupados com o projeto nacional, mas atraídos pelas questões das cozinhas da política.
Pelo tanto que já vivemos e passamos, merecíamos coisa melhor.
Cautela de jacaré
Diz-se que o momento brasileiro é acescente, isto é, tem tudo para azedar.
E, como se tem falado muito, nos últimos dias, de agravamento das tensões, com militares tomando parte no enredo dos conflitos entre Bolsonaro, Supremo Tribunal e Câmara dos Deputados, ouvem-se também vozes de pacificadores com panos quentes. São os que temem o pior que pode acontecer, se os atores esticarem demais a corda. Os precavidos recomendam muita cautela. Fazem lembra uma conversa, nas vésperas da ditadura, entre Vitorino Freire (1908-1977) e Chagas Freitas (1914 -1991). Sentenciava o velho senador maranhense:
- Há um cheiro de enxore no ar. É preciso proceder como o jacaré, que, em rio de piranhas, nada de costas, barriga para cima.
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