terça-feira, 11 de outubro de 2022


Fim melancólico



((Wilson Cid, hoje, no  "Jornal do Brasil")  

 

As urnas não tiveram de esperar o segundo turno e derrotar uma das duas últimas candidaturas à Presidência da República para sepultar o PSDB, sem concorrido velório, depois de agonizante no último quartel de vida. O tempo correu, e os tucanos não conseguiram a fórmula medicamentosa para salvá-lo. O partido acabou afogado nas urnas, das quais saiu encolhido em 55% na representação parlamentar, se comparada com a de quatro anos passados. Não bastasse, derrapou também nos estados.

Em São Paulo, onde havia nascido a ideia do projeto partidário que acolhesse a social-democracia, ficou fora do segundo turno na disputa do governo estadual. Em Minas, os tucanos paulistas tiveram como aliado outro ninho espaçoso, mas seu candidato a governador não foi além de 60 mil votos. E Aécio Neves, outrora governador, senador e quase presidente da República, elegeu-se agora deputado com apenas 85 mil.

Mas o leite está derramado. Diante do fracasso, quando se dissipar o clima de velório, vai ser preciso confiar a alguém o destino da social-democracia brasileira, já sem o concurso de figuras icônicas, como Covas, Montoro e José Serra, este também derrotado num domingo fatídico para o tucanato, quando ele pretendia nada mais que uma justa cadeira na Câmara dos Deputados. Mas a tarefa de ressuscitar o partido, ainda que não se saiba a quem caberá abraçá-la, deve começar por salvar as ideias originais e vencer a petrificada imagem da insegurança, do horror à decisão diante de temas delicados ou controversos. O PSDB, querendo subir, tem de começar descendo do muro. Talvez não falte espaço para tanto no futuro não muito distante, diante da expectativa de um país extremado e dividido entre direita e esquerda; e o centro órfão. É para pensar.

Fake news com evidência

Nada mais justo que a ansiedade dos que esperam uma palavra incisiva e esclarecedora do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre, sobre a violência de fake news, que ele prometeu combater com rigor. Pois, ocorreu que nas barbas da Justiça, não no anonimato dos abusos agressivos das redes sociais, foram os institutos de pesquisa que destorceram feio nos números da disputa pela Presidência da República. Erraram muito, mesmo que em alguns casos tentem explicar os erros na insuficiente avaliação dos assalariados e dados censitários superados.  A explicação é insuficiente em si mesma.

Queimados no calor dos protestos, sob suspeita de má fé e já condenados ao descrédito, os institutos só poderiam ser salvos se vingasse a ideia da CPI na Câmara, destinada a apurar os deslizes que praticaram. Sabemos, de cor e salteado, que nada melhor para sepultar erros e crimes que uma CPI. Ela avalia o que houve e logo esquece.

O que pode defender a verdade de tão monstruosas deformações, como a que se viu no dia 2, é o eleitor redobrar cuidados e desconfiar quando as pesquisas se revelam generosas demais com determinado candidato. Atentar sempre, porque pesquisa vendida e comprada sempre deixa mau cheiro no ar. Questão de olfato. Sente-se.

Cheque em branco

Apurados os votos pelo TSE, temos a escolha para a Presidência da República com candidatos já familiarizados com o cargo, embora ficassem devendo a apresentação de planos consistentes de governo para o próximo quadriênio. Com isto os eleitores são chamados a retornas às urnas para emitir um cheque em branco a quem cuidará dos destinos da nação doravante. Em raros lances da acalorada campanha que promoveram, ficou faltando a clara preocupação dos candidatos alçados ao segundo turno de mostrar suas intenções para o futuro.

A pandemia da Covid-19 trouxe transtornos para o mundo inteiro. A guerra da Rússia contra a Ucrânia afetou a geopolítica mundial, acarretando transtornos na economia, agravando problemas antigos, como abastecimento de petróleo, e trazendo desafios novos, entre os quais o mercado de commodities. A diplomacia brasileira terá de se desdobrar, a partir de 2023, também na perspectiva das relações internacionais com os dois importantes protagonistas da cena internacional: Rússia e China. E manter bom relacionamento com os EUA. Tarefas que serão nada fáceis. Na América Latina as relações bilaterais a serem mantidas dependerão de igual esforço diplomático com outras potências mundiais, mas com agravante de os países vizinhos ao Brasil estarem com grandes dificuldades econômicas. Os candidatos empurrados para o tira-teima do dia 30 passaram ao largo ante tais desafios.

As reformas estruturantes que o país reclama continuarão na ordem do dia no próximo ano, até porque não conseguiram avançar em esforços anteriores. A reforma tributária, mais urgente, enfrenta difícil consenso, porque sobre matéria tão importante o governo tem uma proposta, enquanto a Câmara dos Deputados e o Senado Federal têm outras duas. Pois, durante a campanha eleitoral, o tema ficou em abordagem superficial; era previsto, por se tratar de conteúdo espinhoso. Os governos estaduais não pretendem abrir mão de receitas, estão com as contas desequilibradas e esperam melhor atenção do novo mandato presidencial.

Há necessidade de outras reformas urgentes, apontadas pelos estudiosos dos problemas nacionais, mas igualmente sem o interesse da campanha presidencial anterior.

Abstenção desafiante

Não importa, prioritariamente, se, como querem alguns, o nível mais acentuado do abstencionismo na eleição do dia 2 deveu-se aos eleitores de baixa escolaridade ou de renda inferior a dois salários mínimos. Não se nega essa influência, mas há outros fatores a considerar, como certamente se deu, neste ano, com o clima de tensões e violência, incidentes e ameaças. São dados a considerar, sem se excluir que grande faixa dos votantes, cada vez mais consciente e politizada, também tem direito de decepcionar-se com a qualidade dos candidatos que os partidos impõem. E por que não considerar a indigência de talentos e vocações?, concorrendo, potencialmente, para estimular o eleitor a ficar em casa, sobretudo quando se trata de idoso ou jovem, cujo voto goza da tranquilidade do opcional; é mais direito que dever.

Em 2018, à medida em que a disputa Bolsonaro - Haddad foi se radicalizando, cresceu a tendência para a abstenção, que chegou a ficar em torno de 28 %. A julgar por fatos mais recentes, resta um dado interessante: quando as preferências do eleitor se deixam influir pelo fenômeno da polarização, como agora, pode ocorrer tanto o estímulo à votação como o retraimento. O clima em que se desenvolveu a campanha podia afetar tanto a ausência como a participação. Vale dizer: o principal desafio, hoje, de Bolsonaro e Lula, é sacudir a poeira da indiferença dos ausentes.

Voto de legenda

As eleições e o dia a dia da política continuam colecionando experiências capazes de mostrar e atestar que o modelo da organização partidária brasileira não tem mais como sobreviver, mas reclama imediatos retoques. Uma triste realidade ficou da votação de 2 passado, sem que para isso tenham concorrido os esforços de cientistas políticos, que, por seu turno, não cansam de avaliar que esse é um modelo ávido por reforma. Para revelar tal imposição, não constituiu exceção a recente eleição proporcional, quando se praticou modesta renovação na Câmara dos Deputados, como também na maioria das casas legislativas estaduais. Entre o voto nominal e o de legenda, este ficou com apenas 5.6% com queda de 4% em relação ao pleito anterior.

Ideal para a democracia é que os partidos, muito acima da fulanização, levem seus programas aos parlamentos pela via do voto popular. É o que atestam algumas das melhores câmaras europeias.

Um dos defeitos medulares da política, além da corrupção e do tráfico de influências, é a carência de autenticidade ideológica e programática dos partidos, quadro que se agrava quando são excessivamente numerosos; o que favorece, a um só tempo, o vácuo de ideais e a fartura de “acertos” de gabinete. Coisa que o Brasil precisa analisar com interesse.

O eleitor, diante desse quadro, sem que ninguém lhe tenha pedido tanto, está respondendo e reagindo com o paupérrimo voto de legenda.

Com base nesse e em outros indicativos, parece claro que um primeiro passo em busca de melhor desempenho dos partidos é reduzir o número deles a um leque que tenha a propriedade de abrigar todas as correntes. Nada mais que meia dúzia. Desnecessário dizer que disso decorre a eliminação das legendas de aluguel, todas elas claramente à vista, porque continuaram se alugando sem a discrição do pudor.

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