terça-feira, 18 de julho de 2023

 

Reeleição, erro que sobrevive



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Mais que uma intenção, na verdade foi promessa da mesa do Senado Federal que, tão logo passasse a eleição, as atenções seriam voltadas para o projeto que extingue o instituto da reeleição, tanto para presidente da República, como para governador e prefeito. Decorridos nove meses, não se conhece qualquer providência para a discussão da matéria, que tenta se viabilizar pela via de PEC de autoria do senador Jorge Kajuru, a quem sobram razões para se aborrecer, pois recebeu garantia de que a tramitação não tardaria. Outras preocupações não faltaram para ocupar o tempo pretendido.

Há um considerável grupo de parlamentares, alguns deles inspirados no senador Rodrigo Pacheco, também simpático ao projeto, já admitindo que a reeleição de ocupantes de cargos executivos tem concorrido para abastecer de vícios a política brasileira. Iniciada com a recondução de Fernando Henrique para a Presidência, ela já viveu tempo necessário para deixar bem claro que se trata de experiência digna de ser premiada com a aposentadoria. Superado e desmentido, o primeiro e talvez o mais sólido argumento ficou na intenção de conferir ao executivo prazo para realizar o que não consegue em exíguos quatro anos de um único mandato. Para contestar: todos os reeleitos, sem exceção, andaram pior nos ombros da segunda gestão.

Agora, talvez para encolher e esfriar esperanças de inauguração dos debates e posterior encaminhamento do projeto de emenda, o presidente Lula, espelhando-se em igual pretensão do americano Joe Biden, afirma que, sendo estimulado, poderia tentar mais quatro anos no poder, sem se incomodar com natural desânimo dos 81 anos que terá vivido. Isto certamente ajuda a cercar o tema de desinteresse, mesmo se sabendo que, votado agora, o fim da reeleição não teria como sacrificar eventual projeto do atual presidente, porque só poderia viger em 2030, sem atingir Lula. Não poderia ser de outra forma, porque é impossível alterar a regra, quando o jogo está sendo jogado.

Com as garantias de não afetar eventuais planos do atual presidente, nada impede, portanto, que a discussão prospere, porque o justificado desejo é que a política brasileira não tenha de experimentar seguidas frustrações. Que os futuros presidentes, governadores e prefeitos se satisfaçam com mandato de cinco anos. Se fracassarem, a culpa será da incapacidade, não do tempo de que dispõem para realizar o que o eleitorado lhes confiou.

Impeachment vulgarizado

Herança que vem dos dois últimos períodos presidenciais, os pedidos de impeachment estão colecionados e esquecidos nas gavetas da mesa da Câmara dos Deputados. Parece que mais de 100, agora com a promessa de deputados da oposição de ampliar a coleção, tendo como alvo o ministro Luís Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Há que se temer pela vulgarização desse rigoroso instrumento de condenação dos agentes públicos, porque, se proliferado, acaba perdendo o valor; ou, ocasionalmente lembrado, apenas a serviço do presidente Artur Lira, desengavetando-o, quando quiser, para ameaçar.

Especificamente no caso do ministro Barroso, propor o impeachment é mais que desnecessário, porque, ao dizer que ajudou a derrotar o bolsonarismo, ele apenas afirmou, para uma plateia de aplausos e apupos, o que sobejamente se sabe de sua conduta e da maioria de seus pares, em uma corte que assumiu vários encargos políticos, na maioria das vezes posicionando-se contra o ex-presidente. Não surpreendeu, e não há quem possa ignorar a realidade incontestável. O ministro não anunciou novidade, embora, a partir de hoje, depois de ser explícito em comício público, torna-se, automaticamente, voto suspeito em eventuais causas em que Bolsonaro e seu governo sejam parte interessada.

Não convém passar de repreenda a pretendida admoestação. Porque, no presente momento, torna-se  dispensável a gravidade de um ato cirúrgico. A inconveniência da fala do ministro, além de se limitar a uma antipatia conhecida por todos, pode ter resposta em fórmulas medicamentosas mais brandas.

Já tivemos dois presidentes apeados do poder por força de impeachment, com evidente influência de interesses políticos. Viu-se depois, além daquela influência, que havia outros caminhos para a cobrança de seus atos, que não a cassação do cargo. Portanto, trata-se de ato extremo, que só faz sentido aplicar-se em caso de absoluta gravidade. E, quando tratar-se de governante sob suspeita de incorreções, mais ainda impõe-se o cuidado, porque, quando impedido e afastado, quaisquer que hajam sido os motivos, o país cai na desordem administrativa e política, como também sofre inevitáveis desgastes nas relações externas.

A corda bem esticada

O recesso parlamentar veio a calhar. Deu ao presidente Lula algum tempo para respirar, afogado sob as crescentes exigências de um Centrão, como sempre ávido a assumir novos gabinetes e cadeiras na Esplanada. Já com várias concessões, justificadas pela necessidade de se construir maioria nas votações do Congresso, o governo parece sentir que as investidas atingiram agora algumas áreas essenciais e podem prejudicar seus planos. E em relação a essas não tem como abrir mão do comando. Por exemplo, o rigoroso controle dos recursos humanos e financeiros do ministério da Saúde e da coordenação dos programas sociais. Áreas preferenciais, que o presidente esforça-se para poupá-las de incursões políticas. Pelo menos é o que ele promete publicamente, neste momento em que pode falar grosso em uma Brasília carente de deputados; e o Centrão descansando pelos estados afora...

Dentro de poucos dias, quando se reacenderem as postulações, retoma-se o jogo de forças, cujo desfecho fica na dependência do elenco de matérias a serem submetidas ao crivo dos parlamentares. Estes, por sua vez, sabendo que as eleições aproximam-se, já não decidem, não recusam nem apoiam sem que as expectativas estejam fincadas na eleição de 2024. Muitos deles vão disputar grandes prefeituras, sonho que custa fábula de dinheiro, cargos de apoio e prestígio. É o desafio que sobe a rampa do palácio.

O governo Lula já deu bastante ao Centrão; o que é verdadeiro. Recebeu votos suficientes para superar dificuldades no encaminhamento de matérias essenciais; o que também é verdade. A questão é que, até agora, as negociações processaram-se no varejo. Para cada votação, emendas parlamentares generosas. Fossem os entendimentos acertados no atacado, como se faz em balcões bem sucedidos, talvez as pressões pudessem ser melhor administradas. Sem que se perca de vista o que se diz com frequência: esse não é governo de um partido, mas fruto de aliança. É preciso que todos sejam ouvidos e atendidos, como adverte o ministro Flávio Dino, que não se assusta e admite as pressões.

Nos primeiros dias de agosto, quando subir a escala de exigências, não se sabe se o presidente manterá a disposição de resistir, limitando os espaços de pouso para os deputados e senadores postulantes. Para não serem acusados de alimentar debates conflituosos, talvez eles abram mão de alguma coisa, como o comanda da Caixa e dos Correios, contentando-se com a Fundação Nacional da Saúde, onde militam 2.500 servidores em funções estratégicas nas temporadas pré-eleitorais.

A previsão é que a corda dos interesses fique espichadas como nunca. Numa ponta, o Centrão apetitoso; na outra, o presidente, que precisa dosar a acolhida das gentilezas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário