Tempo para os extremos
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Vale insistir no tema, porque os ânimos na política e entre os políticos, cada vez mais acirrados, ajudam a perturbar alguma esperança de termos eleição presidencial sem maiores temores e incidentes. Já se tem falado muito sobre isso, mas as preocupações vão se tornando maiores, porque o pobre eleitorado parece caminhar para ver-se momentaneamente esmagado na luta entre esquerda e direita. O que já seria ruim, além de um mal adicional: não se sente aí uma campanha de divergências ideológicas, mas apenas o embate entre duas lideranças; essas mesmas que vêm sendo indicadas como preferenciais nas pesquisas. Bolsonaro ou Lula. Eis a questão que se revela.
Se as idiossincrasias desabam em Bolsonaro o remédio é optar por Lula. Se, num viés contrário, as antipatias se dirigem contra o petista, opta-se pelo presidente, seu adversário. É um cenário modesto, ameaçador, inspirado apenas na polarização e na medição de forças e nos antagonismos entre duas pessoas. Certamente que mereceríamos muito mais.
No Brasil de hoje os dois candidatos têm personificado ondas favoráveis ou contrárias, eximindo-os de expor e defender propostas objetivas para o país ansioso. Escasseiam os planos de governo, quando ambos limitam-se à troca de críticas. E, se assim chegarmos a outubro, fecharemos a campanha com premissas de agravamento dos problemas nacionais, que passaram em branco, longe de projetos e de compromissos sérios. A permanecer, sendo presidente um dos dois, herdaremos tensões que escapam de solução nos limites dos discursos de esquerda e direita, que aqui, como em qualquer lugar do mundo, têm sido incapazes de conter crises mais graves; e por isso mesmo sempre acessíveis a incursões ditatoriais, “fora das quatro linhas constitucionais”, como se costuma dizer. Por isso, esquerda e direita igualam-se ambas no ódio à democracia, garantia Norberto Bobbio.
Chegando ao poder, revelam limitada capacidade para conter excessos. E é sabido que não se governa quando a paz está submetida a arroubos; muito menos com sentimentos instalados nos extremos. Daí concluir-se que podem ser pouco suaves os meses que nos aguardam na esquina dos conflitos.
Em situações como a que vivemos, a polarização ajuda a esquentar as palavras e esfriar o raciocínio; fecham-se as portas da razão. Foi o que levou Ortega y Gasset a afirmar que ser de direita ou esquerda resulta em hemiplegia mental. Por extensão, submeter-se à dicotomia de ser contra ou a favor de um candidato ou de alguma coisa é garantia de um passo equivocado.
Pode parecer insistência fantasiosa, mas é preciso reclamar um projeto para o Brasil; uma proposta capaz de identificar vocações nacionais, principalmente, prioridades que possam arrancar do país os bolsões de miséria, que contrastam com os centros urbanos. Nada de novo quando se diz isso, mas vale a insistência, nem que seja pela realidade que está gritando diante de nós; realidade que nunca se reverterá, muito menos com discursos estéreis, requentados em antipatias mútuas.
Discurso inadequado
Uma curiosidade que qualquer observador político tem dificuldade para assimilar está no fato de os dois principais candidatos à Presidência da República adotarem discursos que entram em choque com o cuidado que sempre se entendeu como adequado para quem disputa votos em eleição majoritária. De fato, pelo que se lê e se ouve, Lula e Bolsonaro dizem coisas que, bem pensadas, aprofundam temores, além de não ajudarem na conquista da simpatia de quem conscientemente é convidado a apoiá-los.
O presidente tem afirmado que não sabe o que veio fazer no cenário político. Julga-se perpétuo vocacionado para a carreira militar, saudoso da caserna nos tempos de capitão. Assume atitudes de uma fé religiosa que, antes de ser tolerante e condescendente, tem concorrido para dividir e separar. E, talvez mais grave, dá trelas aos que o veem armado com a ideia de um golpe. Nesse particular, não procura esvaziar as suspeitas de avanços antidemocráticos.
Concorrente na primeira linha, Lula também esbanja potencial polêmico, incursionando em questões que, de tão delicadas, tornam-se inoportunas e indesejáveis em um palanque eleitoral. Afirma pretender uma imprensa policiada, mais imposto sobre quem ganha muito e quer empurrar os militares para os quartéis, recado, talvez, para a oficialidade que no governo Bolsonaro avançou sobre cargos e funções originalmente de provimento civil. Nos disparos altamente polêmicos o candidato do PT promete derrubar a reforma trabalhista. Não teme aprofundar o namoro com os avanços socialistas no continente, mas quer igual experiência para o Brasil.
Perguntar não ofende: no fundo, no íntimo, despertados por expectativas sombrias que engravidam o futuro, esses dois realmente gostariam de estar no lugar para onde desejam chegar? Há quem levante essa dúvida, supondo que lhes bastaria inspirar e ver instalada uma poderosa bancada no Congresso.
Fato é que há coincidências no comportamento que adotam, para confirmar que em política, como em certos fenômenos da natureza, os extremos se tocam por força das correntes alternadas. Se não tanto, ambos concorrem para enriquecer singularidades da política brasileira, porque, mesmo digladiando para a plateia, apreciam dizer coisas que não convêm aos cuidados de uma disputa por si só repleta de perigos.
Volta à ineficiência
Toda vez que o Congresso Nacional quer tirar proveito político de um fato grave e de repercussão, sabendo que não tem como solucioná-lo, cria e encena uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tal como se deu com a CPI da Covid, e agora tenta reeditar fracassos anteriores, com a promessa de apurar o que vai no submundo dos combustíveis e nos escorregões do ex-ministro Mílton Ribeiro, acusado de corrupção e traficar influência religiosa. Essas comissões, além de tradicionalmente improdutivas, costumam ser generosas, financiando viagens agradáveis, jantares e dividendos auferidos com os suspeitos que elas conseguem poupar.
Qualquer deputado ou senador estima ser eleito para integrá-las: trinta dias, prorrogáveis por mais trinta, para apurar o que não conseguem apurar. Depois elaboram longos relatórios que ninguém lê. Portanto, se depender de CPI, o ex-ministro da Educação terá o lombo preservado.