terça-feira, 21 de junho de 2022


Difícil sobrevivência

(( Wilson Cid, hoje, no  "Jornal do Brasil" ))



Não foi preciso esperar muito, nem conjecturar ameaças, para sentir que as recém-criadas federações partidárias estão fadadas a enfrentar desafios de sobrevivência, antes mesmo das previsões pessimistas, que não são poucas. Os sinais estão presentes, e raros os que apostam na sobrevida; muito menos nos quatro anos obrigatórios que a legislação concede aos aliados emergenciais. A razão da descrença começou nos embates verificados em naufragados projetos para a criação da terceira via na disputa presidencial, inviável, entre os principais fatores, pela preponderância dos interesses políticos estaduais raramente coabitados.

Quando se processam as campanhas eleitorais, os partidos, já insólitos por origem e natureza, ganham contornos de agremiações regionais. E nisso hospeda-se a principal razão do pessimismo sobre o futuro dessas federações. É sabido que, dentro de dois anos, quando as forças políticas se posicionarem para a eleição municipal, as disputas do poder e as expectativas passam a ser norteadas pelos valores locais. E os próceres que mandam ali não titubearão em mandar às favas as federações, criadas para salvar partidos raquíticos ou ganhar espaços entre os principais candidatos à sucessão de Bolsonaro.

Mas não faltam previsões em contrário, mais otimistas, sob a alegação de que os partidos federados aproximaram-se por coincidências ideológicas. Mas também aqui as esperanças são frágeis, pois o projeto que vem a seguir é eleger prefeitos e vereadores. Quanto menores e mais fechados forem os municípios do interior, mais influentes imperam fatores localizados, os compadrios e as relações interfamiliares, como também não deixam de pesar velhas rixas políticas que resistem ao tempo.

Quando se fala no poder dos interesses municipais, torna-se sensivelmente limitada a influência das lideranças nacionais; fica demostrado que, nos rincões, uma parte da vida política permanece atrelada ao modelo dos partidos republicanos da primeira metade do século 20, época em que cada estado tinha sua autonomia e formas próprias para administrar votos. Os tempos mudaram muito, mas não em tudo.

Não falta quem aposte que a próxima legislatura, de olho no embate eleitoral seguinte, já estará cuidando de abrir cova rasa para sepultar as federações partidárias.

Memórias do sindicalista

Velho e icônico comandante da extinta e poderosa CNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, Clodesmidt Riani, que em outubro completa 102 anos, tem o primeiro capítulo de sua biografia lançado amanhã, na Câmara Municipal de Juiz de Fora, cidade onde sempre residiu. “As Botinas Tentaram Calar”, com 360 páginas, é obra do jornalista Aníbal Pinto, que considera o livro, antes de tudo, fruto da memória de quem viveu um modelo de sindicalismo que desapareceu e “ficou num passado em que era capaz de parar o Brasil”, com poder de mobilização nunca visto, fenômeno contemporâneo do governo João Goulart. Para o biógrafo, a diferença na história de dois tempos do sindicalismo brasileiro está bem retratada no livro, com base na experiência pessoal de quem viveu e influiu nos acontecimentos.

Outra contribuição, diz ele, é que o livro aprofunda conhecimentos sobre a intimidade que mantinha muito próximos, na década de 60, o presidente da República e esse sindicalista, operário da Companhia Mineira de Eletricidade. Riani estava entre os que mais influenciavam no governo durante a campanha pelas reformas de base, que foram, a um só tempo, alento e queda de Goulart. “Nessa época, revelou-se obstinado defensor do sindicalismo como caminho referencial e único para a justiça social”, explica Aníbal, que prevê para fins de agosto o lançamento do segundo volume da biografia.

No prefácio do primeiro volume, Maria Teresa, viúva de João Goulart, exalta o esforço do livro para impedir que fiquem condenados ao esquecimento fatos de uma das quadras mais importantes da vida nacional. Uma contribuição para resgatar parte recente do passado da República.

Riani teve uma particularidade entre os que mais influíram no governo trabalhista que o golpe militar derrubaria nas primeiras horas de abril de 64. Foi o único que, voluntariamente, apresentou-se para ser preso, cena que é retratada na capa do livro. Condenado pela Justiça Militar, defendido por Sobral Pinto, a pena inicial de 17 anos acabou reduzida a sete. Um fato singular, no diário do cárcere, ocorreu em 69, sob o clima da ascensão da Junta Militar na morte de Costa e Silva. No jogo Brasil x Paraguai, que definiria a seleção na copa de 70, ao ser transferido do presídio da Frei Caneca para Ilha Grande, a escolta e o preso combinaram de, antes, ir ao Maracanã…

Nuvens pesadas

A 100 dias da eleição que vai definir o destino da Presidência da República seria mero exercício de imaginação estabelecer previsões sobre o clima em que terminará a campanha. Para justificar as incertezas, nas quais contribuem também conflitos das pesquisas, bastaria lembrar que no processo estará comandando o Tribunal Superior Eleitoral o ministro Alexandre Morais, desafeto de Bolsonaro, um dos candidatos consagrado num ambiente de tensa polarização.

Na sucessão de desavenças, além dos dois, o Ministério da Defesa sopra brasas já aquecidas, para alimentar a suspeita de insuficiência de garantias na invulnerabilidade das urnas, sujeitas a fraudes, como Bolsonaro insiste em denunciar.

Dispensável enumerar prejuízos decorrentes do clima de hostilidades, começando pelo espírito de intranquilidade que certamente haverá de influenciar muitos eleitores a caminho das urnas (ou deixarão de ir), porque não se sentirão suficientemente seguros na hora de fazer a escolha. É o que poderia contribuir para acentuar a massa dos votos anulados, retrato da descrença nos homens responsáveis por traçar os rumos do país.

Cabe ainda indagar, diante da paisagem de dúvidas e conflitos, o que estará pensando essa rapaziada de 16 a 18 anos?, que vem chegando para votar pela primeira vez. Atores de uma estreia sombria.

Esquerda x direita

O mapa da América do Sul amanheceu mais à esquerda, com a vitória de Gustavo Petro na Colômbia, numa eleição de discutível legitimidade, porque o vencedor teve pouco mais de 3,5% a seu favor, num universo eleitoral em que abstiveram-se 16 milhões de cidadãos. Crise política inevitável no futuro não distante. Mas o que nós temos a ver com isso?

O continente já havia tombado para a esquerda na Venezuela, Peru, Bolívia, Chile e Argentina. Apertado por todos os lados, o Brasil pode acabar caminhando para ter a próxima eleição presidencial igualmente transformada num embate entre esquerda e direita. O que, na realidade, é fato consubstancial na polarização entre Bolsonaro e Lula. Acossadoque estamos pela vizinhança e, principalmente, pela pressão de interesses externos já claramente manifestados, não só no campo político e ideológico, mas também econômico, é razoável admitir que o desempenho eleitoral da Colômbia vai ampliar, consideravelmente, as atenções dos Estados Unidos e da Europa pelo que está para aconteceu aqui em outubro.

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