terça-feira, 13 de agosto de 2019

Reféns da perplexidade



Fato é que o segundo semestre avança furioso sobre o estoque de perplexidades a que o país está condenado, sem que saiba exatamente quando delas poderá se livrar, mesmo parcialmente. Disso resulta um clima de sobressaltos e de dúvidas sobre o que o brasileiro terá de ouvir na manhã seguinte. É, por exemplo, a sensação de quem vai ao telejornal e vê o comunicado da Vale, que passou agora a monitorar suas represas, o que há muito devia ser feito, evitando o crime de Brumadinho, que ela insiste em definir como um acidente, que custou a vida de duas centenas de pessoas. E ninguém preso. É incrível.

Num salto sobre o mapa, chega-se a Altamira, onde se assistiu, com pavoroso banho de sangue, à repetição de um descuido do sistema penitenciário, que espera a repetição de massacres para saber que gangues do crime organizado não podem viver sob o mesmo teto, porque não sabem conviver. Para separá-las não dispensável esperar os choques mortais. Não é menor o espanto de quem vai às redes sociais, onde não falta quem vê apenas uma excelente solução aritmética na chacina paraense: menos seis dezenas de criminosos eliminados. Bandido bom é sempre bandido morto? As sentenças prolatadas contra esses agentes do crime, conhecida sua periculosidade aliada à fiação às falanges sanguinárias já deviam definir a separação, sem permitir que a medida preventiva fique ao sabor de um sistema prisional que prima por muitas deficiências.

Se o voo dos perplexos faz parada em Brasília, chega aos ouvidos de uma população que nem pode dar conta de seus espantos, o relatório sobre o volume de obras mal iniciadas e abandonadas - 7.200 -, depois de constituírem um monumento ao desperdício do dinheiro dos contribuintes. O horror é ainda maior, porque não se fala em convocar os responsáveis pelo desleixo, como se o que praticaram ficou nos limites da traquinice.

Espantemo-nos. Nossos tribunais, guardiães da Justiça, mandam parricidas deixarem suas celas no segundo domingo de agosto para visita sentimental ao túmulo do pai que mataram. Há antecedentes dessa estranha inversão de amor filial, mas nem por isso a repetida liberalidade deixa de espantar por conter um certo conteúdo de hipocrisia.

Liberalidades, portanto, já não surpreendem excessivamente. Outra, que é desta semana, não seria capaz de surpreender, até porque guarda identidade com um mau costume político. É a ânsia de muitos deputados em cobrar e receber logo o dinheiro das emendas prometidas em troca do apoio à reforma da Previdência, um prêmio a que fazem jus por não terem mutilado totalmente o texto da matéria proposto pelo Executivo.

Num passo à frente, graças a uma singular simbiose de bizarrice e espanto, o segundo semestre também avança por iniciativa do presidente Jair Bolsonaro, que, soprando cinzas e brasas do passado que adormecia, trouxe à trempe dois capítulos sepultados no golpe de 64: contestou a responsabilidade do Estado na morte de um militante de esquerda, Fernando Santa Cruz, mexendo com sentimentos do presidente da OAB, e exaltou, mais uma vez, o coronel Brilhante Ustra, que o chefe do governo tem na conta de herói nacional, mesmo tendo sido o primeiro oficial de 64 a ser condenado como torturador em decisão judicial de 2008.

O mais grave na caminhada de um país de perplexos é o temor de perdermos a capacidade de estranhar essas coisas que nos rondam e nos ameaçam, como se uma anestesia geral se abatesse sobre a nação. E o presidente, antes de todos, tem o dever de nos desviar desse triste destino. 





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