(( reproduzo, a pedido, editorial
do “Jornal do Brasil”, dia 26, sábado))
Preto no branco
Nestas horas, em que o Congresso Nacional pretende se ocupar, quase
exclusivamente, das coisas da campanha eleitoral dos homens e mulheres que o integram,
pareceria fora de propósito pedir atenção para outras questões, ainda que
revestidas de seriedade. Mas, senadores e deputados não podem consentir serem
meros expectadores, ante os entendimentos que, nos últimos dias, vêm se
processando, discretamente, entre as chancelarias brasileira e americana, com
vistas à criação de novos instrumentos nas relações entre os dois países; na
verdade, são eles a base de um vasto esquema de convivência, que em alguns
pontos amplia o que naturalmente já existente, mas também inova, sob outros aspectos.
A participação legislativa é, por isso
mesmo, indispensável, sobretudo quando as consultas abrangem aspectos de
segurança. Principalmente quanto a esse item, os acordos entre os dois países
envolvem certas sutilezas, porque nesse campo – é forçoso reconhecer - são
eles, não nós, que têm maior influência e poder para tomar decisões finais.
Nada mais insinuante que tal diferença, para reclamar a participação das
Comissões de Segurança e Relações Exteriores do Congresso, nem que, para tanto,
seus integrantes se vejam obrigados a sacrificar alguns dias de campanha
eleitoral. A celebração do vultoso acerto com os norte-americanos, estando bem
definida, deve atentar para o fato de que pode se tornar lesiva aos interesses
nacionais, se eles cederem a incondicionalidades, algo perigoso em qualquer
acordo. É naquelas Comissões que deve ecoar a conveniência brasileira em
relação ao que se sugere para compor a pauta do que se convencionou chamar de
Foro Permanente de Segurança.
Seria precipitado condenar, adredemente, as
boas intenções anunciadas, entre as quais o combate ao tráfico, ao terrorismo e
à má utilização dos recursos cibernéticos. Mas também nessas questões é
inaceitável dispensar claras definições de compromissos bipartites sobre os
valores em causa. Porque, bem avaliados os objetivos, parece claro que, se o
maior poder de decisões caberia sempre aos Estados Unidos, não ao Brasil,
preocupa saber que o vizinho do Norte, podendo mais, há de avocar a si a última
palavra.
Não menos importante, no bojo das
discussões que se travam entre as chancelarias, é pensar na repercussão e nas
influências decorrentes dessa proposta nas relações do Brasil com os demais
países latino-americanos. É certo, deve-se admitir, nem sempre correm paralelos
nossos pontos de vista sobre o nível de intervenções políticas e econômicas na
soberania dos povos. Num exemplo meramente ilustrativo, sem nada pretender
insinuar, se Washington decretasse pesadas sanções sobre a Venezuela, depois de
concluir que o pais acaba de passar pela reeleição do presidente Maduro, tida
como fraudulenta e viciada, o Brasil, ainda que a condene, não deixaria de
adotar a tradição do não
intervencionismo. Como conviveria, nesse Foro que se organiza, se os Estados
Unidos pensarem, como efetivamente pensam, a favor de ações diretas sobre
Caracas?
Tudo concorrendo para que se exija o concurso do Legislativo no evolução
desse projeto. Porque os horizontes que recomendam ações conjuntas, importantes
nas relações internacionais, são os mesmos que pedem limites e prudência, em
nome da soberania.
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