terça-feira, 25 de outubro de 2022

 

O desafio da paz



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")) 

Apurados os votos de domingo, conhecido o vencedor dessa contenda de dois turnos, é certo que estaremos entrando em um novo tempo de desafios, um dos quais, além das inevitáveis tensões da governabilidade, estará o esforço para a pacificação da política nacional, tarefa que pode começar logo, sem que se saiba quando terminará; se é que termine com bons resultados. É tarefa que se prenuncia é imensa e complicada para a harmonização de um país com a política e os contendores feridos e desgastados, resultado de uma campanha aguerrida, repleta de tensões e animosidades entre os poderes. Nem tiros faltaram.

Pois bem. Terminada a guerra, a quem atribuir a missão de arrumar a casa, varrer os ressentimentos mais graves, esfriar os ânimos e curar as feridas? Não há, numa primeira visão sobre a paisagem, alguém suficientemente poderoso, de tal forma qualificado para se desincumbir da missão. Falta alguém com discurso em que os guerreiros se sintam animados a descer as armas e partir para um novo tempo. Alguém com argumentos convincentes para provar que não há como admitir a perpetuação da batalha entre os grupos e partidos de Lula e Bolsonaro, qualquer que seja o vencedor.

1 - O caminho sinaliza alguns espinhos. O chão da política sai arrasado, os partidos falidos e enfraquecidos, o suficiente para se afirmar que a paz mínima é objetivo impossível a se alcançar de imediato; talvez mais difícil não propriamente pelos candidatos e as lideranças influentes que os cercam, mas por causa das militâncias, que saem da campanha com sangue escorrendo pelo canto da boca. Para ampliar a preocupação, pode ocorrer uma reduzida diferença de votos entre os dois finalistas, poderoso ingrediente para fomentar as tensões.

Em janeiro e fevereiro de 2023, empossados os eleitos para a Presidência da República e para o Congresso Nacional, a primeira previsão a considerar é que, desta vez, a militância popular pode estar mudando de pessoas e de bandeiras. A direita bolsonarista dá sinais de não querer deixar as ruas, gostou da experiência, e a elas pretende voltar se a vitória contemplar o PT, sem deixar de desenterrar dúvidas quanto à lisura das urnas, nas quais sempre entendeu estarem os votos vinculados a suspeitas.

O petismo, que sai de antiga história de atuação junto às massas, pode deixar em segundo plano os louros dessa vivência, mais atraído pelo perfil parlamentar que veio construindo ao longo do tempo. Esse perfil tem tudo para se acentuar no natural conflito com as bancadas bolsonaristas, que saíram significativamente fortalecidas da eleição do último dia 2. Se as urnas vierem contrárias a Lula, o projeto, certamente, será atormentar o sono do presidente reeleito.

2- A quem se deu ao deleite de acompanhar a política nacional percebe que as dissenções e feridas das disputas eleitorais sempre tiveram plantonistas da articulação para tentar os curativos necessários. Geralmente saíam do antigo PSD ou eram os bacharéis udenistas, e muitas vezes revelavam-se exitosos. Conseguiam esfriar muitos ânimos aquecidos. Não raro, mesmo sob as dores da derrota, promoviam a aproximação de velhos contendores, como no caso de Tancredo Neves e Magalhães Pinto. Aqueles saltaram do abismo que os separava, rendidos ao argumento de que o alvo era a redemocratização nos anos 80.

3 - Em acréscimo, mas não mero acessório nos tropeços rumo à pacificação, vem a questão das combalidas relações Executivo-Judiciário, o que, à primeira vista, pode parecer problema exclusivo para Bolsonaro, se reeleito, mas será igualmente uma boa preocupação para Lula, se a ele a vitória sorrir. Fácil perceber. Porque o Supremo Tribunal Federal e, à reboque, o Tribunal Superior Eleitoral demonstram ter tomado gosto pela bem sucedida incursão no campo da política; e não quererão abrir mão dessa conquista, antecedida por uma inovada interpretação de certos textos da Constituição. Em alguns casos à revelia do bom senso.

4 - Mas, se o mister é guardar as armas e extinguir os incêndios, resta alguma esperança entre pacifistas tradicionais. Acham eles que um bom emplastro para as dores da eleição pode pegar carona nas emoções da vizinha Copa do Mundo, e, logo depois, no espírito de Natal, que sempre sugere alguma fraternidade.

Estamos, contudo, no campo das conjecturas e sob sombras. Tudo fica na dependência da intensidade das cores que vão tingir o futuro. Como será a cama em que o Brasil vai se deitar na noite do dia 30? O país vai amarelar ou avermelhar?

Censurazinha

Uma velha história dos tempos da ditadura Vargas, quando o famigerado DIP era órgão encarregado de controlar a imprensa, um delegado de polícia fiel ao Palácio do Catete procurava explicar o inexplicável, dizendo que havia apenas “meia” censura, localizada e ocasional. Não existe meia censura, como não existe meia gravidez. É ou não é. O episódio soa oportuno, quando a ministra Cármen Lúcia, do STF, acatou grave medida restritiva de liberdade de expressão e de opinião, não sem antes instruir seu voto com a interessante ressalva de que votava pela censura, embora contra. Estranho, sobretudo quando prosperam, criminosamente, ofensas à liberdade dos órgãos de comunicação, ou se suas opiniões não coincidem com as preferências do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral. O passo cauteloso da ministra não é suficiente para desresponsabilizá-la, muito menos remover o risco de incursões ainda mais graves. A censura costuma robustecer-se exatamente num gesto como esse: entra como breve exceção, introduzida com passo felino, se não pretendesse nada demais e além.

O país vive um tempo de discussão eleitoral e de definição de rumos políticos, quando se deseja ver preservadas todas as franquias democráticas. Cabe repudiar qualquer restringência à palavra, porque é ela a primeira essência do debate e da divergência. Ora, como conceber um processo eleitoral salutar, se à TV, ao rádio e às redes sociais é cassado o direito de opinar? É preciso lembrar que essa infâmia vai nos empurrando para a barbárie, sob espanto geral do mundo civilizado. Se não bastassem as promessas de futuro controle da imprensa, coisa que figura na pauta eleitoral.

Na campanha paralela e funesta que vem empreendendo, o TSE toma decisões de ofício, age sem esperar que eventuais ofendidos e prejudicados antecipem-se e postulem providências. É o que permite uma dúvida sobre a lógica do raciocínio dos julgadores, que parecem satisfeitos em adotar para si, automaticamente, o que o colega Alexandre de Moraes julga acertado e conveniente.

Fato singular, muito próximo do exótico, é a decisão do TSE de cassar o direito de uma emissora de elaborar críticas contra candidatos, quando são os próprios que dizem horrores um sobre o outro, estando pautados ou não nas verdades. O Tribunal não os chama nem os admoesta, porque entende que o mal não está no fato em si, mas quem comunica o fato. Neste particular, o ministro Alexandre faz lembrar certos reis da Antiguidade que mandavam enforcar os mensageiros de notícias desagradáveis.

Abstenção na eleição

A preocupação das campanhas é a abstenção do eleitorado. No primeiro turno ela geralmente é menor em relação ao segundo. Por quê? Porque, como ocorre agora, já não haverá eleição para os membros do Legislativo e uma parcela de governantes estaduais, que alcançaram a vitória na primeira etapa. Consequentemente, ocorre menor mobilização de cabos eleitorais dos deputados. E sem a visibilidade da campanha presidencial (e de alguns pleitos estaduais) os candidatos dependem mais das plataformas de comunicação: TV, rádio e redes sociais.

Historicamente, a abstenção eleitoral é sempre objeto de análises dos interessados em política. No caso do Brasil, onde o voto é obrigatório, exceção dos menores de 18 anos e maiores de 70 anos, para quem é facultativo. Acontece que se tem observado não comparecimento persistente de 20 % dos eleitores cadastrados no TSE. Alguns acreditavam que o cadastro biométrico atualizaria o banco de dados da Justiça Eleitoral. Entretanto, nem a biometria foi plena (devido à pandemia), e nem o comparecimento foi ampliado.

No primeiro turno deste ano a abstenção quase chegou a 21%. Enormes filas nos locais de votação fizeram o eleitor gastar mais tempo para votar em cinco cargos; e o TSE, cooperando com o INSS, através da biometria, realizou prova de vida de aposentados e pensionistas. Muitos idosos não compareceram às seções eleitorais, e, talvez, por causa deles e da demora, desanimaram-se votantes de outras faixas etárias. Sabe-se que muitos tiveram notícia antecipada da morosidade na votação, e não quiseram sacrificar o domingo de lazer. Dependendo do lugar, o excesso de sol ou de chuva interfere também na abstenção.

No próximo domingo concorrerá outra situação desafiadora, esta relativa ao serviço público, em todos os níveis. Pois sexta-feira, dia 28, haverá folga pelo dia do funcionário. E, na semana seguinte, o feriado de Finados. Pelo que se sabe, os governos estaduais estão transferindo a folga do funcionário para segunda, dia 31, e concedendo ponto facultativo no dia de Todos os Santos. Um feriadão para servidor público, que, tendo condições financeiras, pode viajar e não votar. O que isso deve impactar na abstenção?

Nenhum comentário:

Postar um comentário