Política violenta
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Não faltaram vozes assustadas, protestando, quando a Polícia Federal anunciou plano especial de proteção aos candidatos à Presidência da República, e nesse propósito pretendendo investir R$ 57 milhões. O que pode ser objeto de discordância é o fato de estarem destinados 30 agentes para cada um deles, nos 45 dias da campanha, o que pode parecer exagero; ou o volume de gastos previsto. Contudo, é impossível discordar da necessidade de os postulantes ao mais alto cargo da República estarem cercados de agentes especializados em segurança, porque no calor da campanha, no entrechoque dos interesses políticos, na intolerância sempre haverá alguém disposto a uma iniciativa terrorista. E os atentados políticos costumam levar a imensas complicações.
Fato mais recente na crônica dos atentados foi em 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro sofreu uma facada, que por pouco não lhe custou a vida, embora, na contrapartida, gerasse um clima de comoção que auxiliou seu desempenho nas urnas.
O esquema anunciado pela Polícia Federal, na semana passada, tem antecedentes que o recomendam. Quem primeiramente se arriscou, em 1897, foi Prudente de Morais, quando um antigo militante de Canudos, Marcelino Bispo de Melo, tentou matá-lo, e só não conseguiu porque o ministro da Guerra, Machado Guimarães, colocou-se na frente, e morreu no lugar do presidente.
Em abril de 1933 uma pedra rolou sobre a Rio-Petrópolis e atingiu o carro de Getúlio Vargas, morrendo seu ajudante de ordens. Todos os sinais eram de um atentado, que o governo procurou relegar, admitindo mero acidente, para evitar crise e tumultos.
Não somos um país de poucas pazes, quando se trata de guerras políticas. É sabido que em junho de 1968 havia sido destacado um capitão, para, depois de explodir o gasoduto do Rio, cuidar de atirar ao mar cerca de 40 políticos indesejados pela ditadura, entre eles Carlos Lacerda. O plano acabou abortado, pelo excesso de audácia. Neste JB, janeiro de 1977, entrevistado o general Lopes Bragança, disse ele que em 64, na festa de Tiradentes, em Belo Horizonte, seria metralhado ou explodido o palanque do presidente João Goulart. Se falhasse, um perito em tiro de longo alcance cuidaria de alvejá-lo. O golpe se antecipou para encurtar o mandato, sem precisar matá-lo.
São, portanto, inúmeros os casos suficientes para excluir o Brasil da crença de que vivemos uma política de bons modos. Bolsonaro que o diga, para não se remexer mais em coisas do passado.
(Agora, o que se ficou sabendo do esquema de segurança dos candidatos, é que gente do PT recusa a proteção de seu candidato preliminarmente confiada a um policial suspeito de ser confesso bolsonarista. O partido acha que aceitá-lo seria o mesmo que confiar a Herodes a segurança de um berçário…)
Ainda fake news
Não tem sido fácil tarefa policiar e constranger os que fazem uso inadequado de fake news, porque, muitas vezes, o usuário lança mão de recursos eletrônicos que não estão ao alcance da Justiça. E, ainda agora, quando o futuro presidente do TSE, Alexandre Morais, ameaça cassar o registro de candidatos que infringirem dispositivos que regulam a matéria, indaga-se como poderia ele cumprir o que promete. Observe-se que o candidato que oferecer algo impossível aos seus eleitores, abusando de artifícios e desinformando, estará praticando fake news. A questão é como provar as mentiras, comuns na caça aos votos durante as campanhas. Von Birmark já dizia que nunca se mente tanto como nas campanhas eleitorais, durante as guerras e depois da pescaria... As campanhas são sorvedouros de falsas promessas, versão eleitoral das fake news, inofensivas ou não. É o suficiente para concluir que, antes de atacar o criminoso, a única forma de contê-lo é na fonte, porque depois que o ilícito for ao vento, não há como impedir os estragos.
O recurso menos ineficiente para o Tribunal é um tratamento rigoroso com as plataformas, que podem conter alguma coisa dos ímpetos de falsidades e desinformações. Mesmo assim, sem poder descuidar do primado da liberdade de manifestação.
O ministro Alexandre de Morais, que terá o TSE sob sua presidência em coincidência com o calendário das eleições, fala em suspender, entre outras penalidades, o direito de candidatos que abusarem, mas deve sentir que apurar infrações desse tipo também demanda tempo; e o remédio legal para corrigir o que tiver de ser corrigido, em julgamentos vários, nem sempre terá pareceres em tempo hábil antes de 2 de outubro. Acresce que, no caso de o infrator eleger-se, será delicado romper com a manifestação popular. As coisas não são simples.
A mentira, quando prospera em tempo de eleições, ganha a rapidez de um corcel, difícil impedi-la. Para prová-lo, o mais célebre caso de fake news no Brasil vem da década de 50, quando Hugo Borghi, amigo de Getúlio Vargas, propagou que o candidato oposicionista, brigadeiro Eduardo Gomes, dissera que dispensava o voto de operários, os “marmiteiros”; o que ele jamais havia dito. Mas já não dava tempo para desfazer o mal inventado.
Amados e rejeitados
Pois ainda não foi possível uma conclusão aceitável sobre o real poder de influência do volume das rejeições na disputa presidencial deste ano. Ou, até que ponto o peso do fator da indesejabilidade poderia decretar a vitória de um dos candidatos que lideram as pesquisas, onde os favoritos também são os mais indesejados. Vá alguém tentar entender isso... Na verdade, o assunto nem tem conseguido abrigo na pauta do processo eleitoral; assunto secundário, embora valesse especular o intrigante fenômeno esse em que os que recebem a promessa de melhores votações serem exatamente os que ostentam maiores índices de rejeição.
Estaria a maioria do eleitorado condenada, por suas próprias mãos e votos, a fazer opção pelo que lhe parecer menos ruim? É preciso reconhecer que isso seria muito pouco para quem é chamado a definir o futuro imediato do país, que se contorce nas cólicas de uma infinidade de desafios.
É preciso avaliar melhor as origens e os desdobramentos dessa realidade que vivemos nos quatro meses que separam a nação de um pleito que todos têm na conta dos mais importantes da nossa História. Como explicar esse quadro surreal?, em meio a um campeonato em que preferências vão desaguar nos enjeitados; de tal maneira que o próprio eleitorado, consultado nas incontáveis pesquisas, revela clara tendência de inviabilizar candidaturas alternativas.
Para se concluir que, também na política, o Brasil não é para principiantes.
Para se comemorar
Diante de um cenário em que não faltam razões para preocupar, mas sabido que nem tudo está perdido, vale lembrar que no Brasil algo é digno de ser comemorado. Hoje é o Dia da Liberdade da Imprensa, esse bem inarredável do regime democrático, que, diferentemente, em outras partes do mundo vive momentos críticos. Para quem, aqui mesmo, viveu fases de liberdades afogadas, é preciso lembrar que nunca antes o direito de opinar e criticar, pela via da imprensa, foi exercido tão plenamente. Veja-se o que temos podido dizer sobre os governantes, em particular quanto ao presidente da República. E membros do Supremo Tribunal Federal. Com os ministros de tal maneira achincalhados, chegou-se ao ponto de seu presidente ser desconvidado para a palestra que iria proferir no Rio Grande, diante de tamanha reação contrária da sociedade local. Resultado, com toda certeza, do desprestígio que a imprensa, não injustamente, construiu para aquela corte.
Sobre o presidente Bolsonaro, é certo que nenhum dos antecessores foi bombardeado com tamanha intensidade. O Congresso, nunca festejado, goza da vantagem de poder diluir as críticas entre os mais de 500 de seus integrantes, mas nem por isso passa incólume. Sendo livre, a imprensa já pôde mostrar à sociedade que esse Legislativo fica longe do ideal.
De tão livre, não faltam vozes a reclamar mordaças. Aliás, essa é uma ofensa que figura entre as propostas da campanha eleitoral que vai começando. Sendo assim, é desejável o eleitor não perder de vista que a morte da liberdade da imprensa sempre esteve no amanhecer de qualquer ditadura. Ocorrem casos de ofensas, na cadeia perversa de alguns setores do jornalismo, gerando injustiças. Mas contra o abuso há remédios que podem ser aplicados, sem agredir ou ferir de morte a liberdade.
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