terça-feira, 25 de outubro de 2022

 

O desafio da paz



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")) 

Apurados os votos de domingo, conhecido o vencedor dessa contenda de dois turnos, é certo que estaremos entrando em um novo tempo de desafios, um dos quais, além das inevitáveis tensões da governabilidade, estará o esforço para a pacificação da política nacional, tarefa que pode começar logo, sem que se saiba quando terminará; se é que termine com bons resultados. É tarefa que se prenuncia é imensa e complicada para a harmonização de um país com a política e os contendores feridos e desgastados, resultado de uma campanha aguerrida, repleta de tensões e animosidades entre os poderes. Nem tiros faltaram.

Pois bem. Terminada a guerra, a quem atribuir a missão de arrumar a casa, varrer os ressentimentos mais graves, esfriar os ânimos e curar as feridas? Não há, numa primeira visão sobre a paisagem, alguém suficientemente poderoso, de tal forma qualificado para se desincumbir da missão. Falta alguém com discurso em que os guerreiros se sintam animados a descer as armas e partir para um novo tempo. Alguém com argumentos convincentes para provar que não há como admitir a perpetuação da batalha entre os grupos e partidos de Lula e Bolsonaro, qualquer que seja o vencedor.

1 - O caminho sinaliza alguns espinhos. O chão da política sai arrasado, os partidos falidos e enfraquecidos, o suficiente para se afirmar que a paz mínima é objetivo impossível a se alcançar de imediato; talvez mais difícil não propriamente pelos candidatos e as lideranças influentes que os cercam, mas por causa das militâncias, que saem da campanha com sangue escorrendo pelo canto da boca. Para ampliar a preocupação, pode ocorrer uma reduzida diferença de votos entre os dois finalistas, poderoso ingrediente para fomentar as tensões.

Em janeiro e fevereiro de 2023, empossados os eleitos para a Presidência da República e para o Congresso Nacional, a primeira previsão a considerar é que, desta vez, a militância popular pode estar mudando de pessoas e de bandeiras. A direita bolsonarista dá sinais de não querer deixar as ruas, gostou da experiência, e a elas pretende voltar se a vitória contemplar o PT, sem deixar de desenterrar dúvidas quanto à lisura das urnas, nas quais sempre entendeu estarem os votos vinculados a suspeitas.

O petismo, que sai de antiga história de atuação junto às massas, pode deixar em segundo plano os louros dessa vivência, mais atraído pelo perfil parlamentar que veio construindo ao longo do tempo. Esse perfil tem tudo para se acentuar no natural conflito com as bancadas bolsonaristas, que saíram significativamente fortalecidas da eleição do último dia 2. Se as urnas vierem contrárias a Lula, o projeto, certamente, será atormentar o sono do presidente reeleito.

2- A quem se deu ao deleite de acompanhar a política nacional percebe que as dissenções e feridas das disputas eleitorais sempre tiveram plantonistas da articulação para tentar os curativos necessários. Geralmente saíam do antigo PSD ou eram os bacharéis udenistas, e muitas vezes revelavam-se exitosos. Conseguiam esfriar muitos ânimos aquecidos. Não raro, mesmo sob as dores da derrota, promoviam a aproximação de velhos contendores, como no caso de Tancredo Neves e Magalhães Pinto. Aqueles saltaram do abismo que os separava, rendidos ao argumento de que o alvo era a redemocratização nos anos 80.

3 - Em acréscimo, mas não mero acessório nos tropeços rumo à pacificação, vem a questão das combalidas relações Executivo-Judiciário, o que, à primeira vista, pode parecer problema exclusivo para Bolsonaro, se reeleito, mas será igualmente uma boa preocupação para Lula, se a ele a vitória sorrir. Fácil perceber. Porque o Supremo Tribunal Federal e, à reboque, o Tribunal Superior Eleitoral demonstram ter tomado gosto pela bem sucedida incursão no campo da política; e não quererão abrir mão dessa conquista, antecedida por uma inovada interpretação de certos textos da Constituição. Em alguns casos à revelia do bom senso.

4 - Mas, se o mister é guardar as armas e extinguir os incêndios, resta alguma esperança entre pacifistas tradicionais. Acham eles que um bom emplastro para as dores da eleição pode pegar carona nas emoções da vizinha Copa do Mundo, e, logo depois, no espírito de Natal, que sempre sugere alguma fraternidade.

Estamos, contudo, no campo das conjecturas e sob sombras. Tudo fica na dependência da intensidade das cores que vão tingir o futuro. Como será a cama em que o Brasil vai se deitar na noite do dia 30? O país vai amarelar ou avermelhar?

Censurazinha

Uma velha história dos tempos da ditadura Vargas, quando o famigerado DIP era órgão encarregado de controlar a imprensa, um delegado de polícia fiel ao Palácio do Catete procurava explicar o inexplicável, dizendo que havia apenas “meia” censura, localizada e ocasional. Não existe meia censura, como não existe meia gravidez. É ou não é. O episódio soa oportuno, quando a ministra Cármen Lúcia, do STF, acatou grave medida restritiva de liberdade de expressão e de opinião, não sem antes instruir seu voto com a interessante ressalva de que votava pela censura, embora contra. Estranho, sobretudo quando prosperam, criminosamente, ofensas à liberdade dos órgãos de comunicação, ou se suas opiniões não coincidem com as preferências do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral. O passo cauteloso da ministra não é suficiente para desresponsabilizá-la, muito menos remover o risco de incursões ainda mais graves. A censura costuma robustecer-se exatamente num gesto como esse: entra como breve exceção, introduzida com passo felino, se não pretendesse nada demais e além.

O país vive um tempo de discussão eleitoral e de definição de rumos políticos, quando se deseja ver preservadas todas as franquias democráticas. Cabe repudiar qualquer restringência à palavra, porque é ela a primeira essência do debate e da divergência. Ora, como conceber um processo eleitoral salutar, se à TV, ao rádio e às redes sociais é cassado o direito de opinar? É preciso lembrar que essa infâmia vai nos empurrando para a barbárie, sob espanto geral do mundo civilizado. Se não bastassem as promessas de futuro controle da imprensa, coisa que figura na pauta eleitoral.

Na campanha paralela e funesta que vem empreendendo, o TSE toma decisões de ofício, age sem esperar que eventuais ofendidos e prejudicados antecipem-se e postulem providências. É o que permite uma dúvida sobre a lógica do raciocínio dos julgadores, que parecem satisfeitos em adotar para si, automaticamente, o que o colega Alexandre de Moraes julga acertado e conveniente.

Fato singular, muito próximo do exótico, é a decisão do TSE de cassar o direito de uma emissora de elaborar críticas contra candidatos, quando são os próprios que dizem horrores um sobre o outro, estando pautados ou não nas verdades. O Tribunal não os chama nem os admoesta, porque entende que o mal não está no fato em si, mas quem comunica o fato. Neste particular, o ministro Alexandre faz lembrar certos reis da Antiguidade que mandavam enforcar os mensageiros de notícias desagradáveis.

Abstenção na eleição

A preocupação das campanhas é a abstenção do eleitorado. No primeiro turno ela geralmente é menor em relação ao segundo. Por quê? Porque, como ocorre agora, já não haverá eleição para os membros do Legislativo e uma parcela de governantes estaduais, que alcançaram a vitória na primeira etapa. Consequentemente, ocorre menor mobilização de cabos eleitorais dos deputados. E sem a visibilidade da campanha presidencial (e de alguns pleitos estaduais) os candidatos dependem mais das plataformas de comunicação: TV, rádio e redes sociais.

Historicamente, a abstenção eleitoral é sempre objeto de análises dos interessados em política. No caso do Brasil, onde o voto é obrigatório, exceção dos menores de 18 anos e maiores de 70 anos, para quem é facultativo. Acontece que se tem observado não comparecimento persistente de 20 % dos eleitores cadastrados no TSE. Alguns acreditavam que o cadastro biométrico atualizaria o banco de dados da Justiça Eleitoral. Entretanto, nem a biometria foi plena (devido à pandemia), e nem o comparecimento foi ampliado.

No primeiro turno deste ano a abstenção quase chegou a 21%. Enormes filas nos locais de votação fizeram o eleitor gastar mais tempo para votar em cinco cargos; e o TSE, cooperando com o INSS, através da biometria, realizou prova de vida de aposentados e pensionistas. Muitos idosos não compareceram às seções eleitorais, e, talvez, por causa deles e da demora, desanimaram-se votantes de outras faixas etárias. Sabe-se que muitos tiveram notícia antecipada da morosidade na votação, e não quiseram sacrificar o domingo de lazer. Dependendo do lugar, o excesso de sol ou de chuva interfere também na abstenção.

No próximo domingo concorrerá outra situação desafiadora, esta relativa ao serviço público, em todos os níveis. Pois sexta-feira, dia 28, haverá folga pelo dia do funcionário. E, na semana seguinte, o feriado de Finados. Pelo que se sabe, os governos estaduais estão transferindo a folga do funcionário para segunda, dia 31, e concedendo ponto facultativo no dia de Todos os Santos. Um feriadão para servidor público, que, tendo condições financeiras, pode viajar e não votar. O que isso deve impactar na abstenção?

terça-feira, 18 de outubro de 2022

 assunto)

Wilson Cid
  • gilberto.cortes@jb.com.br
Seg, 17/10/2022 13:03


O PL mineiro



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil"))

Em uma semana, o presidente Bolsonaro, candidato do PL, foi três vezes a Minas, e volta hoje a Juiz de Fora, cidade que no primeiro turno lhe deu 38% dos votos contra 52% que ficaram com Lula.

Uma pergunta que tem frequentado outros centros políticos reflete a curiosidade: por que esse interesse pelo colégio eleitoral mineiro, afora ser um dos três maiores do país? Para explicar, é suficiente lembrar que em Minas, sob a capa da tradição de modéstia e discrição dos políticos, é onde o jogo pelo poder pode se tornar duro e pesado, com a intensidade que convier. Se necessário, como agora, contrariando o perfil que lhe traçou o professor Glagstone Chaves de Melo, o poíitico de lá não é macio; se for preciso, vai à jugular do adversário. Mas, ele conversa bem e desconversa melhor ainda, o que se retrata com exatidão na candura das inflexões e no jeitão de falar do governador Romeu Zema, eleito no primeiro turno, apoiador declarado da candidatura de Bolsonaro.

De forma que em Minas PL não é Partido Liberal. É Palácio da Liberdade. Nada de Novo.

Entre um turno e outro, sob a regência palaciana, as coisas mudam, os discursos já não dizem mais o que antes diziam, alteram-se as previsões, e com notável exercício de magia o governador rearruma as alianças. Poucos prefeitos ousam contestar o governo de que serão dependentes durante quatro anos. O presidente Bolsonaro parece jogar ali algumas de suas últimas cartadas.

Acaba de sair um livro do jornalista Itamar de Oliveira sobre a vida de Hélio Garcia, poderoso articulador de quem se valia Tancredo Neves na Transição. Na página 247 de “Arte Mineira de Fazer Política” está o depoimento mais precioso, em que o ex-ministro Hélio Costa narra como, por causa de 1% dos votos, não se tornou governador já primeiro turno. Mas na segunda votação, poucos dias depois, mesmo com todas as expectativas da vitória final, foi fartamente derrotado pelo xará Garcia, que comandou a mais intensa manobra de pressão e convencimento de que se tem notícia. Três décadas depois, são poucas as diferenças entre o antigo e o novo figurino.

Pecado da omissão

Ouve-se, por toda parte, a queixa de quem deplora o fato de estar condenado a ser contemporâneo de uma das campanhas eleitorais mais perversas, de baixo nível, além de um grotesco catálogo de ofensas pessoais. Mesmo as denúncias fundadas foram levadas aos eleitores com linguagem imprópria, desnecessariamente agressiva. A queixa é procedente, mas não pode servir de desculpa para o eleitor se recolher, ausentar-se, ainda que envergonhado. Não deve se comportar assim. Deixar de votar, por causa de uma campanha distante do ideal, com o desrespeito entre candidatos e seus seguidores, não justifica a omissão, que também é pecado. Na verdade, se se avaliar diferentemente, cabe insistir no exercício do voto, porque só ele depura, aperfeiçoa e pode ser, no futuro, o instrumento capaz de devolver às relações políticas a desejada grandeza.

Mas a campanha presidencial de 2022 não constitui exceção. Não são de hoje os casos de desqualificação no debate eleitoral. Em seu “Chão de Ferro”, o memorialista Pedro Nava conta que em 1919, morrendo o conselheiro Rodrigues Alves, assumindo Delfim Moreira a Presidência da República, sucedeu-se uma campanha sórdida. ”Como sempre, inventavam-se as maiores infâmias a respeito da honra, da virilidade, das famílias, da integridade mental”. Mesmo assim, venceu Epitácio. Anos antes, candidato com a bandeira civilista, Ruy Barbosa foi muito xingado. Viajando de trem em ferrovia do governo, queixava-se de que até água para beber lhe negavam…

Ainda não batem o suficiente os números da previsão do abstencionismo para a eleição do dia 30. Até porque a confiabilidade nas pesquisas está mergulhada em banho-maria. Mas, sejam modestos ou preocupantes os números, cabe lembrar e insistir: só o voto tem força para melhorar o nível da política e do debate entre candidatos. Fora disso não há salvação.

O peso da adesão

A duvidosa capacidade do apoiamento dos políticos que se deslocaram para influir no segundo turno fica sendo um dos temas para as discussões do pós-eleição do dia 30. Até que ponto a adesão das lideranças derrotadas pode influir no comportamento dos eleitores que “queimaram” o voto no primeiro domingo do mês? Há duas pesquisas (sem embargo das reservas) indicando que 60% daqueles eleitores não se deixam influenciar nem seguir a orientação que lhes dão os candidatos recém-derrotados. Preferem seguir suas intuições, criando novas preferências, não necessariamente coincidentes com as orientações.

Faz sentido uma das razões a preferir a atitude independente. Pois já não se sentem mais animados a ouvir e seguir aqueles em quem votaram, pelo tanto que achincalharam, xingaram e ofenderam; e derrotados, não se pejam de apoiar exatamente os adversários que haviam tratado com cusparadas. Os discursos, os de antes e os de agora, sem nenhum pudor tomam parte num sinistro campeonato de incoerências, que desagrada a muitos.

Não é bem coisa do passado. Antes não havia segundo turno, mas os portadores de títulos ficavam à espera das ordens dos chefes, muitos deles derrotados em urnas anteriores, embora prontos a mostrar aos adversários que ainda dispunham da força de persuasão. Como hoje. Presumia-se que isso estivesse confinado a rincões distantes.

O eleitor que saiu vencido no primeiro turno tem direito de sentir-se desobrigado do papel de cordeiro manso e doutrinável; mais ainda quando é convocado a decidir entre finalistas de uma campanha marcadamente radicalizada, aquecida por ódios e amores em excesso.

A transferência de votos, por simples antipatias ou interesses, pode não ser hoje tão poderosa como antigamente. Mas só depois do dia 30 talvez seja possível dispor de dados que autorizem melhor avaliação.

( À margem do processo. Certas adesões para o segundo turno oferecidas ao PT por lideranças políticas, mas principalmente de gente influente dos meios econômicos, mostram que estão confiando mais na saúde de Alkmin do que na saúde de Lula.)

O horário eleitoral

As eleições estão se finalizando com o segundo turno para governadores em estados onde foi necessária outra votação, e para a Presidência da República. De forma que no final do mês, fechadas as urnas, conheceremos os eleitos em definitivo. E, para alívio geral, como ouvintes e espectadores, termina o horário eleitoral gratuito, que, mais uma vez, foi uma lástima com tantas imagens desagradáveis.

É preciso uma reavaliação do horário gratuito, pois não tem contribuído para o aprimoramento do processo eleitoral. Quem teve a paciência e perseverança de acompanhar os programas e as inserções produzidas pelos partidos políticos tem direito de reivindicar o aprimoramento desse canal de divulgação das candidaturas, porque, o que aconteceu nesse horário é de tamanha bizarrice, que desestimula até quem tem interesse na política. Necessário o TSE e o Congresso Nacional focarem na revisão desse instrumento para torná-lo capaz de cativar a atenção dos eleitores. Algumas diretrizes precisam ser estabelecidas para que o candidato se comunique com o público sem abusar de estereótipos engraçados ou chocantes, na louca tentativa de ganhar o eleitorado. Por exemplo, proibir o uso de denominações profissionais, tais como patente militar, cargo no Judiciário, formação de trabalho, apelidos etc.

O candidato ao cargo eletivo precisa ter compostura e habilitação básica, pois, se na campanha já demonstrar limitações de conhecimento, de decoro para o futuro cargo que pleiteia, e pouca vocação para o diálogo, melhor seria não disputar o voto. Alguém pode achar que se está sugerindo o cerceamento da liberdade de expressão, mas não é a intenção. O que se deseja é a melhoria no uso do rádio e da TV, tão importantes para a democracia.

Outro aspecto do horário eleitoral usado pelos candidatos a  governador e presidente está em exagerar na desconstrução dos oponentes. Uma prática lamentável. Gasta-se tempo, energia e dinheiro para produção de vídeos depreciativos, que em nada contribuem para o debate; mas influi negativamente na degradação do processo de escolha. O imperativo que fica deste 2022, com dolorosa campanha, recomenda evolução dos processos de informação e formação do eleitor, tendo por base o respeito entre os candidatos, e o respeito deles em relação aos eleitores.

terça-feira, 11 de outubro de 2022


Fim melancólico



((Wilson Cid, hoje, no  "Jornal do Brasil")  

 

As urnas não tiveram de esperar o segundo turno e derrotar uma das duas últimas candidaturas à Presidência da República para sepultar o PSDB, sem concorrido velório, depois de agonizante no último quartel de vida. O tempo correu, e os tucanos não conseguiram a fórmula medicamentosa para salvá-lo. O partido acabou afogado nas urnas, das quais saiu encolhido em 55% na representação parlamentar, se comparada com a de quatro anos passados. Não bastasse, derrapou também nos estados.

Em São Paulo, onde havia nascido a ideia do projeto partidário que acolhesse a social-democracia, ficou fora do segundo turno na disputa do governo estadual. Em Minas, os tucanos paulistas tiveram como aliado outro ninho espaçoso, mas seu candidato a governador não foi além de 60 mil votos. E Aécio Neves, outrora governador, senador e quase presidente da República, elegeu-se agora deputado com apenas 85 mil.

Mas o leite está derramado. Diante do fracasso, quando se dissipar o clima de velório, vai ser preciso confiar a alguém o destino da social-democracia brasileira, já sem o concurso de figuras icônicas, como Covas, Montoro e José Serra, este também derrotado num domingo fatídico para o tucanato, quando ele pretendia nada mais que uma justa cadeira na Câmara dos Deputados. Mas a tarefa de ressuscitar o partido, ainda que não se saiba a quem caberá abraçá-la, deve começar por salvar as ideias originais e vencer a petrificada imagem da insegurança, do horror à decisão diante de temas delicados ou controversos. O PSDB, querendo subir, tem de começar descendo do muro. Talvez não falte espaço para tanto no futuro não muito distante, diante da expectativa de um país extremado e dividido entre direita e esquerda; e o centro órfão. É para pensar.

Fake news com evidência

Nada mais justo que a ansiedade dos que esperam uma palavra incisiva e esclarecedora do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre, sobre a violência de fake news, que ele prometeu combater com rigor. Pois, ocorreu que nas barbas da Justiça, não no anonimato dos abusos agressivos das redes sociais, foram os institutos de pesquisa que destorceram feio nos números da disputa pela Presidência da República. Erraram muito, mesmo que em alguns casos tentem explicar os erros na insuficiente avaliação dos assalariados e dados censitários superados.  A explicação é insuficiente em si mesma.

Queimados no calor dos protestos, sob suspeita de má fé e já condenados ao descrédito, os institutos só poderiam ser salvos se vingasse a ideia da CPI na Câmara, destinada a apurar os deslizes que praticaram. Sabemos, de cor e salteado, que nada melhor para sepultar erros e crimes que uma CPI. Ela avalia o que houve e logo esquece.

O que pode defender a verdade de tão monstruosas deformações, como a que se viu no dia 2, é o eleitor redobrar cuidados e desconfiar quando as pesquisas se revelam generosas demais com determinado candidato. Atentar sempre, porque pesquisa vendida e comprada sempre deixa mau cheiro no ar. Questão de olfato. Sente-se.

Cheque em branco

Apurados os votos pelo TSE, temos a escolha para a Presidência da República com candidatos já familiarizados com o cargo, embora ficassem devendo a apresentação de planos consistentes de governo para o próximo quadriênio. Com isto os eleitores são chamados a retornas às urnas para emitir um cheque em branco a quem cuidará dos destinos da nação doravante. Em raros lances da acalorada campanha que promoveram, ficou faltando a clara preocupação dos candidatos alçados ao segundo turno de mostrar suas intenções para o futuro.

A pandemia da Covid-19 trouxe transtornos para o mundo inteiro. A guerra da Rússia contra a Ucrânia afetou a geopolítica mundial, acarretando transtornos na economia, agravando problemas antigos, como abastecimento de petróleo, e trazendo desafios novos, entre os quais o mercado de commodities. A diplomacia brasileira terá de se desdobrar, a partir de 2023, também na perspectiva das relações internacionais com os dois importantes protagonistas da cena internacional: Rússia e China. E manter bom relacionamento com os EUA. Tarefas que serão nada fáceis. Na América Latina as relações bilaterais a serem mantidas dependerão de igual esforço diplomático com outras potências mundiais, mas com agravante de os países vizinhos ao Brasil estarem com grandes dificuldades econômicas. Os candidatos empurrados para o tira-teima do dia 30 passaram ao largo ante tais desafios.

As reformas estruturantes que o país reclama continuarão na ordem do dia no próximo ano, até porque não conseguiram avançar em esforços anteriores. A reforma tributária, mais urgente, enfrenta difícil consenso, porque sobre matéria tão importante o governo tem uma proposta, enquanto a Câmara dos Deputados e o Senado Federal têm outras duas. Pois, durante a campanha eleitoral, o tema ficou em abordagem superficial; era previsto, por se tratar de conteúdo espinhoso. Os governos estaduais não pretendem abrir mão de receitas, estão com as contas desequilibradas e esperam melhor atenção do novo mandato presidencial.

Há necessidade de outras reformas urgentes, apontadas pelos estudiosos dos problemas nacionais, mas igualmente sem o interesse da campanha presidencial anterior.

Abstenção desafiante

Não importa, prioritariamente, se, como querem alguns, o nível mais acentuado do abstencionismo na eleição do dia 2 deveu-se aos eleitores de baixa escolaridade ou de renda inferior a dois salários mínimos. Não se nega essa influência, mas há outros fatores a considerar, como certamente se deu, neste ano, com o clima de tensões e violência, incidentes e ameaças. São dados a considerar, sem se excluir que grande faixa dos votantes, cada vez mais consciente e politizada, também tem direito de decepcionar-se com a qualidade dos candidatos que os partidos impõem. E por que não considerar a indigência de talentos e vocações?, concorrendo, potencialmente, para estimular o eleitor a ficar em casa, sobretudo quando se trata de idoso ou jovem, cujo voto goza da tranquilidade do opcional; é mais direito que dever.

Em 2018, à medida em que a disputa Bolsonaro - Haddad foi se radicalizando, cresceu a tendência para a abstenção, que chegou a ficar em torno de 28 %. A julgar por fatos mais recentes, resta um dado interessante: quando as preferências do eleitor se deixam influir pelo fenômeno da polarização, como agora, pode ocorrer tanto o estímulo à votação como o retraimento. O clima em que se desenvolveu a campanha podia afetar tanto a ausência como a participação. Vale dizer: o principal desafio, hoje, de Bolsonaro e Lula, é sacudir a poeira da indiferença dos ausentes.

Voto de legenda

As eleições e o dia a dia da política continuam colecionando experiências capazes de mostrar e atestar que o modelo da organização partidária brasileira não tem mais como sobreviver, mas reclama imediatos retoques. Uma triste realidade ficou da votação de 2 passado, sem que para isso tenham concorrido os esforços de cientistas políticos, que, por seu turno, não cansam de avaliar que esse é um modelo ávido por reforma. Para revelar tal imposição, não constituiu exceção a recente eleição proporcional, quando se praticou modesta renovação na Câmara dos Deputados, como também na maioria das casas legislativas estaduais. Entre o voto nominal e o de legenda, este ficou com apenas 5.6% com queda de 4% em relação ao pleito anterior.

Ideal para a democracia é que os partidos, muito acima da fulanização, levem seus programas aos parlamentos pela via do voto popular. É o que atestam algumas das melhores câmaras europeias.

Um dos defeitos medulares da política, além da corrupção e do tráfico de influências, é a carência de autenticidade ideológica e programática dos partidos, quadro que se agrava quando são excessivamente numerosos; o que favorece, a um só tempo, o vácuo de ideais e a fartura de “acertos” de gabinete. Coisa que o Brasil precisa analisar com interesse.

O eleitor, diante desse quadro, sem que ninguém lhe tenha pedido tanto, está respondendo e reagindo com o paupérrimo voto de legenda.

Com base nesse e em outros indicativos, parece claro que um primeiro passo em busca de melhor desempenho dos partidos é reduzir o número deles a um leque que tenha a propriedade de abrigar todas as correntes. Nada mais que meia dúzia. Desnecessário dizer que disso decorre a eliminação das legendas de aluguel, todas elas claramente à vista, porque continuaram se alugando sem a discrição do pudor.