terça-feira, 5 de março de 2024

 



Código retocado



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Tema preferencial no painel político deste mês é a nova mexida que se pretende aplicar ao Código Eleitoral, essa peça sempre destinada a alterações de dois em dois anos, perturbação que, por si só, já justificaria pretender a coincidência de datas para renovação de mandatos. É outro tema que se arrasta há décadas. Para quem se dedica a estudos comparados da legislação em vigência nos demais países, é fácil verificar, sem esforço, que somos o único permanentemente insatisfeito com as leis, e aprecia mudá-las ou modificá-las. Tanto assim que, nos outros, nem há necessidade de tribunais eleitorais, como os que temos fartamente, tanto o superior como os regionais… Aqui, tão logo as urnas prenunciam o horizonte, e estamos empenhamos em alterar as regras, ou por inoportunas ou por força de interesses do momento.

Agora, por iniciativa do senador Marcelo Castro (MDB-PI) estamos, de novo, debruçados sobre esse Código já cheio de remendos. Louve-se, contudo, o ponto central das discussões que estão em aberto, ao se propor o fim da reeleição, depois de sobejas demonstrações de tratar-se de um instituto que, entre outros desfavores à política e à democracia, presta-se a um intenso jogo de continuísmo, pois qualquer executivo eleito não descansa, desde o primeiro dia, antes mesmo de guardar o paletó da posse, e se empenha em longas e custosas composições para a garantia de novo mandato. Há, contudo, uma dúvida, que precisa ser considerada quanto ao êxito da iniciativa do senador piauiense: constata ele, como constataram outros antes dele, que a iniciativa anda muito perto da unanimidade do Congresso Nacional. Pois talvez esteja aí o perigo, porque nas casas legislativas, sempre que as coisas parecem gozar de passagem serena, é aí que elas se complicam. O fim da reeleição pode enfrentar entraves artificialmente criados. Tomara que não.

Um ponto que a experiência recomenda cuidadoso debate está na tentativa de se promover a unificação eleitoral, para que a desejada coincidência se dê em 2030, o que contemplaria os eleitos com um mandato tampão de dois anos na eleição seguinte. Já convivemos com isso, na década de 70, e os resultados não foram satisfatórios na maioria dos municípios, porque funcionou apenas como um tapa-buraco na administração pública. Da mesma forma como dificulta a continuidade do mandato que normalmente se enceraria, gera inseguranças para o que virá em seguida. O que executivos não puderam fazer em quatro anos, dificilmente fizeram na prorrogação.

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Todas essas discussões, já se disse, acabam mostrando certa tendência para o campo da superficialidade, longe de avançar em dois pontos nos quais, seguramente, encontra-se a chave que pode levar a nação a abrir novos e mais seguros caminhos para o aperfeiçoamento da democracia representativa: o primeiro ponto, de aplicação quase imediata, é o voto distrital, que permitiria drástica redução nos custos das campanhas, e daria aos deputados o dever de se identificar melhor com suas bases representadas. A segunda questão a reclamar prioridade, mas longe de dispensar aprofundados estudos, é o parlamentarismo, reconhecido que o presidencialismo, no modelo vidente, esgotou-se no campo das virtudes. Contudo, não se sabe em que geração isso poderá acontecer…Paciência.

Longe de suspeitar das alterações que agora se pretende inscrever no Código Eleitoral, por pouco que possam oferecer, sempre é um passo a experimentar. Mesmo com o direito a queixa mais que procedente: há sempre objetivos mais importantes, sempre condenados a perpétuos adiamentos. Como o voto distrital e um sistema mais eficiente que o presidencialismo.

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