Viajantes separados
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Nada mais expressivo que os atuais embates entre as pré-candidaturas à Presidência da República para expor feridas do divisionismo e do clima de intolerância que domina a vida dos partidos brasileiros. De tal forma, a virtude essencial da unidade tornou-se tão rara, que ficou exposta, como primeira evidência, a incapacidade de algumas das legendas de transmitir ao eleitorado pospostas e nomes próprios para tentar suceder a Bolsonaro; este, ao contrário, tem poucas dificuldades na acomodação de correntes internas dos grupos que o apoiam.
Estava prometido para esta terça-feira uma consulta do PSDB, do MDB e do Cidadania às respectivas bases para saber o que elas pensam do acerto de seus dirigentes, na semana passada, do qual resultou a indicação da senadora Simone Tebet para concorrer à Presidência. Supondo-se que a decisão superior fosse acatada, isso em pouco ou quase nada haveria de contribuir para dar melhores cores à fragilidade dos partidos diretamente envolvidos.
Eles caminham para a eleição deixando visíveis os sinais das dificuldades internas. O caso mais acintoso vem do PSDB, que passou a recusar o candidato apontado em pesquisa financiada com dinheiro público do fundo partidário. Desconheceu a indicação do ex-governador paulista João Dória, que acabou desistindo; saiu do páreo, mesmo que animado a arrastar a crise do tucanato para o campo da judicialização. Teria sido algo inédito num país que supunha já ter visto de tudo em singularidades políticas: um partido define o candidato, prepara-se para lançá-lo formalmente em convenção; e, depois, decide rotulá-lo como inviável. Previsão de um fracasso olímpico para os tucanos, porque a Justiça poderia até definir quem é o candidato, mas não teria como garantir a Dória o voto dos companheiros que pretendiam e conseguiram apeá-lo da candidatura.
De duas situações praticamente irreversíveis o tucanato deve estar ciente, desde a madrugada de ontem, com Dória ausente, adotando aliança com o MDB. Primeiro é que parte para uma importante eleição sangrando com o organismo partidário parcialmente comprometido. Segundo é que, afogado nessas divergências domésticas, o PSDB pode estar caminhando para o futuro com um adeus melancólico.
(Mesmo consagrada pela bênção de três legendas expressivas, talvez fosse oportuno a senadora Simone Tebet desconfiar das reais intenções do apoio que recebe, mas adotando a prudência dos santos, que desconfiam, quando a esmola é grande. O MDB tem antecedentes: cristianizou os candidatos a presidente Ulisses Guimarães e Orestes Quércia, que vivenciaram a infidelidade partidária de seus correligionários. Mas teve dois presidentes por acaso, os vices José Sarney e Michel Temer. Simone Tebet tem a seu favor, assegurado apenas o recurso financeiro de campanha através do fundo partidário, obrigado a destinar, no mínimo, 30% para candidaturas femininas. Não é de todo impossível que esteja sendo usada para rifar Dória em definitivo, objetivo já alcançado. E ser rifada depois. Porque muitos do MDB, que agora a apoiam, gostariam de estar livres para ficar com Bolsonaro no Sul e com Lula no Nordeste. Já o PSDB quer estar com Lula no Sudeste, Bolsonaro no Centro-Oeste e com Ciro Gomes no Nordeste. A senadora caminha em campos onde as minas, além das Gerais de Aécio Neves, podem estar enterradas).
Ainda sobrevoando fenômenos que geram as dificuldades dos partidos na convivência, é indispensável lembrar que os interesses regionalizados nunca foram tão expressivos e preponderantes como agora. Principalmente os tucanos e emedebistas sonham ratear o território nacional para os interesses ditados por bússolas experientes. Nisso não deixa de influir o Centrão, que não é partido, mas eficiente costureiro de retalhos. Essas bússolas atuam sobre os gabinetes do governo, sabem o lugar e a hora em que nasce o sol das verbas e dos favores. Não estamos tentando trazer novidades sobre o que todos sabem.
Nem socialistas e comunistas históricos, que vêm de uma tradição de unidade a qualquer custo, têm conseguido escapar dessa onda de desunião; e, se ficam com a candidatura de Lula, é por não dispõem de safra de autênticos para carregar suas convicções. Mas também quanto a isso há divergências. E o PT, mesmo sob os auspícios de favoritismo das pesquisas, continua enfrentando correntes divergentes, embora com a previsão de superá-las no momento do voto.
Homem e mulher
Um sociólogo, cujo nome não foi possível identificar, dado a raras legendas do debate em que participava na TV, propunha, entre outras questões que considera pertinentes com a sucessão presidencial, sejam os candidatos intimados a mostrar o que pensam e como pretenderiam lidar com a homoafetividade no campo da organização familiar. Talvez por considerar um tema que obteve visíveis progressos nos últimos anos, embora sem vencer questionamentos de natureza moral, ética e religiosa.
A intenção de quem propõe não parece suficiente para inflamar a campanha, muito menos para levar a Justiça a pedir ao eleitor, plebiscitariamente, que adote posição sobre a matéria, no momento de optar por um dos candidatos à Presidência, que no tablado de hoje, sem João Dória, são 12.
No fundo, o que se pretende do futuro presidente é que estimule a pretensão de reformar a definição da organização familiar, que não seja apenas obra da associação entre o homem e a mulher. Consolidar tal reforma na consciência coletiva é um passo no ideário da homoafetividade. Mas, de imediato, seria arriscado contar com o apoio ostensivo dos candidatos, principalmente dos dois que lideram pesquisas. Porque Bolsonaro e Lula carregam a experiência de três casamentos cada um… Acreditaram nas uniões como sugere a natureza.
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